Wednesday, November 21, 2012

50 anos de Bossa Nova no Carnegie Hall


O Cartaz

A  Bossa Nova se apresentou nos Estados Unidos com uma trupe brasileira há exatos 50 anos. A histórica apresentação ocorreu por conta de uma parceria entre o Itamarati e a Audio Fidelity, na figura de Sidney Frey.

Tudo começou em setembro, quando o executivo da gravadora desembarcou no Rio de Janeiro querendo levar Tom Jobim e João Gilberto para uma apresentação no famoso auditório da rua 57. Claro que o exexutivo da Fidelity não estava querendo divulgar a música brasleira na América. Na verdade, Frey queria editar as músicas no Tim Pan Alley e, claro, transformar a gravação em disco, para vender igual xuxu.


Além disso, ele já era um iniciado no gênero: conhecia toda a turma do Beco das Garrafas, de Sérgio Mendes até Roberto Menescal e Oscar Castro Neves. Numa coletiva no Copacabana Palace, anunciou que alugara o Carnegie para um show dia 21 de novembro e iria fazer uma lista de possíveis artistas.


Matéria do JB do dia 22 de novembro de 62

Como a escolha ia ser difícil, até porque até quem não tinha nada a ver com a bossa ia querer se candidatar, Frey contou com a ajuda de  Mário Dias Costa, chefe da Divisão Cultural do Itamaraty. Costa, assim como o homem da Audio Fidelity, queria pelo menos manter o nível das estrelas que deveriam se apresentar.

Aloyisio de Oliveira, por sua vez, por isso mesmo, bancou o Velho do Restelo: tinha medo que o concerto estragasse tanto a imagem da nossa música no estrangeiro quando afundar promissoras carreiras no exterior. Ele queria que o o show ocorresse em outra data e apenas com Tom e João. Oliveira até tentou, mas não conseguiu demover ninguém disso. Ao contrário, muitos sentiram que essa manobra era para tentar separar o primeiro do segundo escalão. No fim, foi a licença para que fosse quem quisesse - e pudesse.



Disco lançado pela Audio Fidelity

Já que ia quem quisesse, quem achava que ia o concerto ia virar vexame nacional acabou tirando o pé. Por isso, gente como Sylvia Telles, Maurício Einhorn e o Tamba Trio não foram.

Parte da trupe foi subvencionada pelo Itamarati. Outros, como Caetano Zama e Agostinho dos Santos, foram respectivamente patrocinados pela Di Giorgio e a RGE, selo do cantor.

Sérgio Mendes batou pé e queria ou abrir ou fechar o show. Abriu porque Frey naturalmente queria João Gilberto para fechar o concerto, que ocorreu naquela noite chuvosa do dia 21 de novembro de 1962. A Bandeirantes de São Paulo, com Walter Silva como correspondente, transmitiu tudo para o Brasil.

Muita controvérsia encheu páginas e páginas de jornal. Foi um sucesso ou um fracasso? Para alguns, havia gente talentosa mas muito inexperiente. Ao mesmo tempo, era o debut de Tom na América e era quem mais tinha a ganhar ou a perder naquela noite.  Stan Getz havia vendido 1 milhão de compactos de Desafinado. Pois foi justamente o ponto alto do concerto, pau a pau com Agostinho dos Santos, que virara celebridade nos Estados Unidos como o intérprete de Manhã de Carnaval, que cantou naquela noite, axompanhado de Luiz Bonfá.

A apresentação de Jobim - que, curiosamente, acabou ficando de fora do disco, foi impecável. Já outros mementos hoje geram boas risadas, como Roberto Menescal desafinando ao vivo o seu próprio Barquinho, em pleno Carnegie Hall lotado - tudo minuciosamente registrado em disco.

No palco, passaram Sérgio Mendes e seu Sexteto, Carmen Costa e Bola Sete, Sérgio Ricardo, Ana Lúcia, Oscar Castro Neves, Agostinho dos Santos, Luiz Bonfá, Roberto Menescal, Carlos Lyra, Caetano Zamma, Chico "Fim de Noite" Feitosa, Normando Santos, João Gilberto e Tom Jobim.


E muita gente se fez por lá depois daquele 21 de novembro: Oscar Castro Neves ia seguir carreira internacional, como Sérgio Mendes, por exemplo. Tom, por sua vez, conseguiu editar músicas suas nos Estados Unidos. De forma prudente, guardou Garota de Ipanema para um momento oportuno. João Gilberto foi contratado pela Verve. Um ano depois, Jobim, João e Getz iriam transformar Garota de Ipanema no momento número 2 da Bossa Nova na América. Mas isso é outra história...


Sunday, September 23, 2012

O Campeonato de Trova


Darcy Fagundes (de frente)

Nos anos 50, a antiga rádio Farroupilha apresentava o dominical noturno Grande Rodeio Coringa, líder de audiência onde quer que a voz marcante de Darcy Faguntes chegasse, como ele mesmo dizia, "à audiência espalhada por todo o Rio Grande e o sul de Santa Catarina".

Num daqueles domingos, o programa era transmitido diretamente da praça principal de São Leopoldo. A ocasião era especial: tratava-se da semi-final do campeonato estadual de trova.

Darcy então apresentou os duelistas. Um, de Santiago, e o outro, de São Jenôrimo. Com o sotaque carregado lá de Uruguaiana, Fagundes bradou:

- Toca a sanfona de uma vez, Osvaldinho! A gente quer aqui ver uma peleia e da braba!

Dada a largada, a gaita deu aquela introdução característica de trova, e deu-se a peleja. Contudo, ao invés da desdita, o público via que os dois participantes estavam meio travados, não indo além de mesuras chochas e sem provocações. Darcy interviu:

- Espere aí. Isso aqui tpa mais triste que carrancho em tronqueira. Tô achando que esses dois chirus aí tão meio envergonhados. A gente sabe que eles são do interior e é a primeira vez que eles chegam numa cidade grande como São Leopoldo e, de repente, eles ficaram meio tímidos em declamar para esse público gigantesco.

E, olhando para a dupla, com cara de paisagem, ele concluiu:

- O que esse pessoal aqui e o povo do Rio Grande e de Santa Catarina quer aqui é ouvir vocês se carneando, se pegando mesmo. Eles não querem esse jogo de gentilezas, querem guerra de foice, querem carga de cavalaria na coxilha! Vamos começar de novo, toca a gaita, Osvaldinho!


Os dois então continuaram. Agora acabaram as mesuras. Era um festival de farpas de todos os lados. Tua cidade só tem fresco, tua terra não tem gado, teu jeito é meio maricas. Eis que, na sua vez, o representante de São Jerônimo tascou:


Índio lá de Santiago
Hoje te boto os freio
Trepo em riba do teu lombo
Adespôs de te botá os arreio,
Te dou com o mango nas anca
E te deixou de cu vermeio!


Nesse momento a Farroupilha saiu do ar. Os ouvintes ouviam apenas um instrumental tipo a Copélia do Delibes de cortina. Até que, minutoa depois, vota a transmissão de São Leopoldo. Era a voz de um apalermado Darcy:

- Eu queria pedir desculpas aos nossos ouvintes, é que o índio de São Jerônimo é grosso demais. Meu amigo (falando para o trovador), comoo senhor me fala uma coisa assim?O senhor não vê que há autoridades cicis, militares e eclesiásticas na nossa audiência? E esse povo aqui, como eles ficam?

O índio grosso lá de São Jerônimo ouvia aquilo de cabeça baixa, consternado, pensando, "como eu pude?"

Darcy depois se diririu à audiência.


- Mas não se preocupem, já falei com os índios, e eles disseram que agora eles vão se comportar. E que continue a trova. Toca a sanfona, Osvaldo!

Lá foi o músico tocando os acordes característicos do desafio. Era agora a vez do participante de Santiago responder. Como acontece em toda trova, o mote da resposta é, necessariamente, o último verso do trovador anterior.


- Me deixa de cu vermeio....


A rádio saiu permanentemente do ar.



Sunday, September 09, 2012

Flor de Obsessão


Nelson Rodrigues


Manuel Bandeira: "Nelson Rodrigues é, de longe, o maior poeta dramático que já apareceu em nossa literatura"
 Paulo Francis: "Nelson Rodrigues é uma das pessoas mais ignorantes que eu conheço. Só lê jornais e, assim mesmo, com ênfase nas seções de Polícia e Esportes"
 Carlos Lacerda: "O tarado Nelson Rodrigues"
 Décio Pignatari: "O Papa do Tropicalismo. E não poderia deixar de ser".
 Nelson Rodrigues: "Todos os presidentes, inclusive depois de 1964, me massacraram. A censura usa um tratamento discriminatório contra mim".
 Nelson Rodrigues morreu em 1980. Sua obra literária permaneceu no ostracismo das edições esgotadas por muito tempo. Foi esquecido e considerado como cronista menor. Não era citado em cursinhos pré-vestibulares. Mesmo tendo feito parte da grande revolução do jornalismo esportivo a partir do lançamento do Jornal dos Sports, pelo seu irmão, Mário Filho, ele não era referência. Serviu-se a isso o fato de que seu teatro desagradável para muitos o afastou do grande público.
Para o povo que lia a Última Hora, ele era um tarado que devia dormir num caixão, sob a luz castiça de círios. Seu promíscuo namoro com o presidente Médici e a sua patrulha contra o que ele chamava de "esquerda festiva" o transformou em foco de perseguição pelas patrulhas ideológicas dos anos 70. Nelson era um esquecido do grande público até que Ruy Castro lançou, no começo dos anos 90, a biografia O Anjo Pornográfico. Me lembro que foi o primeiro que me mandaram ler na faculdade, na cadeira de Teoria da Informação, na Famecos-PUCRS, lá pelos idos de 1994. Pálido de espanto, como no soneto, então descobri o Brasil pelo Nelson Rodrigues.
A mesma editora que lançara a tal biografia (leiam, eu recomendo) editou boa parte da sua literatura, boa parte extraída de compêndios extraídos de jornais e semanários, aos quais colaborou como escritor e jornalista, por toda a sua vida. Eis o que eu queria dizer: depois de tanto tempo, a verdade é que Nelson Rodrigues é ainda a boa-nova. Todo estudante de jornalismo deve ler os seus livros: novelas, peças, contos, crônicas e confissões. Aliás, tudo o que um estudante de jornalismo deve fazer é ler, e ler o tempo todo e sempre, e mais.
 Paulo Mendes Campos: "Nelson Rodrigues não é e não quer ser ensaísta: é um poeta, e o preconceito e a superstição constituem o fermento das tragédias; E também o fermento da vida, se quiserem; pois o mundo perde sempre um pouco de sua potencialidade trágica quando um preconceito é destruído. Se admitirmos, por hipótese, um mundo mentalmente asséptico, varrido de todos os preconceitos, estaríamos certos de que o drama e a tragédia desapareceriam dos palcos".
 Antônio Callado: "Nelson Rodrigues cultivava um humor sóbrio, e suas tiradas, de um cômico pesaroso, quase embaraçavam às vezes o interlocutor, que não sabia se deveria rir ou consolar Nelson, batendo-lhe no ombro, como quem formula suas condolêncdias." Nelson Rodrigues: "Sou romântico como um pierrô suburbano. Diga-se de passagem, sou um suburbano. Tenho a alma do subúrbio. Deodoro, Vaz Lobo, um estilo de vida, apaixonante".
 Nelson Rodrigues: "Sou o autor mais interditado do Brasil". Sem saída, após a apoteose de Vestido de Noiva, Nelson passou a ser censurado como dramaturgo na medida em que penetrava na sua fase mítica de suas peças, como Álbum de Família e Senhora dos Afogados. Sem saída, usava dessa desdita algo de promocional. Concorrendo com isso, Rodrigues gozou de enorme popularidade criando folhetins curtos em forma de conto, que eram o carro chefe da então recém-criada Última Hora. O melhor de sua verve jornalística, já que seu lado dramaturgo já estava entronizado em nossa literatura, está nas crônicas que ele escreveu no Globo e no Correio da Manhã. Esse foi o Nelson que eu mais li e que, minha opinião, concorre lado a lado com suas peças. Passei todo o curso de minha faculdade lendo estes livros e, sem escolha, fiz minha monografia sobre essas crônicas. A banca ria de mim: outro TCC sobre Nelson Rodrigues? Pois é... 100 anos de Nelson Rodrigues. Quem venham outros 100 anos.

