Roxette |
Tava lendo as notícias sobre Marie
Fredriksson, a vocalista do duo Roxette, que partiu dessa semana, no dia 9. Assisti a um vídeo onde ela fala de sua doença — e que a levou a morte trágica. Ela me pareceu tão distante daquele sonho que foram aqueles anos de sucesso. Também descobri a sua carreira solo, tão parecida e, ao mesmo tempo, tão diferente da banda que conquistou o mundo cantando em inglês, atingindo dezenove singles no TOP 40 britânico. Acredito que, assim como eu, todos da minha
geração devem ter tanto ficado consternados com sua partida quanto devem ter
voltado no tempo ao reouvir as músicas do Roxette. Principalmente o pessoal que
se lembra daquela época do comecinho dos anos 1990. Para quem passou por ali,
parece que foi ontem. Mas para quem nasceu muito tempo depois, pode parecer
muito mais tempo. É como eu, com quatorze anos pensando no tempo da juventude
dos meus pais, quando eles ouviam Carmelo Pagano, Bobby Solo, Jovem Guarda. Mas
para mim, os anos 90 parecem recentes. E, ao mesmo tempo, é difícil acreditar
que tanto tempo passou.
Quem nasceu lá por 1998, por exemplo, hoje já
tem mais de vinte anos. É mais ou menos a época em que o Roxette surgiu, no
final dos anos 80. Quem tem vinte hoje não deve ter a mínima ideia do que era
viver num mundo sem internet. A gente tinha então poucas fontes em matéria de
música: revistas do gênero, como a Bizz, que apareceu na época do BRock e
depois mudou à medida em que as cenas musicais foram mudando, ao longo da
década seguinte.
Havia as lojas de disco, onde nós namorávamos
os discos que não tínhamos dinheiro para comprar (havia as cabines para a gente
degustar os álbuns na loja. Eu era aquele que ouvia dezenas de discos mas não
levava nenhum). E havia o rádio. Aliás, diferente de hoje, quando existem tantas
fontes de onde é possível fruir música, de tal forma que é possível viver sem
sequer ouvir rádio, há três décadas, era um expediente incontornável.
O rádio hoje parece que sofreu uma espécie de
congelamento. Existem muitas emissoras em FM que vivem essencialmente de
flashback, o que é bastante sintomático. O que é sucesso hoje transite por
outros canais, como o streaming. O FM musical jovem de sucesso hoje está
segmentado e restante em poucas estações. O resto vive de flashbacks, em
vitrolões com locução gravada. Ou seja, quase não há vida. Mas, claro, existem
exceções. E às vezes a gente cansa de ouvir música por conta e parece que
precisa ouvir um locutor.
Atavismo de ouvinte? Pode ser. Afinal de
contas, nós somos do tempo quando o rádio era incontornável. Se eu for pegar o Roxette, e reouvir aquelas
músicas hoje me faz lembrar exatamente naquela virada dos 1980 para os 1990,
quando eu acho que foi o auge do FM: a época que nós mais ouvíamos essa faixa e
a época que nós mais dependemos dela.
Quando eu falo que o FM era incontornável, é
porque é como se estivéssemos numa ilha onde o canal de comunicação com o que
estava acontecendo na música era apenas e simplesmente o rádio. É curioso que o
rádio FM me acompanhou toda a minha adolescência mas, justamente naquele período
crucial quando eu saí da faculdade, ao mesmo tempo que a música estava migrando
para o Mp3, o rádio estava passando por uma troca de bastão de gerações. Quando
eu voltei a ouvir, por exemplo, há alguns anos, o FM de segmento jovem não tem
mais nada a ver comigo. Porém, justamente os programas de flashback mantém uma
playlist baseada nos anos 1990.
