Friday, April 19, 2019

No tempo do 45 Rotações

Compacto original de "That's All Right, de 49


David Browne assina uma matéria muito interessante sobre os setenta anos do single de 45 rotações na Rolling Stone americana de março. Em março de 49, a Victor lançou uma série de compactos nesse formato, indo do clássico ligeiro ao rhythm'n blues, passando pela música infantil. Um desses singles, e que se tornaria clássico, é "That's All Right Mama" com Arthur Crudup.

Browne compara o impacto do 45 na época como Iphone nos dias de hoje. Nos anos seguintes, essa seria a mídia que iria ser a base do pop mundial.

Ele fala da ascensão e queda do compacto, principalmente com relação à adoção, por parte dos artistas, do álbum em detrimento do single, no final dos anos 60 e do advento do CD duas décadas depois. Porém, entende que a concepção do single como modelo de formato de lançamento e divulgação de música popular passou pela era do Mp3 e ainda resiste, em plena era do streaming.

Uma coisa que a matéria da Rolling Stone não falou ou desdobrou propriamente é como o surgimento do 45 mudou tanto a forma de produção quanto a de consumo de música popular.

Com o advento dessa tecnologia, o eixo de produção de discos saiu progressivamente da cena musical de Nova Iorque e da Broadway e deslocou-se para outros centros do país, como o meio-oeste e o sul. A partir do 45, surgiram dezenas - e depois centenas - de pequenas gravadoras, ao mesmo tempo que facilitou o trabalho dos disk-jockeys quanto à armazenagem e operação das bolachinhas.

Ao mesmo tempo, a partir da aparição desses pequenos selos, acontceria  uma drástica horizontalização da produção musical no país. Longe do Tim Pàn Alley, essas gravadoras iriam propagar largamente, com o auxílio de rádios locais, outros gêneros, como o country e  o rhythm'n blues no final dos anos 40 e o rock, na década posterior.

Para o surgimento do rock, com a descoberta de um mercado ainda pouco explorado pelas majors (Decca Columbia e Victor) que era o público jovem por parte desses selos, tudo seria uma questão de tempo.

Um exemplo é a Sun Records. Ela nasceu um ano depois do advento do 45, com auxílio de Jim Bullet da Bullet Records, de Nashville. Jim era o dono e Sam Phillips era caça-talentos de artistas para o selo. Na época do surgimento da Sun, a Bullet havia conseguido um inesperado sucesso nacional com "Near You" de Francis Craig.

Porém sendo obrigado a continuar o êxito obtido com o disco, a Bullet não conseguiu ombrear as operações das grandes gravadoras e quebrou, mais ou menos como time pequeno quando é campeão e é obrigado a pensar grande. Pensando localmente, o cauteloso Philips preferiu concentrar-se estritamente no mercado regional e já contando com a tecnologia do 45.

Seu horizonte era o sul com suas emissoras e o seu respectivo público. "Near You" um fox-canção para crooners com voz de travesseiro do estilo Bing Crosby ou Dick Haymes - era o tipo de música que fazia o gosto do mainstream e seu público radiofônico moldado na era do swing, que em 49 vivia um lento declínio com relação à preferência dos ouvintes.

Sam não queria swing. Ele queria o rhythm'n blues. Ao contrário da Bullet, a Sun deu certo porque apontou para o mercado local, que consumia a música local ao invés de querer disputar o mercado titânico e estabelecido do Tim Pan Alley. A Bullet, por sua vez, quis bispar um mercado além da sua húbris e quebrou.

Ao contrario do Brasil, o esquema rádio-gravadora praticamente moldou a história do rádio americano. Victor e Columbia jogavam nas duas divisões. Logo não havia nada de errado que esse modelo se insurgisse e se propagasse embora em pequena escala.

O problema é que essa mesma cadeia produtiva em pequena escala podia incomodar os grandes. E os DJs, tendo cada vez mais autonomia para caçar talentos, gravar e lançar essa produção musical no éter, poderiam agora sim ameaçar a sólida hegemonia dos mandantes do campo da música ianque. Ele teriam dessa vez, cada vez mais, o público do seu lado.

Quando estourou o escândalo da payola, em 1960,  'patrocinada' pelas grandes gravadoras e editoras musicais estadunidenses, o foco eram justamente esses DJs que, naquele momento, haviam tornado-se verdadeiros corsários da música, dessa vez, ao contrário dos tempos da Bullet versus Tim Pan Alley, realmente afrontando as majors.

Ou seja não era apenas pelo fato de payola tratar-se de contravenção. As gravadoras queriam destruir os DJs menos pelo que eles faziam por debaixo dos panos do que pelo que eles representavam: acabar com a idade do ouro do Tim Pan Alley. Essa é outra história e com seus desdobramentos.

Mas para fazer isso eles teriam que depois abraçar o rock e toda a cultura que floresceu pelos aos 50,  como corolário da popularidade do compacto de 45 rotações,  que esse ano completa seus 70 anos de surgimento.