Friday, July 27, 2012

Jazz da Geração Beat


Charlie Parker


Em 2003, a Import Generic lançou um CD, intitulado Jazz of the Beat Generation. Era a música que eles ouviam e que eram citadas nos livros do Jack, de On The Road até Lonesome Traveller. A trilha, além de faixas como Hey Ba-Ba-Re-Bop, In A Little Spanish Town, Salt Peanuts (Dizzy Gilespie) e Scrapple From The Apple (Charlie Parker), continha trechos declamados de textos do Jack, em gravações feitas por ele mesmo, para a Verve, nos anos 50. Por conta do que se viu depois, houve uma associação fácil da literatura beat com a música dos anos 60, o que, no fim das contas, é um ligeiro anacronismo. O verdadeiro rock dos beats era o Jazz, e esse CD dá conta disso, o problema é que os ouvintes modernos que se identificam com a prosa kerouaquiana não gostam ou não se interessam por jazz que, se na época era um tipo de gênero popular, hoje é quase uma arte para iniciados, ainda mais quando falamos do Be Bop, que, ao contrário do swing, não era uma música de se dançar mas, sim, uma música de se ouvir. Até mesmo traçando um paralelo entre as duas gerações, assim como o rock virou cultura e entrou no imaginário social da juventude a partir dos anos 50, o Swing foi a forma como o jazz atingiu as grandes massas, com a gênese e consolidação de um formato comercial e popular, ainda mais franqueado por emirroras de rádio (basta lembrar que, nos anos 40, o rádio tinha a importância que a televisão tem hoje) cujo sinal éter afora atingiam toda a América. Logo surgiram as grandes orquestras e os seus respectivos crooners, cuja música era cultivada por toda a juventude americana da época. Porém, ao invés das fãs ululantes do tempo da Beatlemania, eram as chamadas Bobbysockers, apelido que vinha das meias que elas usavam para dançar. Era a época de gerentes de orquestra como Benny Goodman e Tommy Doorsey que, a despeito de tocaram para um público massivamente branco, sempre pegavam ou copiavam ou aprendiam com o jazz negro, segregado e destinado aos nightclubs, aos guetos e que só podiam se integrar com os músicos brancos depois da meia-noite, quando os frequentadores eram outros mas a música era a mesma, e senão até melhor, mais pura. O Be Bop nasceu como uma ruptura: o swing acabou saindo de cena quase que rapidamente, com o fim da Guerra. Os músicos negros do Bop, tinham uma consciência de classe maior, eram politizados e achavam que o Swing eram uma forma domesticada do jazz feita apenas para vender, ou para agradar os brancos. Ao mesmo tempo, o Bop, como dissemos anteriormente, não era feita para dançar, mas para escutar, e escutar de forma relaxada e atenta, turbinada por aditivos legais ou ilegais.O Bop era um protesto e um grito estético da voz negra, tudo ao mesmo tempo. Por conta disso, as drogas recreativas logo passaram a andar irmanadas tanto com os músicos de Bop quanto aos apreciadores do estilo. E a forma de abstração dessa mesma música era transformada quase como parte de um culto secular, feito para singrar os paraísos artificiais e reais em meio a salas enfumaçadas, mesas de madeira molhadas de cerveja, em ambientes fechados e rarefeitos - esse era o santificado barato do Bop. E esse era o tempo sagrado dos Beats. Os pubs de Nova Iorque, como o Birdland, eram os santuarios daquela gente da noite, que flanava em meio a trabalhadores desempregados, andrajos, misantropos, apostadores e perdedores, músicos, bebedores inveterados, poetas, mais ou menos aquilo que Kerouac descreve de forma magistral no texto Cenas de Nova Iorque. Mas a incubadora do Be Bop, - além da mítica big band de Billy Eckstine - foi o Minton's Playhouse. Fundado por Henry Minton no coração do Harlem. Henry era uma figura proeminente no bairro negro de Nova Iorque, e acabou sendo uma espécie de ligação entre o jazz revolucionário de Louis Armstrong e a iconoclastia militante de Bird e Diz, ao mesmo temo em que fazia uma espécie de filantropia entre os músicos descamisados, franqueando-lhes palco e comida, muitas vezes. A partir do começo dos anos 40, o Playhouse seria o começo da vertiginosa aventura de Charlie Parker e Gillespie, em jam sessions que acabaram definindo todos os paradigmas do Be Bop. Um dos iniciantes que presenciaram a gênese do Bop, Miles Davis, comentou sobre aquelas noites selvagens: - Nas noites de segunda, no Minton, Bird e Dizzy apareciam para tocarm e então apareciam centenas de principiantes tentando alguma coisa ali, então você podia chegar, sentar e assisti-los. Mas a maioria dos músicos nem queriam tocar com eles; queriam mesmo era ficar junto com o público para ouvir e aprender com eles - disse Davis. O Minton foi a maternidade de gente insuspeita como Miles, Fats Navarro, Dexter Gordon, Art Blakey ou Max Roach, cujo pai bastardo foi Charlie Christian, membro da orquestra de Benny Goodman que realizou os primeiros experimentos fora dos padrões do Swing, dentro do Minton's, elaborando um fraseado frenético e sincopado, baseado na liberdade de criação e no improviso. Kerouac conhecia pouco de jazz em Lowell, até que um amigo, Seymour Wise, o leva para o Harlem, quando ele entra em contato a começa a apreciar a arte negra por si mesmo. Ali, ele passa a ouvir a orquestra de Count Basie, com seu estilo econômico em escrever para grandes orquestras, sempre misturando o rigor do ritmo com o picaresco do humor musical que sempre o dignificou. Da orquestra de Basie se destaca o mítico Lester Young, pai de todas as inovações que viriam a partir do ocaso do swing, junto com Coleman Hawkins, o criador do protobop. Ainda em Lowell, ele conhece pessoalmente o baterista Gene Krupa. Nessa época, Jack arranja um emprego de freelancer na revista de música Record, de Horace Mann, onde escreve sobre o conde Basie e chega a entrevistar Glenn Milrt. Kerouac nem sente, mas no fim das contas, esse encontro seria decisivo e iria ser o norte de seu gosto musical pelas décadas seguintes, impregnando-o de ânimo mesmo nos momentos mais tristes de sua solidão compulsória até o seu próprio estilo literário. Jack é apenas um pinto calçudo de dezoito anos e a liberdade criativa dos músicos de jazz o impressiona - algo análogo à liberdade que sentiríamos ao nos indentificar com as grandes estrelas do rock - aquele era o grande barato daqueles dias: todas as promessas de redenção e as lições de liberdade estavam calcadas na literatura do jazz. A beleza estética daquela arte musical se sobrepunha ao ambiente insalubre de suas vidas, era o elemento espiritual, a doença fácil que os absorvia e lhes dava a vida. Nessa época, aliás, o jazz está em todas as partes, nos cartazes, nos avisos, nos letreiros, nas rádios, nas revistas. A partir dali, ele passa a viver no ambiente da boemia mal vestida do Times Square: as ruas, os cinemas, as perambulações, os bares suarentos e fumacentos, os vagabundos, nada passa incólume à visão aguçada do cotidiano em Kerouac. Com Whitman, ele aprende que a América é um poema de cabeça para baixo e a trilha sonora dessa poema é o jazz. Já no fim da guerra, o Swing é passado. Grandes bandleaders, como Woody Herman reduzem seus combos a octetos. O jazz se torna, com efeito, um gênero artesanal e em miniatura, próprio para uma arquitetura de pequenos espaços. Nessa época, Kerouac passa a frequentar o Minton's, o corredor onde, depois da meia-noite, músicos já de folga, varrem a madrugada em meio a intermináveis jams. Allen Gisberg testemunha, junto com Jack, o nascimento do Bop no Minton's. Na primeira fase em Nova Iorque, Jack pôde se dedicar ao dolce far niente com sua futura esposa, Edie Parker. Com Wise, ele vê a gestação do Bop na rua 52, assistindo os primeiros passos de Charlie Parker, então um mero desconhecido vindo de Kansas City. Também segue os passos de Thelonious Monk. O Five Spot, na Quinta Avenida com a Bowery, às vezes apresenta Thelonious Monk no piano e a rapaziada aparece por lá. Quem conhece o dono pode sentar de graça em uma mesa com uma cerveja, quem não conhece pode entrar sorrateiramente e ficar próximo do ventilador, escutando. Nos fins de semana, está sempre lotado. Monk medita em abstração mortífera, clonk, faz uma declaração, o pé enorme batendo delicadamente no chão, cabeça virada para o lado, escutando, e então entra o piano. Conhecem Billie Holiday e seu consorte casual, Pres Lester Young; assisti aos primeiros solos de Dizzie Gilespie no Three Deuces, também na 52. Lester Young tocou lá pouco antes de morrer e entre um número e outro se sentava na cozinha, nos fundos. Meu amigo Allen Ginsberg foi lá, se ajoelhou e perguntou o que ele faria caso uma bomba atômica caísse em Nova Iorque. Lester respondeu que pelo menos quebraria a vitrine da Tiffany’s e apanharia algumas joias. Também disse: “o que você está fazendo aqui ajoelhado?” Kerouac não percebe, no começo, mas uma revolução está a caminho. A música de antanho hoje pode soar como algo para iniciados, e era, mas era algo vital, contemporâneo, quando o jazz era um gênero de proa, tipicamente urbano, uma música de descamisados – vendedores de rua, velhos beberrões de macacão, caminhoneiros anônimos, respeitáveis punguistas solitários e adolescentes alarifes sacudindo os bolsos vazios pela rua, turfistas, proxenetas, vendedores de jornal, ambulantes, mambembes, homens de negócios, detetives rábulas, prostitutas, intelectuais de algibeira... No verão de 44 ele retornaria à Big Apple, depois de passar um tempo em Grosse Pointe, no Michigan. Com o Be Bop sendo forjado nas noites do Village, Jack conhece Jerry Newmann, dono de uma loja de discos de jazz de vanguarda. Jerry era mais que um iniciado no Bop: havia gravado várias jams no Minton, em 1941, quando ainda era um estudante da Universidade de Columbia. Segundo o biógrafo do escritor, através de Wise, ele começou a discernir sobre a importância de Parker e o papel preponderante do sax tenor em geral "na expressão de emoções da música afro-americana", que ele repara através do sopro, da "escansão permanente, da pulsação rítmica evocando os próprios ritmos, a metáfora do batimento primordial do coração e dos ritmos da vida, a metáfora do batimento primordial do coração e do sexo, o beat essencial". Kerouac iria internalizar esse código e, finalmente, mimetizá-lo em seus textos. Como explica Buin: "sente confusamente que sua língua que está por vir será submetida ao imperativo da forma livre, improvisada, improvável, e ele dirá mais tarde, a forma improvável". Eram os primeiros passos do jazz poet. Ele se identifica com o perfil de anjo caído dos jazzman, seu modus vivendi, seus sonhos, suas desventuras, sua libido libertadora, sua genialidade incompreendida, suas noites insones de viagens e loucura infrene. O arquétipo idealizado por Jack é, com efeito, Bird. Nascido em Kansas City, em 1920, Bird, ou Charlie Parker, foi sem dúvida o maior saxofonista de jazz de todos os tempos. Ele desenvolveria um amplo estudo dentro da harmonia do jazz durante o Be Bop, influenciando centenas de músicos, inclusive fora do âmbito do gênero. Ao mesmo tempo, muitas das gravações de Charlie demonstram uma técnica virtuosística peculiar e revolucionária, amalgamando estilos diversos em linhas melódicas complexas, indo do blues e à música latina até o clássico, que ele apreciava, incluindo Bach. Para aqueles que o conheceram, como Kerouac, Parker era mais do que um simples músico de palco, mas sim, um intelectual. Aliás, havia um conteúdo político nesse contexto do Bop, porém não propriamente militante, mais pela questão da defesa da própria identidade negra. Na verdade, em parte poderia haver um certo ressentimento em parte da ostensiva segregação nos Estados Unidos, e por outra, pelo fato de que alguns intelectuais negros achavam que alguns artistas acabavam sendo “domesticados” pela tradição do tempo dos ministrels, involuntariamente perfazendo o estereótipo Jim Crow. Para (alguns) defensores dessa ponto de vista, por exemplo, gente insuspeita como Louis Armstrong acabavam fazendo um tipo de música para agradar brancos. A tese, aliás, é injusta; Satchmo viveu mais do que qualquer músico de modern jazz o sofrimento do racismo. Foi justamente a estúpida segregação de público que faz com que ele e Bix Biderbecke nunca pudessem se conhecer ou tocar juntos. Desse fato, aliás, Bix, que se não fosse por sua morte prematura, teria sido um dos maiores trompetistas de todos tempos (e o é, mesmo assim) se ressentiu até a morte. Kerouac vivenciou o começo do Bop e, em seu período de transição como escritor, quando, vivendo de forma miserável em matéria de dinheiro mas prolífica na forma em que, nos dez anos de anonimato - de 1947 até o lançamento de On The Road, ele redigiu a maior parte daquilo que mais tarde ele chamaria de Lenda de Duluoz ( a lenda dele mesmo), ou seja, a reelaboração de toda a sua vida com Neal Cassady e o "bando", ele acompanhou também todo o movimento do jazz do bop para o cool. Nos anos 50, Jack conhece Elvin Jones, baterista que, mais tarde, faria parte do mítico quarteto de Coltrane, a partir dos anos 60, em clássicos como o disco com Trane e Johnny Hartmann, My Favourite Things e o antológico A Love Supreme. O Five Spot é mal iluminado, tem garçons estranhos e boa música sempre. Às vezes, John Coltrane ainunda a casa inteira com as notas ásperas de seu grande sax tenor. Nos fins de semana, grupos de gente elegante da parte alta da cidade lotam a casa e conversam sem parar – ninguém liga. Nesse momento de criação de sua prosa espontânea, Parker ainda o assombra; da mímese do improviso e da liberdade de Bird ao sax, Kerouac gerou Desolation Angels. Certa vez, ele escreveu para Allen Ginsberg: "durante a noite, descobri uma nova maneira de cantar que é melhor do que Sarah Vaughn, mesmo que eu não tenha a mesma voz, sou inacreditavelmente profético no que se refere ao jazz". Parker morre em 55, o jazz sai dos salões fumarentos de Nova Iorque e uma nova cena se insurge, na Costa Oeste. Mesmo sabendo fazer scats de vários solos de Charlie, ele acabou aderindo à música de Miles Davis, Gil Evans e Lee Konitz, saxofonista de Miles no Birth of The Cool. E Garry Muligan, que, junto com Stan Getz e Dave Bruebeck, expoentes do jazz branco típico do cool. O Birdland sai de cena e o novo ponto dos hipsters e da boemia bem vestida do Village é o Village Vanguard, na 178 7th Avenue South. Ao invés de Diz, Getz; de Bird, Coltrane e de Monk (ou George Shearing, ídolos de Sal e Dean em On The Road), Bill Evans. Não que Jack tenha esquecido os mestres do Bop mas, como observa Yves Buin, essa mudança indica mais a simpatia que ele sente por esse segmento da arte afro-americana que reflete a parte de si mesmo compartilhada com os brancos marginais e criadores de sensibilidades inéditas trabalhando no mundo do disco e dos concertos e que, a exemplo de Mulligan e Baker, verão a hora da estrela com músicos chegar junto com a dele como escritor. E de fato, a partir de 1955, Kerouac começa a entrar no circuito, primeiro assinando alguns artigos esparsos em revistas, ao mesmo tempo em que Ginsberg, ao lançar seu Howl, se refere ao texto de Kerouac como "prosa bop" - a primeira vez em que se plubiciza a pretensa relação da música com a literatura beat. Em março de 1959, ele gravaria um disco falado, com Reading by Jack Kerouac on the Beat Generation. Parte dessas gravações, sempre com um piano no background, dando a sugestão essencial, fazem parte do CD referido no começo desse ensaio. Em Nova Iorque, Kerouac vira assíduo frequentador da loja de discos de Jerry Newmann, e ouve tudo o que pode sobre o cool. Newmann, que é dono de um pequeno selo, chamado Esoteric, pensa em gravá-lo lendo passagens de seus textos. A época em que Kerouac publica o texto Cenas de Nova Iorque (cujas citações do texto estão aqui em itálico) ele comentá, à guisa de conclusão, a diferença dos tempos em que o Bop floresceu e foi fenecendo, já no final dos anos 50. Quando ele se torna o rapsodo dos oakies, imigrantes e vagabundos erráticos e românticos das estradas de ferro de On The Road, a mesma trilha sonora daqueles dias selvagens saía de cena. O livro que integra o texto também traz O Vagabundo Americano em Extinção. Ali, Jack fala que, ao contrário do fim da segunda Guerra, nos estertores dos anos 50, já não era possível pegar carona como antigamente. Ou seja, traçando um paralelo com o jazz que ele personificou em seus escritos, ele já enxergava tudo aquilo como o fim de uma era. Sobre o jazz no Village, ele comenta: Os clubes noturnos do Greenwich Village conhecidos por Half Note, Village Vanguard, Café Bohemia e Village Gate também apresentam jazz (Lee Konitz, J. J Johnson, Miles Davis), mas é preciso ter muita grana e não é só isso, é que a noite atmosfera comercial está matando o jazz, o jazz está matando a si mesmo ali, porque o jazz pertence às cervejarias batatas, alegres e abertas a todos, como no início. No lançamento do livro On the Road, Jack foi convidado a participar do programa de tevê de Steve Allen, então na NBC. Enquanto Kerouac lia o final da obra, Steve arranhava o piano de cauda, emoldurando a trilha exata para aquele tipo de leitura. Por mais que o escritor fosse massacrado por críticos e por amigos – pela forma como ele reelaborava o jazz na forma escrita, ao mesmo tempo em que amalgamava puro experimentalismo (em obras como Visons Of Cody), talvez ele seja o exemplo mais excelso dessa transmigração artística dentro do próprio gênero que ele criou e exportou, ao passo que sua literatura acabou sendo um vade mecum de toda a literatura alternativa a partir de então. Partindo de uma experiência particular e íntima, ele deu vida àqueles vagabundos sem nome, desde os okies migrantes até os canhestros músicos de jazz – muitos deles anônimos como toda a flanerie que circundava pela Times Square e que ele, como cronista dos espaços e das pessoas – como ele sempre foi. Mas o jazz, como se disse, deixou de ser um tipo de música da vida e da noite americana como experiência profunda e fenômeno particular de uma época e de um lugar, acabou se tornando algo como uma arte para iniciados, o tempo cuidou de, assim como a forma como a geração beat se disseminou por todas as partes e pela língua afora como o latim, a contracultura, de certa forma, acabou ‘anacronizando’ tudo, fazendo como que a nova geração incluísse o rock nesse processo, já que o próprio estilo acabou entronizando toda a contracultura a partir dos anos 60 – um fato natural Por isso que, inerente à leitura e até agora, com o lançamento do filme baseado em On the Road, é oportuno lembrar, à guisa de conclusão, que aquela história, como experiência vívida, pertence a um tempo e a um lugar, e teve uma trilha sonora: o jazz.