Ou seja, essa década hoje é a nova década do
vitrolão. Não conheço nenhuma pesquisa quantitativa sobre isso, mas minha
hipótese é a de que os anos 1990 sejam o núcleo da programação dessas
emissoras. Lembro que, nos anos 80, nós éramos tão pautados pelo presente, pelo
que era sucesso, pelas 10 mais, pelas 20 mais, que só o que importava era o
presente. E nós ouvíamos por tabela desde o que gostávamos até o que não
gostávamos. Sendo tributários do rádio musical como distração, nós absorvíamos
tudo. Mesmo o artista/banda que eu mais detestasse, eu sabia todas as canções
do rádio deles de cor e salteado.
O Roxette era uma das bandas que eu não
curtia muito na época, entre outras. Na verdade, eu confesso que 80% do que
tocava no FM não era a minha praia. Quando eu comecei a colecionar discos, eu
gostava de Dire Straits, depois enjoei (hoje estou ouvindo de novo, lógico).
Depois que eu vi o filme Deixa Comigo, comprei a trilha sonora e comecei a
curtir doo wop e rock dos anos 1950. Era algo quase subversivo gostar de música
antiga em plenos anos 1980. Era como...não fazia sentido. Como o mundo estava
cifrado no presente, não havia espaço para lembrar o passado naqueles tempos.
Hoje, você passa numa papelaria e vê um caderno da Tilibra temático com os
Beatles na capa. Isso, nos anos 1980, era impossível de se conceber.
Lá por 1990, eu fui numa cinemateca assistir
ao Magical Mystery Tour. Éramos uns vinte ou trinta gatos pingados. Parecia uma
conferência secreta. Não havia nada mais passado que assistir a um filme dos
Beatles. Hoje, depois da Internet, aconteceu um refluxo, como se fosse um estouro
da manada: todo o passado represado e esquecido nos escaninhos do tempo voltou.
Isso explica esse retorno à artistas dos anos 1950, 60. Hpje eu vejo garotos e
garotas com camisetas dos Beatles.
Eu, há duas ou três décadas atrás já parecia
um aborto da natureza ouvindo essas coisas. Hoje eu vejo essa gurizada, que
podiam ser meus filhos, ouvindo canções do tempo que eu ouvia e, quando ouvia,
já era fora do tempo. E aqueles artistas, quando lançaram essas canções, nunca
imaginaram que elas fosse durar um, dois ou três anos. O tempo passou e lá
estamos nós de novo de volta ao passado, imaginário ou não.
Imaginário ou não porque, ao mesmo tempo que
eu penso num passado que eu não vivi, como o tempo dos Beatles, eu lembro do
passado que eu vivi, que é o dos anos 1980/90. Esse passado é o que eu
reencontro reouvindo Roxette. Lembro de
1990. Eu estudava nas Dores, em Porto Alegre. Quase toda minha família tinha
estudado lá e parecia que era tradição estudar nas Dores. A verdade é que eu
rodei a sexta série, depois a oitava, ambas em matemática. Então eu mandei a
tradição às favas e fiz supletivo para liquidar de vez o maldito e interminável 1º
grau, embora tenha decidido fazer o 2º grau normalmente, mas num colégio
chamado Mauá.
Ele ficava na descida da Dr. Flores, quase na praça Otávio Rocha,
ao lado da Hudersfield. Do outro lado, tinha uma lanchonete daquelas que o
chapista passava o paninho na chapa e depois na testa. E defronte tinha uma Audiolar, a locadora. Hoje não existe mais nada daquilo naquela esquina.
O divertido do Mauá é que era a minha cara:
um colégio de repetentes, rebeldes e bagunceiros. Eu obviamente continuei tirando zeros a
rodo. A diferença é que no Mauá era
possível arrastar cadeiras, como na faculdade. Ou seja, era custom made para
repetentes. Eu sempre arrastava uma cadeira de um semestre para outro, quase
sempre matemática. Até quando, nos estertores do curso, quando eu já estava no
cursinho e me preparando para os vestibulares, fui passado.
