Friday, November 27, 2020

Missa em G


George Harrison em 1970

 

Sempre que vem à baila a discussão a respeito do All Things Must Pass, álbum do ex-beatle George Harrison que hoje completa cinqüenta anos (de lançamento nos Estados Unidos, na Inglaterra saiu dia 30), eu sempre ouço que é, de longe, o melhor trabalho solo de todos os quatro em suas carreiras-solo. O melhor disco solo de todos eles em todos os tempos é All Things Must Pass.  É uma bonita opinião. Longe de querer questioná-la. Eu preferiria analisar o disco no âmbito da própria carreira solo do George, carreira que é bastante irregular, e de um músico que sempre correu por fora do show-biz, principalmente depois que livrou-se das obrigações contratuais com a EMI, em 1976. A partir dali, sua carreira-solo é lacunar e distante da indústria da música e, principalmente, dos palcos. 

Escolha pessoal? Talvez. Eu diria que totalmente. Sempre admirei George pela escolha que ele fez, a escolha? A renúncia a uma carreira-solo e, mais do que isso, ele certamente nunca quis competir com seus pares dos Beatles. Lembro de John falar, certa feita, que George ainda estava por escrever a sua obra-prima. Ou seja, para Lennon, All Things Must Pass não é tudo o que dizem ou pensam. Acho na verdade complicado porque dizer que esse é o melhor disco solo dos ex-beatles implicaria dizer que é o melhor trabalho solo dele. Ou seja, é como se todo o resto da discografia do George fosse um mero anticlímax do que foi o All Thing Must Pass, como se ele tivesse vivdo eternamente, além da sombra dos Beatles, à sombra do seu primeiro trabalho solo (descontando os anteriores, Wonderwall e o Eletronic Sound, que ninguém entendeu, mas eu gosto muito desse). Então, essa afirmação, na medida que é uma provocação aos outros ex-parceiros (por parte dos fãs, lógico, a polêmica é válida), essa afirmação acaba desmerecendo todo o resto da produção de George como músico solo. Então, é melhor ir com cautela nessa transa aí. 


Acho que nessa época, começo dos anos 70, eles estavam ainda marcando suas posições. Harrison juntou-se a nada menos que Badfinger, Derek and the Dominos de Clapton e amigos. O disco, triplo, parece ser uma resposta aos seus ex-colegas. Transformados em inofensivos duendes, Ringo, Paul e John pareciam insignificantes demais. John entendeu a mensagem. Estrilou Quem não conhece George poderia pensar que tratava-se de uma vendeta estúpida. Bobagem, Harrison era cáustico por natureza, não iria perder a oportunidade de perder o amigo sem no entanto deixar a piada passar. Harrison como uma espécie de hortelão sentado no gramado inglês de Friar Park e seus três amiguinhos insignificantes. E o disco? Eu sempre digo que levei muito tempo para escutá-lo na íntegra. 

Ainda hoje, posso dizer até que não sei se cheguei a ouvi-lo a ponto de conhecer suas faixas de cabo a rabo, como conheço os discos dos Beatles. De fato, a culpa não é do George ou desse álbum especificamente. Eu realmente não consigo topar a carreira solo deles. Talvez seja por isso que eu não entre no debate bizantino sobre qual é o melhor trabalho solo dos quatro, como se a trajetória deles depois dos Beatles fosse uma gincana para saber quem fez o melhor disco solo. Realmente, eu vejo isso como papo de fã-clube. 

Penso no All Things Must Pass como um grande movimento para um homem como George. O disco é a sua libertação, é o seu decálogo, é quase uma cantata pop, um catecismo religioso. Quando George canta “My Sweet Lord” com a produção etérea de Spector, é como se ele cantasse do topo de uma montanha. O que me impressiona no disco é que, estribado na produção, o conteúdo do álbum é quase religioso. Isso me leva a pensar que em seu credo, Harrison está tão cifrado em sua mensagem que, em alguns momentos, chega a ser meio caturra de tão proselitista, que ele até mesmo se esqueceu quem ele era e de onde ele havia saído. De fato, George quis ser proselitista em All Things Must Pass