Monday, June 18, 2012

A Testemunha

Me contaram uma história muito engraçada esses dias.

Um senhor já de meia idade estava apressado para pegar o ônibus na rodoviária para Itaqui, para as bodas da filha. Ele estava parado na gare quando, de repente, vem um homem soltando fogo nas ventas em direção a uma moçoila que, ao lado dele, esperava a porta do carro abrir.

O homenzarrão chegou na frente da chinoca e bradou:

- Sua vaca, você não vai me escapar assim!

E desferiu-lhe um soco. A mulher, bufando de raiva como um bode, montou no sujeito como se montasse num porco, dendo cocadas violentas na cabeça dele, até que ambos desabaram, engalfinhados e fora de si.

Apareceu a turma do deixa-disso, entre eles o nosso herói que, como testemunha ocular, foi parar na delegacia com os dois brigões.

Lá estavam os três diante do delegado. Irado, o casal continuava batendo boca violentamente. Na hora do depoimento, o homenzarrão disse que a mulher foi com começou, cravando as suas unhas nas costas dele.

Contrariado, a testemunha ocular meteu a colher torta:

- É mentira, delegado, eu vi tudo, quem começou tudo foi ele.

- CALE ESSA BOCA DE MERDA! - atalhou o delegado.

- Mas doutor, eu vi tudo desde o come...

- CALE ESSA BOCA DE MERDA!

Ele afundou na sua cadeira, lívido de espanto. Ficou mais lívido quando ouve a versão de mulher que, em dado momento, fulmina nosso herói com o dedo e vocifera:

- Se esse palhaço não tivesse se metido na nossa discussão, a gente não estava aqui nessa situação.

