Friday, December 13, 2019

Joyride

Roxette


Tava lendo as notícias sobre Marie Fredriksson, a vocalista do duo Roxette, que partiu dessa semana, no dia 9. Assisti a um vídeo onde ela fala de sua doença — e que a levou a morte trágica. Ela me pareceu tão distante daquele sonho que foram aqueles anos de sucesso. Também descobri a sua carreira solo, tão parecida e, ao mesmo tempo, tão diferente da banda que conquistou o mundo cantando em inglês, atingindo dezenove singles no TOP 40 britânico.  Acredito que, assim como eu, todos da minha geração devem ter tanto ficado consternados com sua partida quanto devem ter voltado no tempo ao reouvir as músicas do Roxette. Principalmente o pessoal que se lembra daquela época do comecinho dos anos 1990. Para quem passou por ali, parece que foi ontem. Mas para quem nasceu muito tempo depois, pode parecer muito mais tempo. É como eu, com quatorze anos pensando no tempo da juventude dos meus pais, quando eles ouviam Carmelo Pagano, Bobby Solo, Jovem Guarda. Mas para mim, os anos 90 parecem recentes. E, ao mesmo tempo, é difícil acreditar que tanto tempo passou.

Quem nasceu lá por 1998, por exemplo, hoje já tem mais de vinte anos. É mais ou menos a época em que o Roxette surgiu, no final dos anos 80. Quem tem vinte hoje não deve ter a mínima ideia do que era viver num mundo sem internet. A gente tinha então poucas fontes em matéria de música: revistas do gênero, como a Bizz, que apareceu na época do BRock e depois mudou à medida em que as cenas musicais foram mudando, ao longo da década seguinte.

Havia as lojas de disco, onde nós namorávamos os discos que não tínhamos dinheiro para comprar (havia as cabines para a gente degustar os álbuns na loja. Eu era aquele que ouvia dezenas de discos mas não levava nenhum). E havia o rádio. Aliás, diferente de hoje, quando existem tantas fontes de onde é possível fruir música, de tal forma que é possível viver sem sequer ouvir rádio, há três décadas, era um expediente incontornável.

O rádio hoje parece que sofreu uma espécie de congelamento. Existem muitas emissoras em FM que vivem essencialmente de flashback, o que é bastante sintomático. O que é sucesso hoje transite por outros canais, como o streaming. O FM musical jovem de sucesso hoje está segmentado e restante em poucas estações. O resto vive de flashbacks, em vitrolões com locução gravada. Ou seja, quase não há vida. Mas, claro, existem exceções. E às vezes a gente cansa de ouvir música por conta e parece que precisa ouvir um locutor.

Atavismo de ouvinte? Pode ser. Afinal de contas, nós somos do tempo quando o rádio era incontornável.  Se eu for pegar o Roxette, e reouvir aquelas músicas hoje me faz lembrar exatamente naquela virada dos 1980 para os 1990, quando eu acho que foi o auge do FM: a época que nós mais ouvíamos essa faixa e a época que nós mais dependemos dela.

Quando eu falo que o FM era incontornável, é porque é como se estivéssemos numa ilha onde o canal de comunicação com o que estava acontecendo na música era apenas e simplesmente o rádio. É curioso que o rádio FM me acompanhou toda a minha adolescência mas, justamente naquele período crucial quando eu saí da faculdade, ao mesmo tempo que a música estava migrando para o Mp3, o rádio estava passando por uma troca de bastão de gerações. Quando eu voltei a ouvir, por exemplo, há alguns anos, o FM de segmento jovem não tem mais nada a ver comigo. Porém, justamente os programas de flashback mantém uma playlist baseada nos anos 1990. 

Ou seja, essa década hoje é a nova década do vitrolão. Não conheço nenhuma pesquisa quantitativa sobre isso, mas minha hipótese é a de que os anos 1990 sejam o núcleo da programação dessas emissoras. Lembro que, nos anos 80, nós éramos tão pautados pelo presente, pelo que era sucesso, pelas 10 mais, pelas 20 mais, que só o que importava era o presente. E nós ouvíamos por tabela desde o que gostávamos até o que não gostávamos. Sendo tributários do rádio musical como distração, nós absorvíamos tudo. Mesmo o artista/banda que eu mais detestasse, eu sabia todas as canções do rádio deles de cor e salteado.