Muitos podem ter achado que era parte do espírito de época. Ele mesmo encontrou problemas na divulgação da música de Shankar. George, de fato, queria ser um pastor da boa nova. Ele de fato chegou a um nível de entendimento e de sabedoria que o conduziu para além das fronteiras do show-biz. Creio que esse foi o seu grande dilema: George se desinteressou rápido pelo que ele fazia. Quando teve as portas abertas para ser um grande artista, ele, apesar das boas produções posteriores, como Gone Troppo ou o Extra Texture, nunca conseguiu ir além do evengelho de All Things Must Pass. E penso que muitos que celebram a excelência e o estado da arte de All Thing Must Pass nunca pararam para pensar – ou ouvir- o restante da produção do ex-beatle, que muitas vezes se viu com acusações de falta de qualidade ou criatividade, como no caso da briga dele com a gravadora para lançar Somewhere In England

Seu maior sucesso nos lacunares anos 80 é um cover, excelente, aliás, Não diria que Harrison acabou virando refém do sucesso de All Things Must Pass mas, se compararmos com a trajetória de Paul McCartney, a carreira solo do George foi desinteressada e sem maiores ambições. Claro, fica o músico George e suas escolhas. De fato, como refletiu Clapton quando de sua turnê com o amigo nos anos 90, quando Eric disse em sua autobiografia que George estava no palco apenas de corpo presente. Seu espírito, na verdade, não estava ali. Acho que existe uma grande necessidade de se construir uma versão sobre o George solo que nem ele faria questão de corroborar. 

Na verdade, diria que o que ele realmente gostava era de algo como os Wilburys – e, se formos pensar, seus grandes momentos foram cercados de amigos, como nos Wilburys e em All Things Must Pass. O álbum, que completa meio século hoje merece ser ouvido, não como o melhor disco solo dos quatro Beatles. Mas como testemunho que um músico que um dia partiu em busca de iluminação e chegou lá. Noves fora, acho que All Things Must Pass não poderia ser o melhor disco solo do George nem em retrospectiva, porque o disco é uma promessa de artista solo que, em minha opinião, não se cumpriu. Fico com a opinião de John, uma opinião bastante forte vinda de quem veio. Afinal, Lennon era o mestre de George. 

Mas John também cometeu algumas derrapagens em sua respectiva carreira solo – e quem diz isso não sou eu. Eu seguidamente, em tempos de streaming, ouço aleatoriamente as faixas do disco. Confesso que não o ouço inteiro, duvido que alguém o faça. Ele tem grandes momentos, como “What is Life”, que não saberia dizer se ele fala para Deus como um Agostinho ou fala para Pattie. O resultado seria o mesmo. “All Things Must Pass”, a faixa, que quase se tornou uma canção de um disco dos Beatles. Eles chegaram a tocá-la mas, analisando bem, assim como “Cold Turkey”, era anti-beatles demais. No contexto da separação da banda e do próprio álbum, ela cala fundo, é profética e profundamente religiosa. “Awaiting on You All” parece daquela safra do “Sour Milk Sea”, um papo meio “read the book” ou “Within You, Without You”, um momento proselitista com direito a alguma iconoclastia. “It Isn’t a Pity”, que teria sido escrita em 1966, também no contexto do disco soa totalmente diferente, me parece o mais perfeito réquiém para os Beatles, a melhor trilha sonora para o fim de uma relação que parecia ser eterna. 

O final, parafraseando “Hey Jude”, deixa isso mais do que evidente. “Beware of Darkness”, “Hear Me Lord”, “Art of Dying” e “My Sweet Lord” seriam as outras partes da missa ecumênica de George. As outras, como “I’d Had You Anytime”, “If Not For You” e “Behind That Locked Door” parecem deslocadas para um contexto mais country-rock e que poderiam fazer parte de um outro disco paralelo em All Things Must Pass, esse sim, com influências de country-rock, uma tendência que George abraça nesse álbum mas que, no entanto, não desenvolve nos trabalhos posteriores, o que é uma pena. Mas, no final das contas, eu confesso que gosto desse cult following do All Things Must Pass como o melhor disco solo dos quatro Beatles em todos os tempos. Na verdade, me assombra o fato de que ele parece ser muito mais do que é, mais do que mais um disco, ele me parece uma grande experiência sonora e religiosa. A nota religiosa do disco, aliás, é a sua maior virtude e o que o sustenta. Não engrossaria aqui o coro, seria desnecessário aliás, de que este é o melhor disco das carreiras solo dos Beatles. Mas certamente que se eu fosse me inspirar em algum trabalho deles para fazer um disco, o escolhido certamente seria All Thing Must Pass.  