- Mas o que foi que eu fiz? - gemeu.

- Você nos colocou nessa situação, seu palhaço.

- Mas foi ele quem começou, não foi, seu guarda? - tentou apelar ao brigadiano que os trouxe ao distrito.

- CALE ESSA BOCA DE MERDA! - fulminou o delegado.

- É mentira - pigarreou o homenzarrão, de olhos vidrados. - Só por causa de uma brigunha de merda que ela fez escândalo, pegou o primeiro táxi e disse que ia voltar para a saia da mamãe em Butiá. Não seja assim comigo, sua vaca, eu te amo.

Nisso ela começou a chorar. E eles se abraçaram languidamente. Perplexo, se tivesse um buraco diante de deus pés, nosso herói teria prontamente se atirado fosso adentro.

O delegado então salomonicamente falou:

- Vocês dois, tenham juízo e parem de fazer besteira em público.

Os dois pombinhos então deixaram o distrito alegres e felizes, de mãos dadas - não sem antes a mulher olhar para trás, em direção à nossa testemunha ocular e mostrar-lhe a língua, como uma criança.

Atônito, ele tentava ainda se justificar:

- Mas seu delegado, eu só quis ajudar...


- CALA ESSA BOCA DE MERDA E SUMA DAQUI ANTES QUE EU TE PRENDA POR DESACATO A AUTORIDADE!

Quando ele desceu as escadarias da delegacia, ela a pura e excelsa imagem do desespero. Além do pito, nosso herói ainda perdeu a viagem para Itaqui naquela noite. Mesmo que pegasse o próximo ônibus, ia chegar só no outro dia, depois do casamento e da festa. não teve outra saída: foi para casa dormir.


.........

Acordou cedo no dia seguinte. Antes de pegar o táxi para a rodoviária, porém, ele resolveu tomar um café no bar ao lado do prédio. Quando estava no meio da xícara, brincando distraidamente com a colherzinha no pires sujo de café que transbordara, ouviu o anûncio:

- Isso é um assalto!

O bandido foi direto ao caixa que, com a arma apontada para o seu nariz, esvaziava toda a féria numa sacola. Como único freguês, nosso herói foi o próximo. Com o cano encostado na orelha ouviu o pedido:

- A carteira e o relôgio, seu trouxa.

Ato reflexo, o facínora fugiu da lanchonete, dando tiros para o ar, como um Tom Mix, para sumir rua afora, dentro de um carro sem placas. Numa progressão fulminante, apareceu o populacho, formando um cordão na calçada.

Uma patrulhinha apareceu, tentando dar conta do episódio. No recinto, o caixa, um atendente e nosso herói. Um popular aponta o dedo para ele e diz, olho rútilo e lábio trêmulo:


- Ele viu tudo, seu guarda, pergunte a ele, seu guarda!


Os brigadianos avançaram diante de noso aturdido herói:

- O senhor viu a cara do assaltante da lanchonete? - esbravejaram, ávidos e sequiosos de uma elucidativa resposta.

Ele, entre patético, aturdido, estupefato, distraído e debochado, respondeu:


- Assaltante? Que assaltante?

Wednesday, May 16, 2012

A primeira vez que eu encontrei o blues

Tive a oportunidade de ver pela primeira vez um show de blues ao vivo. Já tinha assistido o Eric Clapton no Gigantinho nos anos 80, mas era um show de rock. Ontem vi Buddy Guy e escrevi uma nota que foi publicada no Correio do Povo Online. Transcrevo ela aqui com um adicional: o público gaúcho é mal-educado. Durante o show, vários foram os que iam ao bar buscar cerveja e depois saíam novamente para tirar a água do joelho. De resto, um grande espetáculo.
A vitalidade não é a de um senhor de quase 76 anos (faz aniversário em 30 de julho). Parece um cara de quarenta e poucos. E quem escuta a sua guitarra berrar, diz que Buddy Guy seque chegou nos 30 anos. O show da noite desta terça-feira, no teatro do Bourbon Country, teve apenas oito músicas inteiras, alguns solos e brincadeiras com grandes sucessos. Durou aproximadamente uma hora e meia, não teve bis e ninguém reclamou. Pelo contrário, só ouvi elogios rasgados ao mestre de blues, fonte inspiradora de Jimi Hendrix e Eric Clapton.
O show começou com “Nobody understand me but my guitar”, do album Can't Quit the Blues (2006). Em seguida, o cara das camisas de petit pois soltou o hit de Muddy Watters, seu ídolo, “Hochie Coochie Man”. Foi o suficiente para quebrar o gelo, se é que em algum momento esteve frio o show. O público cantou junto. Buddy fazia solos infindáveis de guitarra. Fez duelo de sons com o excelente pianista Marty Sammon e com o guitarrista Ric “Jaz Guitar” Hall. Tim Austin, baterista, Orlando Wright, baixista, completam a excelente banda do bluseiro americano. Na sequência, Buddy Guy tocou outro clássico de Muddy Watters: “She’s 19 years old”. Quando os primeiros acordes de “Fever”, de Peggy Lee, foram tocados, a galera foi ao delírio. Buddy comandava o público com solos de guitarra em volume baixo seguido de rasgadas exibições de sua habilidade.
Ele também homenageou Albert King, Jimi Hendrix e Eric Clapton. Fez um pequeno solo de “I miss you” do Rolling Stones. Desceu do palco e caminhou no meio do público, que não soube respeitar o ídolo e tratou de cercá-lo, impossibilitando quem estava mais longe de apreciar o espetáculo. Quando voltou ao palco para tocar “Someone else is steppin’ in”, Buddy reclamou das rádios. “Eu não sei por que as rádios não tocam mais blues hoje em dia”, comentou. Tocou “Sunshine your love”, do Cream com a mão esquerda, usando um paninho, esfregando a guitarra nas costas, com uma baqueta, tudo o que podia fazer. Por fim, homenageou o seu maior parceiro, Junior Wells, com “First time i meet the blues”. Encerrou o show e ficou dando autógrafos no palco e jogando palhetas para o público. Foi o suficiente para entrar na minha lista de shows inesquecíveis. Deixo aqui uma pérola que ele não cantou no show. Todas as fotos são de Tarsila Pereira.


Wednesday, May 09, 2012

Música & Lugares

De volta com a série, para animar o blog: Memory Motel, canção dos Rolling Stones para o disco Black And Blue, de 1976. A letra fala de uma experiência de Jagger ou de Richards com uma roadie meio metida a independente, quando eles viajaram pelo sul dos Estados Unidos antes da famosa turnê das Américas, no ano anterior. Eles ensaiaram em Baton Rouge, Louisiana, antes da jornada de apresentações. Mick escreveu a música quando esteve por alguns dias justamente em Montauk, na casa do Andy Wahrol. Uma curiosidade: a versão de estúdio de Memory Motel não conta com a participação de Keith ou de Ronnie, mas sim de Harvey Mandel e Wayne Perkins nas guitarras solo e acústica, respectivamente, enquanto Billy Preston cuidou do piano e dos sintetizadores.
A fachada do Hotel, em Montauk, Nova Iorque.

Monday, May 07, 2012

Oh my God, Am I here all Alone?



Dylan






Clima de boteco, muita gente bebendo e fumando, alguns conversando à parte, o som não estava tão alto, a banda era honesta, não havia telão, o sistema de som era passável, embora muita banda de sambafunk da Cidade Baixa rejeitasse os equipamentos, a iluminação era de teatro universitário (a luz era projetada contra os músicos, dando um ar de peça surrealista ao vermos as sombras deformadas contra o pano cinza), o repertório era interessante, típico blues de Memphis com alguma coisa surrupiada de cançonetas pop, só o cantor que chamou realmente a atenção: um senhor de prá lá dos setenta, usando um chapéu, mais parecendo um redneck aposentado das bandas do sul, com uma voz rascante e opaca, o que se sabia é que você pode não pensar ao olhar para ele, mas ele foi famoso há muito tempo atrás tocando violino elétrico em Desolation Row --- sim, senhoras e senhores, eu estou falando do Bob Dylan.

Achei um tanto peculiar ficar imaginando que ele fez um show que não tem nenhum clichê de apresentação mainstream, nenhuma badalação da imprensa, nenhum apelo visual, ninguém fez qualquer coisa que ousasse sair do óbvio - inclusive com Dylan perfeitamente à vontade tocando suas canções menos arrebatadoras para um público que se não é fá, ficou ou ficaria ligeiramente perplexo, e ficou, até porque a recíproca era verdadeira: não existe nada mais desapaixonado do que m fã de um cara que, mesmo que, em determinadas fases da vida, sempre procurasse o seu público, na verdade, ele pode se dar ao luxo de desprezá-lo, anão ser que ele o queira para fazer o que ele quer que todos façam, que é parar para ouvi-lo.

Eu mesmo, que achei que fosse ter um troço ao vê-lo diante de mim, fiquei perplexo com a sensação que eu tive o tempo todo, e que foi rigorosamente o que eu escrevi naquela pequena frase do primeiro parágrafo. Talvez uma banda coverizando Dylan parecesse impecável, Dylan consegue ser comum. Podia ser um ilustre desconhecido tocando num bar de honky tonk no interior dos Estados Unidos, um artista mambembe da Redenção. é incível ver alguém tão à vontade em ser comum.

Dylan chega a ser comovente pelo fato de que ele está velho, e sabe envelhecer com dignidade - e fazendo o que ele gosta, e o que eu gostaria de fazer quando chegasse na idade dele. Gostaria de ter uma banda para tocar o meu repertório, esquecer família e transformar a estrada profunda em meu doce cotidiano. Digo isso porque fico até sem jeito, até depois do show e de conhecer o velho Dylan, que eu fico sem jeito de me considerar um fã dele. acho que eu introjeto a atitude dele, aquela que ele mitificou involuntariamente, a do vamos todos ficar doidões de Rainy Day Women, e essa, a do Dylan velho, do outro Dylan de voz apagada, e que nós temos que aprender a gostar. Eis o que eu queria dizer: fácil é curtir o Velho novo Dylan; difícil é curtir o novo velho Dylan.

Em tempo: prefiro os dois.


PS: Achei legal que ele tocou canções dos discos que eu mais gosto dele, o Blood On The Trachs e o Highway 61 Revisited. Pena que ele alterou tanto a tonalidade das músicas que era ipossível cantar junto. Mas eu me emopcionei especialmente com Simple Twist Of Fate, que é a minha preferida do disco, lançado em 1975.

Friday, April 20, 2012

De caso com a Máfia


O livro


Anthony Summers e Robbyn Swan assinam a mais recente e mais completa biografia sobre o cantor norte-americano Frank Sinatra. A despeito do preço salgado do lançamento (R$ 70, em média), o livro vale a pena, muito embora o número de páginas é transcendente pelo fato de que boa parte das páginas são dedicadas à extensa bibliografia e incontáveis citações da obra. Mas o livro vale a pena por vários motivos.