O Roxette era uma das bandas que eu não curtia muito na época, entre outras. Na verdade, eu confesso que 80% do que tocava no FM não era a minha praia. Quando eu comecei a colecionar discos, eu gostava de Dire Straits, depois enjoei (hoje estou ouvindo de novo, lógico). Depois que eu vi o filme Deixa Comigo, comprei a trilha sonora e comecei a curtir doo wop e rock dos anos 1950. Era algo quase subversivo gostar de música antiga em plenos anos 1980. Era como...não fazia sentido. Como o mundo estava cifrado no presente, não havia espaço para lembrar o passado naqueles tempos. Hoje, você passa numa papelaria e vê um caderno da Tilibra temático com os Beatles na capa. Isso, nos anos 1980, era impossível de se conceber.

Lá por 1990, eu fui numa cinemateca assistir ao Magical Mystery Tour. Éramos uns vinte ou trinta gatos pingados. Parecia uma conferência secreta. Não havia nada mais passado que assistir a um filme dos Beatles. Hoje, depois da Internet, aconteceu um refluxo, como se fosse um estouro da manada: todo o passado represado e esquecido nos escaninhos do tempo voltou. Isso explica esse retorno à artistas dos anos 1950, 60. Hpje eu vejo garotos e garotas com camisetas dos Beatles.

Eu, há duas ou três décadas atrás já parecia um aborto da natureza ouvindo essas coisas. Hoje eu vejo essa gurizada, que podiam ser meus filhos, ouvindo canções do tempo que eu ouvia e, quando ouvia, já era fora do tempo. E aqueles artistas, quando lançaram essas canções, nunca imaginaram que elas fosse durar um, dois ou três anos. O tempo passou e lá estamos nós de novo de volta ao passado, imaginário ou não.

Imaginário ou não porque, ao mesmo tempo que eu penso num passado que eu não vivi, como o tempo dos Beatles, eu lembro do passado que eu vivi, que é o dos anos 1980/90. Esse passado é o que eu reencontro reouvindo Roxette.  Lembro de 1990. Eu estudava nas Dores, em Porto Alegre. Quase toda minha família tinha estudado lá e parecia que era tradição estudar nas Dores. A verdade é que eu rodei a sexta série, depois a oitava, ambas em matemática. Então eu mandei a tradição às favas e fiz supletivo para liquidar de vez o maldito e interminável 1º grau, embora tenha decidido fazer o 2º grau normalmente, mas num colégio chamado Mauá. 

Ele ficava na descida da Dr. Flores, quase na praça Otávio Rocha, ao lado da Hudersfield. Do outro lado, tinha uma lanchonete daquelas que o chapista passava o paninho na chapa e depois na testa. E defronte tinha uma Audiolar, a locadora. Hoje não existe mais nada daquilo naquela esquina. 

O divertido do Mauá é que era a minha cara: um colégio de repetentes, rebeldes e bagunceiros. Eu obviamente continuei tirando zeros a rodo.  A diferença é que no Mauá era possível arrastar cadeiras, como na faculdade. Ou seja, era custom made para repetentes. Eu sempre arrastava uma cadeira de um semestre para outro, quase sempre matemática. Até quando, nos estertores do curso, quando eu já estava no cursinho e me preparando para os vestibulares, fui passado.

Ou o professor nos dava as questões (“ó, pessoal, dessas 30, 10 vão cair, resolvam todas e boa sorte”) ou então chegavam a conclusão que, como eu não ia fazer engenharia (o professor dizia que se eu fosse construir uma ponte ela iria irremediavelmente cair), eu podia passar. Mas na verdade, tenho saudade daquele tempo: se eu pudesse voltar no tempo, eu queria voltar naqueles tempos do Mauá. Era uma época daquelas quando a gente era feliz e não sabia. Eu morava na Duque, ficava o dia todo ouvindo música, ia para a aula. Enfim, não fazia nada. Meu trabalho era atravessar o centro, Andradas acima, para chegar na escola.