Tuesday, November 24, 2020

Sobre o tempo


Um ano atrás meu note queimou. Eu, que não tenho celular nem relógio e não tinha rádio, fiquei perdido. Me orientava pela luz do sol. Isso durou umas duas semanas. Fui me acostumando com o silêncio. Na madrugada, aprendi a me guiar com o canto dos pássaros, sabia mais ou menos a hora pelo canto deles, tanto de manhã quanto de tarde, além do galo do vizinho que, a despeito e ser meio desregulado, sempre cantava lá pelas onze.

Lembrei da experiência lendo um texto do Peter Burke sobre o tempo. Ele fala que antes do tempo mecânico, ordenado pelo relógio, havia o ecológico. A experiência do dia está relacionada ao ambiente local, ao curso do sol, ou seja, também pode mudar com as estações. Agora, por exemplo, quando entramos no verão, o dia começa muito cedo. Os bichos naturalmente acordam com a claridade, acordam mais cedo do que nós, que fingimos que não amanheceu e fechamos as janelas como se fosse possível protelar a marcha inexorável do dia.

No texto, ele fala do povo nuer, no Sudão. Lá, eles organizaam o tempo a partir do trabalho com os animais. O tempo era ordenado pelas tarefas do dia. Fiquei pensando que ele está falando de uma cultura muito antiga, que remetesse aos tempos homéricos. Quem lê a Ilíada sabe que lá a vida acontece de dia. Nada acontece de noite. A noite é a negação do dia, como o mar aberto é a negação da terra firme. Com exceção do famoso canto décimo do poema, que muitos entendem ser uma interpolação do texto original de Homero, já que nada na Iliada acontece de noite. Enfim, mudei de assunto. Voltando: o povo nuer tinha o seu relógio, era o ‘relógio do gado’. O ciclo de tarefas inteiro girava em torno do trato com os animais. Pois Burke fala, ou melhor, lembra para nós que esse tempo já foi o tempo universal. Com o tempo, o relógio permite o fracionamento do tempo em horas, minutos, segundos. A luz artificial permite que as pessoas possam expandir suas atividades noite adentro. E as restrições naturais, diz ele, foram sendo paulatinamente substituídas pelas culturais.

Burke também pensa em termos de geografia do tempo. Hoje todos seguem relógios, o fuso horário, o diabo. Mas, e antigamente? Por exemplo, há 7 mil anos atrás, apenas os sumérios fracionavam o tempo. Em outras partes, o tempo era o dos bichos, o do sol. A semana de sete dias como conhecemos hoje surge na Babilônia. Foi em 1930 que o antropólogo E. Evans Ptritchard conheceu os nueres (e que rendeu três livros clássicos sobre o tema), e viu que, em pleno século 20, eles ainda se guiavam pelo sol, pelo trabalho. Naturalmente que ele não foi o único a ter esse choque cultural. Na época dos descobrimentos isso seria comum – descobrir dezenas de culturas do tempo diferentes. No Japão do século 14, por exemplo, a semana tinha dez dias e os anos, como todos sabem, eram descritos em termos de animais. 

Ainda nessa época, diz Burke, as culturas diversas que habitavam a Europa que entrava na Renascença tinham a sua cultura do tempo particular, muçulmanos, cristãos, cristãos ortodoxos e judeus. Le Goff fala que, por essa época, começa uma outra querela religiosa na Europa, mas não era sobre as investiduras, era sobre o tempo. Havia o tempo da Igreja mas também havia o dos mercadores. A Igreja queria impor o tempo sagrado (ocês já ouviram falar das horas canônicas? Essa era a norma da Igreja). Enquanto o tempo dos padres era sagrado e litúrgico, o dos mercadores, como diz o velho adágio, é dinheiro. Claro que a Igreja finalmente deve ter concordado com o adágio: em 1582, o Papa Gregório XII instituiu o calendário Gregoriano. O que não significaria dizer que ele foi automaticamente adotado por todo o mundo a partir dali. Pense no tempo que isso deve ter levado para acontecer. A Turquia só iria adotá-lo em 1926.  

Se o tempo pode ser calculado, ele pode ser ganho ou ser perdido. A modernidade é que cuidou de prover um tempo universal e um calendário idem. Até por uma questão de ordem. A hora de Greenwich, diz Peter Burke,  surge na Inglaterra em 1848, chegando no Brasil apenas em 1914, nas vésperas da guerra mundial. 