O que chama a atenção é que a presença da Máfia na vida de Frank, que a ajudou e foi ajudado por ela, e de forma ostensiva. Um gângster que conviveu com ele nos primeiros anos, quando sua família recém havia chegado à Nova Jersey, certa feita havia dito: "ele sempre quis ser um mafioso". E o autor assevera: "se ele não tivesse se tornado cantor (também com a ajuda de sua mãe), teria sido um mafioso.

Sua carreira teve o primeiro impulso com a ajuda de Harry James e, no começo dos anos 40, quando ele conseguiu se tornar crooner de Tomy Doorsey. O famoso maestro foi figura central na sua transformação em fenômeno da massas, a partir da segunda metade dos anos 40; porém, a ruptura entre os dois se deu de  forma traumática.

Summers traça um retrato sem retoques de Sinatra, tanto para o bem quanto para o mal. No caso de Doorsey, ele pôs a Máfia na querela para que Tommy abrisse mão de lucrar com um contrato que lhe franqueava um vultuoso valor para a rescisão com abanda de Doorsey.

Na lista de mafiosos que faziam parte do séquito de comensais de Sinatra estavam Bugsy Siegel (morto pela Máfia depois que faliu)) Willie Moretti, Lercara Friddi e Lucky Luciano (também assassinado quando ia depor sobre o crime organizado, nos anos 70). Frank sempre fez de tudo para que seu nome não fosse relacionado à eles e consequentemente ao crime organizado. Durante toda a sua vida, ele não quis entrar em nenhum detalhe sobre essa relação que, no entanto, é esmiuçada durante a biografia.

Lucky Luciano construiu um impédio do crime em Cuba e Sinatra foi o seu imediato, inclusive ajudando no desvio de mais de 3 milhões de dólares para Havana.

Outra questão curiosa sobre sua vida foram os baixos: a frustração e a dificuldade em conseguir chegar ao estrelato no começo. A queda, no começo dos anos 50, amalgamada com a turbulenta relação com Ava Gardner. segundo os autores, o amor de ambos durou toda a vida (e além dela) - a despeito da separação e das sucessivas traições. Sinatra traia e era traído, e ao mesmo tempo, investia de maneira furibunda contra qualquer um que tentasse algo com ela, mesmo depois da ruptura.

Ava pagava as passagens de avião e ele a "gigoleteava" durante as filmagens de Mogambo. ele teve somatizou todo o estresse e quase perdeu a voz, ao mesmo tempo que tentou se matar. Nesse meio tempo, Ava abortou pelo menos três vezes, uma escapada com um ator do filme, outras (nem ela saberia dizer) com Frank. Sobre isso, Gardner alegou, em sua biografia: "se nós não tínamhos condições nem de cuidarmos de nós, imagine cuidarmos de uma prole?".

Nos anos 50, Sinatra deu a volta por cima, deixando de ser um ídolo de jovens alucinadas para abraçar um público de outra idade. Nessa época, ele cuidou de trabalhar de forma mais acurada a sua produção musical, lançando discos (pela americana Capitol) que até hoje são referência, quando ele gravou os maiores clássicos do Tim Pan Alley, o grande repértório das inesquecíveis canções americanas de todos os tempos, indo de Cole Porter até Irving Berlin.

A partir dali, ele fundou um gravadora ( a Reprise) e virou celebridade, com direito a brigas homéricas com a imprensa, desde Hedda Hooper e Louella Parsons, as matronas do gossip news em Hollywood até o dia em que ele mijou na lápide de Lee Mortimer, seu inimigo figadal.

Sinatra continou ligando sua carreira musical com a Máfia até os anos 60, quando ele desbravou Las Vegas e virou figurinha fácil (junto com o Rat Pack, Sammy Davis e Dean Martin, com quem era habitué de orginas iromanas em saunas, rodeados de go go girls) no Sands (onde ele gravou o seu primeiro disco ao vivo, em 1965), que era capitaneado naturalmente pela Máfia.

Antes, ele havia cantado para Lucky Luciano em Cuba. Lucky comandava também o Flamingo. Aliás, a Máfia mandava em Las Vegas.

A história mais cabulosa, e que entra para o rol das teorias conspiratórias se dá na questão do apoio dado por sinatra à campanha eleitoral de John Kennedy. Sempre um democrata, seguindo os passos de sua mãe, ele o apoiou também procurando granjear algum tipo de auspício que favorescesse a situação dos seus colegas mafiosos nos Estados Unidos. Afinal de contas, segundo os biógrafos, a família Kennedy tamém estava medularmente ligada à Máfia.

A questão é que, com a posse de JFK (franqueada pela eleição bico de pena chefiada por mafiosos de Chicago, onde Kennedy venceu de forma mágica ou não tão mágica assim), com o tempo, eles não tiveram as suas demandas atendidas. Para piorar, seu irmão Bob foi nomeado para a Defesa, e este determinou uma caça às bruxas na máfia ianque, o que gerou um descontentamento com os chefões do crime ligados à Sinatra - que também ficou numa verdadeira sinuca de bico por conta disso.

Todas essas questões pareciam (e parecem) pesar no que acabou acontecendo com John Kennedy. Lendo o livro, não restam dúvida a respeito de quem pôr o presidente norte-americano no cadafalso em Dallas. Segundo Summers, o assassino de Lee Harvey Oswald, Jack Ruby, era um laranja da Máfia de Chicago.






Wednesday, April 04, 2012

O Imbatível


Aírton

Salim Nigri, um dos maiores torcedores do Grêmio, contou que, certa feita, quando o Grêmio perdeu o Cameponato Municipal de 1955 para o Internacional (que, por sua vez, decidiu o título com o Brasil de Pelotas, sendo campeão gaúcho daquele ano), um amigo dele apontou das arquibancadas do Olímpico para um zagueiro do clube tricolor que saía de campo depois do jogo:

- Com esse negrão em campo, nós nunca vamos ser campeões em cima deles!


O zagueiro era Aírton Ferreira da Silva. Aírton foi parar no Grêmio porque, num Grenal de 55, o colorado Salvador quebrou a perna do ponteiro esquerdo Xisto.

Sem saída, os dirigentes do clube tricolor foram procurar um substituto para Xisto na Timbaúva. Lá treinava o aspirante Aírton, que defendia as cores alvirubras do Força e Luz. Como seu ídolo maior, Tesourinha, ele queria ser ponta. Foi trazido para o Olímpico como jogador nessa posição.

No entanto, ao vê-lo jogar, o treinador Oswaldo Rolla achou que ele era lento e alto demais para jogar como ponteiro. Foguinho o via correr, e dizia:

- Seu Aírton, o senhór vai estragar essa grama bonita do Olímpico correndo desse jeito!

Foguinho tomou uma drástica decisão: resolveu recuá-lo para a zaga. Aírton se descobriu ali. E Oswaldo Rolla conseguiu o que queria. Jogadores altos e corpulentos, que jogassem pelo futebol-força, como o Honved que ele viu em campo quando viu o escrete de Puskas fazer misérias nos gramados da Europa, quando Rolla era treinador do Cruzeiro de Porto Alegre, que fez uma mitológica turnê pelo Velho Continente, em 53.

Com o imbatível Aírton na zaga, mais Ênio Rodrigues e Calvet, um meio campo com um jogador técnico como Mílton Kuelle e um velocista como Élton Festenseifer (o alemão de Rocca Salles), um lateral insuperável como Ortunho e um ataque com Juarez (o Leão do Olímpico), mais um meia goleador como Gessi e Vieira, o Grêmio enfeixou um penta campeonato, de 1956 até 1960.

Na temporada em que Aírton passou uma temporada no Santos, em 1960-61, O Internacional quebrou a sequência de campeonatos tricolores e a possibilidade do clube tricolor de ser hexa, como o seu rival, que conseguiu seis títulos seguidos, nos anos 40.

Mas Aírton voltou para Porto Alegre. Ele acabou não se adaptando ao futebol de lá. Aírton era burlesco demais parta o futebol politicamente correto do centro do país.

Todos tremiam quando ele chamava o atacante para a linha de fundo prendendo a bola, até driblá-lo com uma desconcertante chaleira e sair tocando a bola de volta. Confundiam talento com irresponsabilildade. Mas dizem as más línguas que, na verdade, Aírton voltou porque tinha medo de andar de avião.

Aírton voltou para o Olímpico e os títulos também. De 1962 até 1968, o Grêmio mandou no Rio Grande, superando o Inter com um Hepta.

...

Salim Nigri conta que, dez anos depois daquele campeonato de 1955, depois de mais uma vitória do Grêmio sobre o Internacional, um amigo colorado foi desabafar com ele:

- Com esse negrão em campo, a gente nunca vai ganhar deles!


Quem era ele? Aírton Ferreira da Silva, que partiu para o Wahalla do futebol. O maior zagueiro gaúcho de todos os tempos. Se não tivesse medo de avião, teria sido o maior do mundo.

Monday, March 26, 2012

Porto Alegre e o 26 de Março


Antigo croqui da cidade

Por incrível que pareça, a data de aniversário da cidade de Porto Alegre, como nós o fazemos hoje, dia 26 de março, é comemorada apenas a partir de 1972, quando da passagem do que seria o seu bicentenário de fundação. Antes, a data considerada como a da fundação era a de 5 de novembro.

A mudança aconteceu durante a gestão Thompson Flores. Como prefeito, a partir de 1969, ele passou a conduzir a cidade rumo à uma progressiva modernização, justamente na era do Milagre Econômico. Por ocasião do bicentenário, tanto as universidades locais quanto editoras e o próprio Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul passou a fomentar uma grossa discussão a respeito da história da cidade.

Foi quando o Prefeito, que de certa forma se julgava uma espécie de descendente do sesmeiro Joerônimo de Ornellas e, passando pela linhagem do interventor Alberto Bins, ele era como se fosse, uma espécie de nobre de sangue azul no Paço Municipal, uma espécie de continuador daqueles vultos.

A discussão entre intelectuais e o IHGRGS ocorreu porque, justamente porque Flores talvez defendesse oportunamente o fato de que, se a data da fundação da cidade se desse em 1772, como defendiam alguns, ele seria o prefeito do bicentenário.

A discussão ficou em torno de gente como walter Spalding, do IHGRGS, que fixava a data da tal fundação em 1740. Isso porque, na sua tese, defendida em seu livro Pequena História de Porto Alegre, em 1968, a data coincide, necessariamente, com o momento em que o sesmeiro português oriundo da Ilha da Madeira) Jerônimo de Ornellas Menezes e Vasconcelos, oito anos após estabelecer-se em terras de Viamão, teve finalmente a legalidade de posse após a sua ocupação, isso em 5 de novembro de 1740.

Ornellas eram um dos três sesmeiros da região onde mais tarde se desenvolveria a capital dos gaúchos. Ao norte, havia as terras do Tenente Francisco Bandeira, que iam do Arroio Dilúvio até Gravataí; ao sul, as terras de Sebastião Francisco Chaves (que concederia sua sesmaria ao Tesouro Real para a ocupação de cavalhadas, fato que deu nome a estrada onde hoje existe o bairro).