E a trilha sonora era o que tocava no rádio. E foi bem essa época do Roxette. Isso tocava em todas as emissoras. Naquela época, era o auge da Cidade, ainda pertencente ao grupo JB, a Universal, a Atlântida também no auge, com aqueles programas tipo Transatlântida, e que tocava bastante música. A Ipanema lá nos 94.9, embora bastante refratária ao que tocava nas demais de segmento jovem, e a Felusp começando, ainda com cara de rádio luterana e com um ar de college radio. E todas tocavam a trilha sonora da nossa geração. Rádios que eram de flashback era poucas. Tirando a Guaíba FM, que sempre foi aquela coisa de vitrolão de consultório, livraria Papirus (lembram?), e a Capital FM, que tocava coisas do arco, como Nico Fidenco,  músicas que hoje não tocam em estação nenhuma.

Essa época do Roxette, de 1989 até 1992, acho que foi o auge do FM, e foi a época mais divertida de curtir música no rádio. Depois eu não sei se rapidamente aquela cena saiu de moda, mas tudo mudou. A MTV Brasil começava a deslanchar e quando eu ouço (como agora neste momento) How do You Do (do Roxette) eu lembro do clipe. Acho que foi o canto do cisne deles. A MTV deve ter ajudado a acabar com aquela época. O Nirvana também, no sentido de abrir a porteira para bandas alternativas, e reconduzir ao primeiro plano as bandas de guitarras, algo que, naquela virada dos 80/90 estava meio que restrita as bandas remanescentes de hairy rock, não entanto, estas bastante segmentadas em termos de público.

O Nirvana (assunto de um post anterior) meio que botou a alternatividade no primeiro plano. O efeito colateral dessas mudanças foi um certo ressurgimento de bandas de rock no Brasil, ao mesmo tempo que houve outro ressurgimento, o do reggae, gênero tão pouco reconhecido nos anos 1980 (o Luiz Antônio Mello fala, no seu livro sobre a Fluminense que seus ouvintes detestavam reggae), acabou reaparecendo a partir de 1993, 1994. Ou seja, de repente, aquela cena onde bandas, duos como o Roxette pontificavam, acabaram saindo de cena. Mas o tempo passa e, enquanto pensávamos num fluxo evolutivo da música, décadas depois, descobrimos que cada vez parecemos voltar para o passado. 

E, de repente, tudo o que nós ouvíamos naquele tempo de adolescente, parece que é necessário esse movimento de retorno. Eu, por exemplo, não vejo nada no futuro. Naquela época, tudo parecia cheio de eternidade. Acho que reouvir aquelas canções do (nosso) passado, até as que não curtíamos e hoje, pálidos de espanto, descobrimos que não apenas gostamos, mas amamos. Existe um pouco da nossa história em cada canção daquelas. Lembro que as meninas da minha sala do Mauá todas amavam Roxette. E Guns. Eu até gostava de Roxette, mas Guns não dava. Desculpem. 

Bom, porém, sempre ficava com essa imagem de que Roxette era uma banda para meninas. Aí vem esse preconceito bobo. Mas eu sentia que eles eram especiais. Achava bacana que o Per Gessle aparecia nos clipes e naturalmente ao vivo usando guitarras clássicas, como aquela Rick branca em Joyride ou aquela Gretsh 6120 no clipe de How Do You Do!

Velhos tempos quando eu ficava zapeando o dial do FM. E quando caía num Spending My Time eu parava e ouvia. Não tinha como não ouvir. Hoje, então, sou coberto de uma profunda e triste/alegre nostalgia ao ouvir aquelas canções daquele tempo, e de revisitar toda uma história de uma curva de vida na frente deste computador, plugado num canal de streaming numa tarde de sexta.        .        

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