Essa comparação com os diversos tempos é bastante fértil, se pensarmos que, a despeito da tecnologia e da inclusão digital, ainda existem culturas, por exemplo, no interior, onde existem culturas do tempo. Por exemplo, a famosa hora da sesta:  em algumas cidades, o comércio fecha no começo da tarde. Existe o tempo dos sinos das igrejas e, naturalmente, existem aqueles que se guiam pelo cantar do galo, que levantam com a claridade e não conseguem ficar de pé quando a noite chega, o famoso “dormir com as galinhas”. Pois então, eis aí um tempo “cultural, o das galinhas. Seria o tempo “camponês”, o tempo do peão, o tempo da Ana Terra lá no começo do O Tempo e o Vento, de pessoas que, mesmo hoje, são tributárias dos movimentos da natureza. Que é um tempo rural. Existe o tempo industrial, o tempo das fábricas que, segundo Burke, surge com a Revolução Industrial na Inglaterra e, dali, como Greenwich, ai conquistando todas as plagas do globo terrestre. Ao mesmo tempo, surge o tempo das carruagens, o tempo das viagens. 

Hoje, diz o historiador, somos todos arrastados pelo tempo padronizado, o tempo mecânico, que nós introjetamos e cujo impacto no ser humano, conclui Burke, pode ser profundo e, na pior das hipóteses, irreversível. Ou não, no meu singelísismo caso. Falando nisso, de uns tempos para cá, o galo do vizinho parou de cantar. Não sei se ele morreu ou foi exonerado por negligência. Afinal de contas, cantar fora do horário pode dar justa-causa...


Friday, November 20, 2020

Anistia

Fitinha do OMD

 

Domingo passado eu estive no Colégio das Dores para votar. É sempre curioso voltar a um colégio que você estudou há tanto tempo que tudo o que aconteceu lá mais parece um sonho, quase pura ficção se misturando com lembranças que, quando eu as tento evocar, me parece que eles saem melhor agora, ainda mais quando confronto as impressões do passado com minha interpretação no presente, quase uma testemunha imaginária mas falando do real vivido. Gostaria de lembrar de mais coisas, de ter tido quem sabe uma vida escolar mais interessante para contar mas, na verdade, acho mesmo que todas são iguais para todo mundo. Porém, quando algo ou alguém se reporta aos anos de escola, sempre se desfralda para cada um enorme pavilhão azulado de memórias inoluntárias.

Olhei para o pátio, enquanto estava nas filas de minha zona eleitoral. Lembrei da hora do recreio. É incrível pensar se é delírio ou se era verdade, mas eram muitos alunos, eram muitas salas de aula, muita gente no pátio, outros na cantina, mais ali alguns jogando vôlei do lado das escadas. Lembrando hoje, parece que as Dores tinham alunos demais. A hora do recreio era cheia de alunos para todos os lados.

Lembrei também que o SOE tinha um daqueles aparelhos de som 3 em 1 e um sistema de som relativamente potente, então as horas do recreio eram quase sempre embaladas com música. Contudo, eu lembro que a maioria dos discos e fitas que eles tocavam, muitos eram cedidos por alunos que levavam fitas e discos para a senhora do SOE,  à guisa de DJ, botava o som para rolar naqueles serões de intervalo.

Aquela época era engraçada: era o boom do rock nacional dos anos 80, havia a moda dos io-iôs da Coca-Cola, havia as comemorações do sesquicentenário da revolta de 1835. Eu lembro do pessoal da Coca-Cola dando show com os io-iôs, só eu que nunca consegui aprender a brincar com ele, e vivia enrolado as cordas. A música que tocava, em geral, eram os sucessos do rádio: RPM, Ultraje a Rigor. A gurizada medonha preferia Camisa de Vênus. Havia a gurizada que, cor incrível que pareça, levava discos do Pink Floyd. Eu nunca levei nada porque meu gosto musical estava mudando naquela época, e eu acho que eu não gostava de nada daquilo. Eu perdi as contas de recreios com música. Mas lembro de tocar Scorpions com aquele sucessão do “Still Loving You”. Eu achava aquilo a barbárie em termos de música. Gostava de rock mas com moderação. Em 85 eu não tinha walkman e não ouvia FM. Essas músicas tocavam por aí mas eu não ouvia. 