Ocorre que, para a historiografia de Spalding, Ornellas é o fundador de Porto Alegre. Portanto,a data de fundação seria a de 5 de novembro. Outros estudiosos, e entre eles estava, na época da polêmica (1971) Francisco Riopardense de Macedo, defendia outra tese: a de que Ornellas nada teve a ver com a fundação.

Para o historiador, Jerônimo apenas quis construir um entreposto comercial em Viamão, fixou-se em terras do Morro de Santana, deixou os remanecentes açorianos fixarem terreno às margens do rio Guaíba e só. Aliás, Ornellas, pouco tempo depois, devido a alguns dissabores, e entre eles um caso de assassinato envolvendo um de seus filhos, acabou vendendo a sua sesmaria, mudando-se para Triunfo, onde morreu, em 1771.

Para Riopardense, o fundador de Porto Alegre é o coronel José Marcelino de Figueiredo. O ofical, que havia aportado em terras do sul para resolver questões fronteiriças envolvendo portugueses e espanhóis. Figueiredo, por sinal, havia deixado sua terra natal por conta de um incidente lamentável. Por uma questão de honra, matou um militar escocês. Conseguiu um meio perdão do Marques do Pombal, que lhe concedeu um drgredo "branco", sua graça era José Gomes de Sepúlveda.

O Coronel Marcelino optou por Porto Alegre como capital em detrimento de Viamão dada a sua relação com o rio - que permitia que as tropas reais pudessem avançar do Guaíba até Rio Grande ou Rio Pardo, e regiões de fronteira. Viamão ficava longe demais para um deslocamento de tropas.

Foi Marcelino o primeiro urbanizador da Porto Alegre que, em fins do Século XVIII, se resumia apelas ao que hoje conhecemos como Centro Histórico. Foi ele também quu solicitou a elevação de Porto Alegre a freguesia (como uma cidade com autonomia administrativa separada de Viamão). Isso se deu sob provisão régia, em 26 de março de 1772.

Freguesia também no sentido eclesiástico. Antes, a cidade tinha apenas uma capela curada, ou seja, filial de Viamão. Apartir dali, nenhum recém-nascido precisava ser viamonenses mas, sim, como diz Riopardense de macedo, filhos da vila de Nossa senhora da Madre de Deus de Porto Alegre. O nome aparecria oficialmente pela primeira vez em 24 de julho de 1773.

assim, depois de muita discussão, a Câmara de Vereadores aprovou a data de fundação de Porto Alegre como nós a comemoramos hoje: 26 de março.

Naquela época, para você ter uma idéia, a cidade ia da ponta do Gasômetro, que é um aterro, até os altos da antiga rua da Bragança, onde hoje fica a rua Marechal Floriano. dali, partiam as ruas do Cotovelo (Riachuelo) e São José (Duque de Caxias, que terminavam num portão guarnecido militarmente, onde hoje fica a praça Conde de Porto Alegre; mas a cidade mesmo acabava ali onde fica hoje o Colégio Sévigné.

só que de portão, não tinha quase nada: Porto Alegre não era uma fortificação no mellhor estilo de filme de capa e espada. ela se resumia a uma grende trincheira de pau-apique ou adobe, com um valo na frente, mas sem direito a jacaré.

Andar de Táxi

Deus sabe que eu andei de taxi ontem a noite. A verdade é que eu
estava desacostumado. Quando a gente fica muito tempo sem andar de
táxi, fica parecendo que cada vez é a primeira vez. E como eu vou
explicar que estou enferrujado para ela? Ainda mais ela tão bonita,
tão altaneira e tão desfrutável que já pegou tantos passageiros e foi
para tantos itinerários improváveis e misteriosos, e conhece todas as
ruas, praças e avenidas e becos sem saída que existem na cidade.

E mesmo que seja tão acostumada com tantos passageiros, ela sempre
consegue arranjar algum prazer em fazer algum percurso. Até fica com
um pouco de impaciência quando lida com pasageiros jovens e
inexperientes, até porque ela pode aproveitar a viagem além de se
divertir com o taxímetro. Mas eu vejo tanto amor que ela tem em seu
fluxo progressivo, em cada espaço, em cada quilômetro andado, e para
quem sempre pede carona de ônibus e sempre com o mesmo itinerário,
andar de táxi, ainda que amiúde, chega a ser um passeio ao sétimo céu
com minha desfrutável motorista.

Só acho que, às vezes, é sempre bom haver um certo grau de intimidade. Aí éuma outra vida dentro da vida, é um inefável salto no escuro.
Até para que saibamos o ritmo certo, a velocidade certa, como se
estivéssemos num rali Andar com várias só ajuda na experiência
acumulada, mas a intimidade nos permite saber se ela quer que corramos
mais rápido ou mais devagar, bem devagar, aproveitando toda a
paisagem, sentindo todo o vento úmido da noite em minha face, chegar aos estertores até o topo do mundo e morrer nas estrelas num espasmo de esgar e de espanto.

E isso que ela não era uma motorista qualquer, de uma viagem qualquer,
oh, ela é uma borboleta de tão diáfana em seu toque, tão melíflua em
seus gestos, tão delicada em cada volteio, como se eu estivesse sendo
caregado por uma wagneriana valquíria uma carruagem de fogo rumo ao
paraíso do Venusberg. Pena que a viagem é rápida e o preço faça com
que às vezes precisemos optar pela (velha e rápida) carona de ônibus de todo dia, como
sempre.

Mas Deus sabe que sempre há a inefável oportunidade de andar de táxi.

Tuesday, March 13, 2012

Música & Lugares

Mais uma para a série: The 59th Street Bridge Song (Feelin' Groovy), composta por Paul Simon para o disco Parsley, Sage, Rosemary and Thyme, de 1966. A vetusta ponte, na verdade, é a Ed Koch Queensboro Bridge.




O número se dá porque ela fica entre as avenidas 60 e 59, em Manhattan. Aliás, é possível vislumbrar que, assim como sucede com a obra de Woody Allen, Simon e Garfunkel são compositores nova-iorquinos.

Eu ia postar uma versão ao vivo da música aqui, mas acho a original do disco genial, porque ela tem a participação de dois músicos do Dave Bruebeck, Joe Morello na bateria e o Eugene Wright, no contrabaixo acústico.

A Queensboro Bridge foi inaugurada em 12 de junho de 1909.



A ponte

Tuesday, March 06, 2012

O Götterdämmerung de Erico Verissimo


Escritou publicou O Arquipélago há cinquenta anos


Esse ano se comemora o lançamento do último volume de O Tempo e o Vento, do Erico Verissimo. A Globo optou por lançar a terceira parte da trilogia em três volumes, protelando a derradeira parte para março de 1962.

Verissimo planejou a terceira parte da saga dos Cambarás com o nome de Encruzilhada. Mais tarde, e bem mais tarde mesmo, ele mudou para O Arqupélago, e a razão é bem interessante.

Como se sabe, e como explica o verbete, um arquipélago é um conjunto de ilhas e/ou ilhéus próximos uns dos outros. Depois de narrar a formação, o povoamento e a consolidação do Rio Grande do Sul, Erico foca a história na desagregação tanto da elite campeira do estado, a partir da estagnação das charqueadas e a ascenção dos imigrantes como força de trabalho no sul e, em paralelo, a desagregação do pr´´oprio núcleo familiar de Rodrigo Cambará, o chefe do clã.

O Retrato, publicado em 1951, narra a história de Rodrigo Cambará, que é o primeiro Cambará doutor da família. Junto com a atividade como clínico em Snata Fé, ele opta pela política, defendendo o Civilismo de Hermes da Fonseca contra o continuísmo político borgista - representado por Laco Madruga, chefete local.

A paixão política se mistura com as histórias de Rodrigo, tipo fiolgazão e mulherengo da pior (!) espécie. O livro termina com a morte de Pinheiro Machado, em 1915. No começo de O Retrato, no entanto, há uma cena que se passa em 1945. Com a Revolução de 30, Rodrigo havia se tornado um comensal da corte de Getúlio Vargas e defendeu o regime do Estado Novo até sua queda, quando ele deixa a Capital Federal para refugiar-se com sua família, em Santa Fé.

No Arquipélago, assim como em O Continente, a narrativa ocorre em dois momentos paralelos: uma, Reunião de Família, como em O Sobrado, é o entreato familiar onde se desenrola uma situação dramática. Rodrigo está de cama depois de um enfarte. Está desenganado e, ao redor dele, se desenrola todo um drama familiar de pessoas que estão irremediavelmente isoladas umas das outras mas que, com efeito, acabam tento que se unir numa situação adversa debaixo do mesmo teto.

Aliás, as cenas de crise coronária de Rodrigo são inspiradas num episódio real: Erico era cardíaco, e um ataque quase o matou no meio da feitura dos livros da trilogia. Verissimo levou um largo tempo para concluir a redação de O Arquipélago, entre paradas de meses e anos, ele escreveu parte em Porto Alegre, parte durante férias em Torres e nos Estados Unidos (Alexandria, na Virgínia), quando viajou para lá na ocasião do casamento de Clarissa, que já residia lá há algum tempo.

O livro retoma a saga do filho de Licurgo, num misto de novela e romance histórico. Já casado e prometido por Pinheiro Machado, acaba se tornando deputado pelo PRR, para mais tarde desertar para o lado dos maragatos quando estoura a Revolução de 23.

Talvez um dos momentos mais geniais, e que pega a pena de Erico no seu melhor momento, nas páginas onde ele recupera, com uma maestria de poeta épico, todos os movimentos da Revolução de 23 em Lenço Encarnado. Aqui também surgem outros personagens ligeiramente queirosianos, como o Tio Bicho e Aarão Stein.

Também passando pelo romance histórico, Erico conta a pequena epopéia do irmão de Rodrigo, Toríbio que, depois de deixar as hostes de Honório Lemes, ele decide seguir Luis Carlos Prestes com a famosa Coluna, indo parar no Nordeste. A história, no entanto, é real: o tio de Erico de fato seguiu o desacreditado tenente de Santo Ângelo na tentativa de derrubar Arthur Bernardes quando todos capitularam pelo fato de que Bernardes e Borges se engalfinhavam e este teve que assinar o Pacto de Pedras Altas, pondo fim ao governo continuísta de décadas no Rio Grande do Sul.

Verissmo também aproveita os convescotes no Sobrado com os amigos de Rodrigo para fazer romance de tese, discutindo desde estética até política. Tio Bicho é, na verdade, o coro da tragédia; assim como acontece com o Dr Winter no Continente, Erico fala pela boca do Tio Bicho que é um personagem do Eça que o Eça esqueceu de criar, um misto de João da Ega e de sátiro grego e só não rouba a cena mais do que o sogro de Rodrigo e pai de Flora, o seu Aderbal Quadros.

Aderbal é o típico homem cordial e distraído, pordeu suas terras por ser bom demais e confiar em fio de bigode, não se mete em briga e vive para cultivar árvores que recebem nomes de gente, em seu sítio. Rodrigo também vive um conflito com seu filho mais velho, Floriano. Dessa relação parental que surge o perfil psicológico de O Arquipélago.