Ou o professor nos dava as questões (“ó,
pessoal, dessas 30, 10 vão cair, resolvam todas e boa sorte”) ou então chegavam
a conclusão que, como eu não ia fazer engenharia (o professor dizia que se eu
fosse construir uma ponte ela iria irremediavelmente cair), eu podia passar. Mas
na verdade, tenho saudade daquele tempo: se eu pudesse voltar no tempo, eu
queria voltar naqueles tempos do Mauá. Era uma época daquelas quando a gente
era feliz e não sabia. Eu morava na Duque, ficava o dia todo ouvindo música, ia
para a aula. Enfim, não fazia nada. Meu trabalho era atravessar o centro,
Andradas acima, para chegar na escola.
E a trilha sonora era o que tocava no rádio.
E foi bem essa época do Roxette. Isso tocava em todas as emissoras. Naquela
época, era o auge da Cidade, ainda pertencente ao grupo JB, a Universal, a
Atlântida também no auge, com aqueles programas tipo Transatlântida, e que
tocava bastante música. A Ipanema lá nos 94.9, embora bastante refratária ao
que tocava nas demais de segmento jovem, e a Felusp começando, ainda com cara
de rádio luterana e com um ar de college radio. E todas tocavam a trilha sonora
da nossa geração. Rádios que eram de flashback era poucas. Tirando a Guaíba FM,
que sempre foi aquela coisa de vitrolão de consultório, livraria Papirus
(lembram?), e a Capital FM, que tocava coisas do arco, como Nico Fidenco, músicas que hoje não tocam em estação
nenhuma.
Essa época do Roxette, de 1989 até 1992, acho
que foi o auge do FM, e foi a época mais divertida de curtir música no rádio.
Depois eu não sei se rapidamente aquela cena saiu de moda, mas tudo mudou. A
MTV Brasil começava a deslanchar e quando eu ouço (como agora neste momento)
How do You Do (do Roxette) eu lembro do clipe. Acho que foi o canto do cisne
deles. A MTV deve ter ajudado a acabar com aquela época. O Nirvana também, no
sentido de abrir a porteira para bandas alternativas, e reconduzir ao primeiro
plano as bandas de guitarras, algo que, naquela virada dos 80/90 estava meio
que restrita as bandas remanescentes de hairy rock, não entanto, estas bastante
segmentadas em termos de público.
O Nirvana (assunto de um post anterior) meio
que botou a alternatividade no primeiro plano. O efeito colateral dessas
mudanças foi um certo ressurgimento de bandas de rock no Brasil, ao mesmo tempo
que houve outro ressurgimento, o do reggae, gênero tão pouco reconhecido nos
anos 1980 (o Luiz Antônio Mello fala, no seu livro sobre a Fluminense que seus
ouvintes detestavam reggae), acabou reaparecendo a partir de 1993, 1994. Ou
seja, de repente, aquela cena onde bandas, duos como o Roxette pontificavam,
acabaram saindo de cena. Mas o tempo passa e, enquanto pensávamos num fluxo
evolutivo da música, décadas depois, descobrimos que cada vez parecemos voltar
para o passado.
E, de repente, tudo o que nós ouvíamos naquele tempo de
adolescente, parece que é necessário esse movimento de retorno. Eu, por
exemplo, não vejo nada no futuro. Naquela época, tudo parecia cheio de
eternidade. Acho que reouvir aquelas canções do (nosso) passado, até as que não
curtíamos e hoje, pálidos de espanto, descobrimos que não apenas gostamos, mas
amamos. Existe um pouco da nossa história em cada canção daquelas. Lembro que
as meninas da minha sala do Mauá todas amavam Roxette. E Guns. Eu até gostava de
Roxette, mas Guns não dava. Desculpem.
Bom, porém, sempre ficava com essa imagem de que Roxette
era uma banda para meninas. Aí vem esse preconceito bobo. Mas eu sentia que eles
eram especiais. Achava bacana que o Per Gessle aparecia nos clipes e
naturalmente ao vivo usando guitarras clássicas, como aquela Rick branca em
Joyride ou aquela Gretsh 6120 no clipe de How Do You Do!
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