Só quando comecei a colecionar discos, ali por 1987, que eu comecei mesmo a prestar atenção em música para valer, como algo que tivesse a ver comigo. Até porque o walkman japonês que eu tinha um som ótimo e gravava bem. Eu tinha uma tomada então vivia ouvindo ele. Ali foi o começo do telefona para o pessoal da rádio tal e pede tal música e, depois, aquela grande epifania quando você se apaixona por um determinado artista ou banda. É como gostar de futebol. Em geral, as pessoas gostam de futebol a partir de uma identidade particular. Enquanto a gente ouve por ouvir, não consegue diferenciar eus e outros na música, tudo parece igual. Quando a gente vira fã, aí veste literalmente a camiseta, o som que você gosta é tudo e o que os outros gostam é ruim ou quadrado. É a partir daí que a gente começa a desenvolver teses, e estabelecer fronteiras de gostos, enfim, nós construímos toda uma identidade a partir desse reconhecimento. Enfim, o Jon Savage saberia explicar isso melhor para você do que eu nessas memórias num velho computador, como diria o Ritchie.

O que eu ia dizer e esqueci e lembrei agora era que, lá por 85, teve a famosa febre o RPM. E era incrível porque nós, garotos, odiávamos eles, por qualquer razão; mas a maior delas era que, sempre que tocava RPM no intervalo das Dores, a meninas urravam, era tipo uma beatlemania. Era só tocar RPM que era uma gritaria geral. Eu ouvia por tabela todo aquele movimento de rock nacional desde o começo mas só fui gostar mesmo quando os Paralamas lançaram o Selvagem. Era uma as poucas coisas que eu curtia naquele mar de sucessos espontâneos que apareciam o tempo todo na tevê e no rádio. Era uma coisa difícil de explicar hoje que música como audição se transformou numa coisa quase que totalmente on demand: todo mundo escutando de fonezinhos. Naquela época, shows de bandas de rock atraíam milhares de pessoas, shows com divulgação de FMs e que lotavam ginásios e mobilizavam tanta gente que gostava de coisas e bandas, cenas comuns. Não quero ser saudosista, não existe forma de voltar ao passado mas, naquele tempo, não sei se éramos felizes e não sabíamos, como diz a frase, mas a vida era eterna.

Bom, eu lembro que quando veio aquela onda eurodance, tipo Fancy, OMD, eu não podia acreditar que aquele pessoal não tocasse um violão, era tudo eletrônico, bateria eletrônica. Era um suplício ouvir OMD e coisas do tipo. Pra mim, aquilo não era música. E isso que, naquele tempo, do auge desse tipo de música, eu ainda não era roqueiro fanático. Na verdade, ao contrário que pareça, nunca fui e do  muito pouco que eu sei, se eu pareço ser, a farsa sou eu. Na verdade, eu gosto mesmo é de música clássica. Nesse caso, eu abro uma exceção à minha chatice.

Mas o engraçado dessas lembranças, voltando ao começo, é que eu acabo confrontando meu gosto musical daquele tempo, que era algo quase nulo com hoje, e tenho que discordar de mim. Acho que, em primeiro lugar, eu era um chato porque não gostava de nada, então não havia forma de me enturmar. Em segundo lugar, quando eu comecei a gostar de um determinado artista – descontando ritchies e Michael jacksons que foram chuvas de verão – mas quando a gente começa a gostar de música e virar fã, vira chato, chato demais. 

Não tem nada mais chato que estar naquela fase do que eu gosto é bom e o resto não existe. Enim, tem gente que morre pensando assim. Mas eu, de certa forma, tenho vergonha daquele chato que eu era. Mas é da vida, a gente nunca vai ter o discernimento eo pensamento aberto e estar aberto para ouvir outras coisas, descobrir que vai se apaionar por outras coisas enquanto estivermos por aí vivendo, e essas mudanças são tão incríveis numa duração que é a longa duração da vida que lembranças imemoriais como essas parece que falam de outra pessoa. É engraçado porque parece que os anos 80 musicalmente fizeram de tudo para esquecer a década anterior. Depois, nos 90, era como se todos nós estivéssemos com desejo de expurgar lembranças dos anos 80, de lembrar que éramos fãs do Menudo e arredores. Os anos 80 era aquela coisa totalmente camp, como os Titãs no Chacrinha. Porém, os anos 90 foram tão heterogêneos e os 2000 foram tão vazios para nós que fomos daquela geração de parada de sucessos, de walkman, de música no recreio e outros alhures e é inevitável olharmos com olhos dardejantes de saudade daquela caixinha de música maluca dos anos 80. Eu já anistiei os anos 80, e espero que eles me anistiem também. E o OMD também.