Floriano puxa pela mãe, não tem o espírito belicoso dos Cambará, é um intelectual, escritor como Erico e vive o drama de ser criticado pela pretensa superficialidade de seus livros e é cobrado a tomar partido de alguma causa, fato que ele dá de ombros e é acusado de burguês e omisso, por seu irmão mais novo, Eduardo, que é membro e militante do PCB.

Nas discussões políticas entre Floriano e Tio Bicho passa muito da óótica e da ética de Verissimo como escritor, além do próprio gosto de Floriano (e Tio Bicho) por música clássica, mote e assunto que aparece o tempo todo no livro.

Além dessas atribulações, Floriano vive um amor não resolvido com Sílvia, que está por se casar com seu irmão caçula, Jango. Ao contrário de Floriano, ele é um homem do campo. Sílvia fica entre dois corações, ao mesmo tempo que ele fica dividido entre ela e uma americana, Mandy, que ele conheceu no Rio de Janeiro. A titubeação de Floriano, uma de suas "virtudes" faz com que ele perca Sílvia, quando ele enfim descobre que a ama de verdade - quando já é tarde demais.

Verissimo também inova ao escrever um capítulo no foco narrativo da Sílvia, quando ela escreve um diário onde tenta elaborar a situação de ser uma mulher dividida, e tanta com resignação e fé escolher entre Floriano e Jango. No fim, ela pensa como uma típica personagem feminina de erico Verissmo da linhagem de Ana Terra, Bibiana e Maria Valéria. Ao escolher Jango, ela zela pela "integridade" do núcelo familiar. Toda escolha é dífícil e só poderemos encontrar lógica em sua escolha dentro do perfil de mulher agregadora de sua linhagem. Foi assim (consciente e insconscientemente)que Bibiana reteve o Sobrado, e é assim que Sílvia arrega a tocha para a geração seguinte.

Ao mesmo tempo, ele tem um acerto de contas com Rodrigo, quando eles re reconciliam depois de uma catarse. Mesmo com todas as perdas, de seu pai e de Sílvia, Floriano renasce e resolve escrever a saga dos Cambará: é quando a trilogia termina no começo de o Tempo e o Vento. Ele se senta à máquina, depois de voltar ao Sobrado de madrugada, e escreve as primeiras frases: "Era uma noite fria de lua cheia...".

Friday, February 17, 2012

Música & Lugares

Para movimentar o blog, vou iniciar uma série de posts onde uma canção de rock/pop se remete necessariamente a um lugar.

A primeira canção: Waterloo Sunset, do disco Something Else by The Kinks, lançado em Setembro de 1967.



Waterloo Sunset se refere à Waterloo Station, uma das dezoito estações de trem de Londres, Inglaterra, ionaugurada em 1922.

Friday, February 10, 2012

O meu Best-Seller da Semana


A capa

Li um livro, chamado A Ausência Que Seremos, do Hector Abad, que saiu ano passado, pela Companhia das Letras.

O livro é fantástico. Metade história recente da Colômbia, metade autobiografia e metade a biografia do pai dele, médico sanitarista, metade um romance de formação do próprio autor e sua paixão pela sua família.

O Pai do Héctor, de mesmo nome, foi chamado o apóstolo dos Direitos Humanos na Colômbia, com projetos na área da saúde que mudaram a vida da população. Parte da história ele fala como o país foi sanguinariamente dividida, primeiro entre liberais e conservadores, depois pela Guerra Fria.

Por último, quando Deus e todo mundo abandonou parte do povo para que a turma do Narcotráfico tomasse conta de tudo. O Héctor Abad pai era tido como revolucionário e comunista, e foi morto por matadores de aluguel, em 1987. Na verdade, ele queria curar o povo com tratamento epidemológico e rede de esgotos, não com remédios e ele era contra apostura apostólica de como os médicos se postavam como fariseus curandeiros da população, ele dizia que a povo não estava doente, ela tinha fome. É um livro genial, e ao mesmo tempo, fala da relação dele com relação ao pai, que é quase como a Proust com relação à mãe dele.

O perfil do Abad pai é entremeado pela disensão entre o seu lado socialista ateu e a sua família, pai e filho, com a cultura mergulhada nos dogmas e no misticismo cristão, que mais se confundiam com a ´própria cultura e o atavismo familiar de ambos.

Numa entrevista à Folha, o escritor explica a questão: "pai era filho de seu tempo, de sua história. (...) Mesmo que você seja ateu, crescemos nessa cultura que domina e permeia tudo".

Héctor conta que seu pai mudou de atitude quando sua filha morreu com apenas 16 anos. Aquilo mudou a postura dele com relação ao mundo. Ele se tornou quase que suicidamente engajado em sua causa, e a partir dali, se tornou um militante da liberdade, dos Direitos Humanos e da liberdade de opinião tanto na Univsersidade onde trabalhava quanto na sociedade colombiana tacanha e narcotizada pela demagogia política e a violência crudelíssima, até sua escalada, no fim dos anos 80.

Fora isso, fica a doce imagem de um pai que, como exemplo, foi o maior pai do mundo. E mais: antes de ser um avatar, um mártir, uma personalidade, ele era um homem comum, frágil, agregador e amoroso com sua família.

A Ausência que Seremos é um livro lírico e trágico, mas lúcido e exemplar, uma das melhores leituras minhas dos últimos tempos. Comecei a ler anteontem e, depois de algumas páginas, não consegui largá-lo até a última linha, um dia depois.

Saturday, February 04, 2012

Aquela canção do Roberto

Tava ouvindo a Whiter Shade of Pale, do Procol Harum, e me lembrei de uma história, na biografia do Roberto Carlos, Roberto Carlos em Detalhes, que fala que a canção do disco O Inimitável, de autoria do Paulo César Barros e do Getúlio Côrtes, é inspirada nela.

O Carlos André Moreira, da Zero Hora‎ viu meu quiz no Facebook e acertou. Perguntei se alguém sabia qual e a a canção do Roberto que foi inspirada pelo Procol Harum.

E o Carlos André ainda se deu ao trabalho de postar o trecho do livro que fala da história toda. Eis:

"Uma das grandes canções do repertório de Roberto Carlos é O tempo vai apagar, outra faixa do álbum O inimitável, creditada a Getúlio Cortes e Paulo César Barros. "Passei anos ouvindo as pessoas me elogiarem por uma música que não é minha. Essa obra-prima é do Renato, o mérito é dele. Eu não fiz nada nessa composição", afirmou Paulo César ao autor. De fato, O tempo vai apagar é uma composição de Renato Barros em parceria com Getúlio Cortes. E a canção nasceu de uma forma curiosa.

No início de 1968, Renato estava a bordo de seu Impala ouvindo no toca-fita a balada A whiter shade of pale, grande sucesso de Procol Harum. Mas havia um problema em um dos canais do som do carro e ele não ouvia o vocalista da banda, apenas a base instrumental da canção. Mesmo assim, estava tão bonito que Renato continuou iuvindo enquanto dirigia o carro. E logo começava a cantarolar uma nova melodia em cima daquela harmonia da canção de Procol Harum. E assim nasceu O tempo vai apagar, que depois Renato Barros concluiu, com uma letra em parceria com Getúlio Cortes.

Foi Getúlio quem mostrou a canção para Roberto Carlos, numa tarde, no estúdio da CBS. Mas o cantor não demonstrou o menor entusiasmo pela canção, e quando isso acontece ele não grava de jeito nenhum. "Cantei desafinado pra caramba, defendi a música muito mal mesmo", reconhece Getúlio Cortes. Roberto Carlos já ia saindo do estúdio quando Lafayette, normalmente uma pessoa calada, decidiu interceder pela composição. "Roberto, preste mais atenção nessa música, ela é linda, tem um estilo barroco. Olha só." E Lafayette tocou a melodia no órgão, criando bonitos acordes. Diante disso, a coisa mudou de figura e Roberto Carlos se empolgou com O tempo vai apagar. "Pô, Getúlio, essa música é bonita mesmo. Mas como é que eu ia saber? Você cantou mal pra caramba", brincou. Depois a canção ainda ganhou de Lafayette uma bela introdução no seu órgão Hammond, que não deixa dúvida da influência de A whiter shade of pale.",



A canção do Roberto:






A inspiração:

Sunday, January 29, 2012

A história da Chess Records, berço do blues de Chicago

De tempos em tempos Holywood produz filmes que se tornam cult movies. Tem um que está passando quase diariamente nos canais HBO e que vale a pena ser visto, revisto e curtido. Trata-se de "Cadillac Records". O filme retrata os anos de ouro da Chess Records, selo independente de Chicago que produziu os melhores discos de blues da história. O selo foi responsável pelo surgimento de grandes talentos, como Muddy Waters, Holin' Wolf, Little Walter, Chuck Berry, Etta James, entre outros. Todas as interpretações são maravilhosas, mas a de Mos Def (Chuck Berry) e Beyoncé Knowles (Etta James) matam a pau. Por sinal, acho que é a melhor coisa que a Beyoncé já fez. Ela canta maravilhosamente as músicas de Etta. É impressionante que a Beyoncé jamais tenha gravado um disco de blues, já que canta o blues como se Etta James fosse. Mos Def incorporou o espírito Chuck Berry ao fazer o filme e imitou o passo de pato e demais trejeitos do roqueiro. Outro destaque é o desconhecido Columbus Short, que fez o Little Walter, que parecia o próprio músico. A vida de Little Walter é cheia de altos e baixos. O cara, além de ser feio, teve a cara toda arrebentada de tanto que apanhou e se meteu em brigas. Mas ele foi o primeiro gaitista a tocar com amplificação e a usar as distorções do som amplificado a seu favor. Algo que Jimi Hendrix acabou fazendo com a guitarra. Não sei como esta produção de 2008 não fez uma carreira melhor no cinema. Vou deixar para vocês o trailer, a Beyoncé cantando "All I Could Do Is Cry" e "At Last"

Friday, January 20, 2012

Dr. Sarmento e o Frade-de-Pedra


A Faculdade de Direito da UFRGS

Um elemento que era típico das cidades no tempo em que o trânsito era composto basicamente de muares, equinos e demais mamíferos hipomorfos, da ordem dos ungulados, eram os frades de pedra.


Pois eles ficavam sempre em esquinas ou em frente à estabelecimentos de toda a ordem, com a única e exclusive finalidade de servir de local de ammaração dos animais de transporte aqui epigrafados.


Hoje as ruas são dos carros, ônibus, motos e demais veículos de três ou quatro rodas. Porém, como quase que um atavismo dos tempos de outrora, pelo menos aqui, em Porto Alegre, alguns ainda resistem.

Um deles se encontra em frente ao lago da Redenção. Mas outro, que fica diante do histórico prédio da Faculdade de Engenharia da UFRGS, ainda pode servir de amarração a qualquer bípede ou quadrúpede.

Muitos que ali passam provavelmente não sabem do que se trata aquele objeto que parece um monumento fálico de pedra ou argamassa armada. É um frade-de-pedra.

Fiz todo esse preâmbulo porque sempre que eu passo ali na frente da Praça Argentina e vejo ele (o frade), me lembro de uma história que, de tão antiga, eu não saberia dizer se é real ou apenas uma anedóta atribuída a uma determinada pessoa - no caso, ou o Doutor e Deputado Armando Câmara, ou o Patrono da Faculdade de Medicina da nossa valorisa Federal, dr. Sarmento Leite.

Costa que, a priscas eras, algum carroceiro, ao transitar pelo antigo caminho da Azenha, que ia do Centro até os lados da antiga Cascata (hoje a Avenida João Pessoa), resolveu deixar seu jumento pastando nos campso verdejantes que ora existiam diante da (então) Faculdade Livre de Direito.

O pobre homem amarrara o muar num frade-de-pedra, e deixou o animal ali, solerte, a devorar lenta e pastosamente a paisagem. Eis que, nos esgar de buscar mais relva, o bicho acabou se desvencilhando das amarras, e foi pastando, pastando, pastando - porém, entre distraída e pachorramente, marchou a passo miúdo rumo à entrada do prédio da Faculdade de Direito (ou de Medicina, que foi construído contiguamente àquele e existe até hoje, junto com este).

E lá foi o jumento, pastando rumo à entrada do prédio. Eis que, ao descer as escadas, um deles, Câmara ou Sarmento Leite, ao deparar-se com aquela cena plástica, do burrico defronte á faculdade, entre perplexo e pálido de espanto, sem tirar os olhos do animal, bradou:

- Bedel, bedel! Tite já este animal daqui, senão daqui a cinco anos ele veste toga e cola grau!

Thursday, January 05, 2012

Criado no Rock


A capa


Terminei de ler e recomendo o livro Elvis Presley - a Vida na Música.
Escrito por Ernst Jorgensen, especialista no que se refere à obra do
Rei do Rock e também responsável pela recuperação do catálogo do
cantor norte-americano nos últimos anos.

Como diz o título, a obra se refere apenas à parte de sua vida
dedicada às sessões de gravação entre 1955, do seu primeiro acetato
até janeiro de 1977.

Mesmo para quem não conhece muita coisa sobre Presley, o livro vale a
pena para mostrar como era, e como é, o mundo do disco. No caso de
Elvis, é interessante notar que, a despeito de sua tenra juventude
quando ele começou no disco, ele já possuía um enorme potencial e
cultura musical.

A questão é que, quando ele entra na indústria do disco e passa a ser
comandado a manu militari pelo Colonel Tom Parker, o Rei acaba virando
uma espécie de cobaia num corredor polonês onde de um lado havia o
mundo das grandes editoras musicais e de outro, o estabilishiment, que
a muito custo conseguiu aceitar o rock no começo dos anos 50.

O livro de Ernst Jorgensen também mostra como havia um cuidado enorme
em se produzir para ele compactos de sucesso e, ao contrário do que a
coletânea de números 1 possa indicar, mesmo com todo o marketing da
RCA e do seu nome no disco, nem sempre ele conseguia um primeiro lugar
e, mesmo que todos os seus discos sempre vendessem bem, havia uma
cobrança enorme em cima dele em busca de sucesso.

Parker tratou de criar um banco de canções gravadas previamente por
ele para preencher o mercado durente o tempo em que Presley serviu ao
exército. Depois que o mercado do rock mudou, no começo dos anos 60,
sua música também acabou mudando. A sua volta gerou um dos seus álbuns
mais celebrados, o Is Back.

Porém, depois de um feixe de números 1,
Elvis começou a ficar à sombra de um fenômeno crucial, que foi o
surgimento dos cantores-compositores.

Correndo pelo outro lado, Parker tinha uma política ligeiramente
ortodoxa: ele montou uma editora musical que se encarregava de
arregimentar compositores de porta de escritório para fazerem canções
para que ele e Elvis registrassem-nas como suas - pelo menos quando a
arrecadação de direitos autorais. Consta que Presley não gravou "I
will Always Love You", de Dolly Parton, porque ela não quis ceder à
esta política.

a partir dos anos 60, Parker viu que o futuro de Elvis não estava na
RCA, mas sim no cinema. Por conta disso, toda a equipe musical se
mudou para Holywood, onde Presley gravou uma séria gigantesca de
trilhas para filmes.

Nesse período, a Hill & Range, a editora do Colonel Parker, funcionou
a pleno vapor em busca de compositores para escreverem juntos canções
pop de ocasião para preencher as películas do Rei. Fora algumas
exeções, já que os filmes não tinham roteiros de grande profundidade,
o grande problema é que as trilhas que Elvis gravava seguiam no mesmo
estilo.





Ou seja, no fim das contas, ele perdeu um grande tempo de sua
carreira musical, e isso fica evidente do livro Ernst Jorgensen,
gravando coisas que não tinham nada a ver com ele.

Elvis mesmo dizia, com relação a uma que outra música: "não é boa nem
ruim, é apernas medíocre". E observando sessões de gravação caseiras
de Presley, nota-se que ele tinha um conhecimento musical considerável
e espontâneo em farejar canções que, de fato, tinham muito a ver com
ele, coisas que seu pai Vernon ouvir, spirituals e muita m úsica
gospel, e country antigo, das Davis Sisters até Hank Wlliams.

Mas como para o Colonel Parker, para Presley gravar esse material era preciso
que a sua editora musical tivesse 100% do lucro das vendas, Elvis
ficou quase uma década refém de compositores de escritório.

Isso só mudou quando ele gravou o famoso Comeback Special para a NBC,
em 1968, e ao mesmo tempo lançou o clássico From Elvis To Memphis, que
indicou uma mudança no material trabalhado para a pré-produção dos
álbuns, uma nova banda de apoio, o fim progressivo das participações
em filmes. Presley voltou ao topo das paradas com canções como
Suspicious Minds e The Wonder Of You e passou a ter uma favorável
margem de negociação na hora de escolher o repertório.

A partir dali ele se reinventaria (ou seria reinventado). O foco a
partir dali não era mais os filmes, mas o retorno aos palcos a partir
de Las Vegas. No entanto, era questão de tempo para que o cantor
acabasse ss tornando cativo da maquina de entortar gente que era a
indústria fonográfica. Ao mesmo tempo, era percebível que, apesar do
público fiel, o mercado queria porque queria que ele continuasse na
crista da onda. Ele estava, mas isso não se refletiva nas vendas de
duscos: seu público olhava para trás e se identificava mais com o que
ele cantava nos palcos do que no que ele tinha de novo para mostrar.

Isso sem levar em conta que musicalmente Presley estava no seu auge
como cantor, e gravando coisas muito mais interessantes do que ele
fazia nos anos 60, indo de Gordon Lightfoot e Kris Kristofferson até
James Taylor. Contra isso ia a política da RCA e o ímpeto
capitalísticamente desenfreado do Colonel Parker, que insistia em
jogar no mercado discos anacrônicos que misturavam material antigo e
sobras de estúdio aos borbotões, em selos de promoção, como a Camden.

Essa questão só não era o principal motivo de fruistração de Elvis
porque o maior deles era o fim do seu relacionamento com Priscilla
Presley, que influenciaria tanto em seu estado anímico quanto no seu
repertório. E junto com o problema de ter que conseguir um compacto de
sucesso a qualquer custo - envolvendo toda a burocracia em volta dele,
havia o conflito de um intérprete que, a rigor, não teria que mostrar
nada a ninguém, mas no entanto, sofria uma cobrança enorme a cada
disco e era posto no circo dos leões pelos palcos de Las Vegas, apenas
porque seu empresário sabia que os shows davam mais dinheiro do que os
discos.

Também é preciso levar em consideração o que o Colonel Parker
considerava como arte: aquilo que desse dinheiro. Ou seja, nada de
filme cabeça ou álbum conceitual. Conceitual para ele era um punhado
de canções de sessões aleatórias e um poster de uma foto contemporânea
de seu pupilo de encarte.



Fora o problema de que os fãs não iriam digerir o novo trabalho de
Elvis, cuja editora musical esperemia os cérebros de compositores como
Mark James (o autor de Suspicious Minds) para sucessos novos em folha,
como pastel de feira.

O resultado foram discos como Raised On Rock e Fool - hoje
considerados clássicos - mas que, na época, foram incompreendidos.
Junto com a pressão de um novo sucesso, o divórcio e a sua saúde
instável.

Elvis na Stax


No meio desse turbilhão, e logo após a apoteose da apresentação
histórica no Havaí, em 1973, a RCA marcara outra sessão de gravações
do que seria o álbum Raised On Rock.

A solução salomônica e caseira foi agendá-la em Memphis, ao invés de
ir até Los Angeles. Afinal de contas, os estúdios da Stax ficam a
cinco minutos de Graceland.

Jorgensen diz que quando Presley se apresentou na Stax, ele parecia
animicamente alterado, acompanhado de um instrutor de caratê,
modalidade que era a sua paixão desde os tempos de exército.

Elvis encheu o estúdio de cantores e cantoras, para criar o clima
gospel nos backings. As primeiras sessõers saíram arrastadas. Na
segunda, alguém sumiu com o microfone principal do cantor. Na
terceira, os seus músicos de estúdio tiveram que se ausentar por
problemas de agenda. Elvis então foi servido pelos instrumentistas da
Stax, Donald Dunn e Al Jackson ("The Human Timekeeper" ), ambos
membros dos míticos MG's.

O problema maior ficou na parte de produção: a infra-estrutura da Stax
era diferente da comumente usada no American Studios, já que a mesa
gravava vocal e instrumentos por pistas, enquanto elvis trabalhava
quase sempre com todos tocando ao vivo. O engenheiro da RCA, Al
Patchucki, por sua vez, não estava preparado para isso.

A gravação ao vivo ali pista por pista iria exigir que todo mundo
usasse fones de ouvido, enquanto o ideal seria que cada um ouvisse
respectivamente o que os demais estão executando. "O sistema de
monitoramento da Stax não permitia que isso acontecesse", diz Ernst.
"De modo que cantores e banda não foram capazes de ouvir uns aos
outros enquanto gravavam".

Dado a todos os contratemos, contando com o perfil ciclotímico de
Presley àquela altura, em três sessões, eles haviam gravado menos da
metade que fora demandado pela gravadora. O jeito foi gravar o resto
sem elvis, apenas com uma voz guia, para que o cantor enfim
registrasse a sua voz, mas em outra ocasião e em outro estúdio, dessa
vez na casa do próprio Elvis em Palm Springs.

O mais interessante no livro de Ernst Jorgensen, no entanto, é o desvelo
que ele trata a parte profissional de Elvis Presley, ou seja, tratando apenas
do que se refere à sua carreira musical e em estúdio, destacando a passagem
de grandes colaboradores em suas sessões de gravação, a forma como ele e
sua banda produziam e cresciam em estúdio devido ao enorme talento e
sensibilidade intelectual do Rei.

Pena é que, como podemos ver nas páginas e histórias de Elvis - Vida na Música,
seu talento tivesse sido dispersado por conta de demandas meramente
mercadológicas ou pelos desmandos de seu empresário, Colonel Tom Parker, que tem também
seus pontos positivos no êxito da carreira de Presley, principalmente
no começo. Mas que, a longo prazo, acabou se tornando um fardo do qual Elvis não
pôde mais se desvencilhar.