Monday, July 22, 2019

Mr. Bossa Nova





Segundo disco de Lannie Dale, de 1965


Lennie Dale estava moribundo numa cama de hospital do Coler Hospital em Nova Iorque. Mesmo assim teve forças para um último desejo. "Pediu uma fita com canções de João Gilberto para ouvir no walkman: "Música americana me dá dor de cabeça", disse a jornalista Mariana Moraes. Dale, aliás, Leonard Laponzina, de 57 anos, morreria dias depois em 9 de agosto de 1992 em decorrência da AIDS. Ele estava internado há pelo menos dois anos, quando teve que deixar o Brasil para o tratamento da doença.

Quase esquecido na história da música do show-biz e da música brasileira, Lennie foi lembrado no livro Chega de Saudade, de Ruy Castro. À convite de Carlos Machado, ele veio ao país como coreógrafo. Em pouco tempo, sua história se confundiria com a bossa nova. No Beco das Garrafas, mais precisamente no Bottle's, ele seria o tutor das carreiras de Wilson Simonal e Elis Regina no palco. Ensinava-lhes algo que não existia por aqui: ensaio. Antes dele, os artistas do Beco se apresentavam frios, sem qualquer preparação ou concepção de presença de palco. Dale seria a pessoa que lhes mostraria como podiam literalmente crescer diante da platéia, mesmo que fosse a do Bottle's, que era liliputiano com seus 15 metros quadrados: uma pessoa de pé era uma mesa a menos no recinto. Esse era o espírito dos botecos da Duvivier, uma travessa de Copacabana que ganhou esse nome (dado por Sérgio Porto) porque os moradores dos prédios costumavam jogar coisas pela janela a fim de afugentar em vão a balbúrdia das pessoas da calçada, nas madrugadas.

Carlos Machado, o rei da noite, e que havia até destronado o Barão Stukart se seu posto no Vogue quando criou o Sacha's, achou Dale em Roma numa festa de lançamento do filme Cleópatra, com Liz Taylor em 1963. Lennie era justamente o responsável pela coreografia no épico de Joseph L. Mankiewicz. Foi quando o empresário o convenceu a deixar a produção e ir para o Brasil. No Rio, Machado o colocou como coreógrafo em suas produções, mais precisamente o show Elas atacam pelo Telefone, no Fred's. Lennie enquadrou as vedetes, que sobreviveram ao regime espartano de ensaios.

Ruy Castro (1990) diz que Dale transformou o Beco na 'Broadway de tanga' se comparado ao estado da arte do que eram os shows no local até então: tudo muito pobre, sem ensaios, enfim, até artistas com quase uma década de carreira, como Sylvinha Telles, apresentava-se na base do improviso. O gringo então pegava qualquer um e o ensaiava passo a passo, como se fossem um bando de principiantes. Tudo, absolutamente tudo era ensaiado. Era algo tão profissional que muitos não conseguiam compreender o que um cidadão com cacife para vencer em Nova Iorque estava fazendo como uma espécie de Bob Fosse do baixo café-society do Rio.

Além de ensaiar Elis, que não tardaria a voar como uma hélice nos palcos paulistanos e amealhar um festival, o da Excelsior, em 1965, com "Arrastão", de Edu Lobo - praticamente tornando-se um anátema como forma de apresentar-se nos palcos dos festivais, girando, abrindo os braços e puxando tarrafas imaginárias (Elis dizia que a coreografia era criação dele e ele dizia que era dela) , Lennie Dale, já plenamente integrado ao cenário musical, tentou inventar uma dança para aquelela bossa nova sessentista, então cada vez mais jazzística e dominada por conjuntos como o Tamba, o Zimbo Trio, o Sambalanço e tantos outros.

A dança não pegou. Porém, seu criador foi veículo para que ele mesmo se tornasse um espetáculo. Além de coreógrafo, Dale estreava pockets no mesmo Bottle's, de Alberico Campana. O prato principal de seu show era seu número de "O Pato", canção popularizada por João Gilberto em seu segundo disco, O amor, o sorriso e a flor, de 1960. Lennie entrava em cena com um pato dentro de uma taça gigante (na verdade, o pato era um filhote e a taça uma fruteira). O espetáculo se tornaria um sucesso, até que o pato ficou grande demais para a taça, e ser substituído por outro pato, já devidamente coreorafado (os patos também ensaiavam).

Ruy Castro anota que, com exceção de Elis (as as dançarinas do conjunto de Sergio Mendes, depois o Brazil 66) Lennie acabou se notabilizando mais como artista do que como coreógrafo. Ele naturalmente já havia decorado todo o songbook da bossa nova, de "Corcovado" de Tom Jobim até "Samba de Mudar", de Geraldo Vandré. Como um show-man, ele devia saber e fazer de tudo debaixo dos holofotes. E Dale era um aspirante a cantor como as enxurradas de novos sinatras que apareciam   na indústria musical americana nos anos 1950. E, além dos clássicos da bossa nova, ele sabia estoques de standards do Great American Songbook, como "The Lady is a Tramp" ou "Old Black Magic".

Lennie não era cantor para valer. Mesmo assim, acabou gravando quatro álbuns pela antiga gravadora Elenco, de Aloísio de Oliveira: Um Show de Bossa (1964), Lennie Dale e o Sambalanço Trio-Gravado no Zum Zum (1965) e A 3a Dimensão de Lennie Dale (1967). Os discos foram lançados nos anos 60. No entanto, aocontrário do que aconteceu com os lançamentos mais 'memoráveis' de Elenco (como o Baden Powell à Vontade ou o Vinícius e Caymmi no Zum Zum), esses discos não foram relançados nem quando a Companhia Brasileira de Discos (depois Phonogram e depois Polygram) esses álbuns do Lennie Dale ficaram de catálogo por décadas, até serem redescobertos na era do mp3, quando todos foram digitalizados por colecionadores (como o Loronix, nos anos 2000) e posteriormente apareceram em páginas de streaming ou o Youtube.

Os três álbuns, como era feito à moda da Elenco, era uma versão recriada em estúdio de shows ao vivo, como o com o Sambalanço Trio (no Zum Zum) em parcerias de Aloísio com Flávio Ramos, que comprou o Ao Bon Gourmet de José Fernandes (idealizado pelo Barão Stuckart depois do trágico incêndio do Vogue) na rua Nossa Senhora de Copacabana quase esquina com o Beco das Garrafas), quando a onda das boates em Copacabana já vivia uma fase de lenta decadência, embora renovada com o relativo sucesso da bossa nova.

Gravados primeiro com o Bossa  (Luís Carlos Vinhas (piano), Tião Neto (contrabaixo) e Edison Machado (bateria) e depois com o Sambalanço de César Camargo Mariano, Humberto Claiber e Airto Moreira, são um testemunho do que eram aqueles shows capitaneados por Dalle, completamente à vontade em pout-pourris incríveis. Além disso, também mostram, pelo estilo peculiar de Lennie ao interpretar, que ele de fato foi uma escola para Elis, Simonal, Leny Andrade e tantos outros.

No Um Show de Bossa (versão ao vivo de estúdio do show do Ao Bon Gourmet) , destaque para o medley com "Perdido", do Duke, "Day-In, Day-Out", do Johnny Mercer e "Samba de uma nota Só" e uma versão com letra alternativa em inglês de "Corcovado". Dale e Sambalanço Trio repete a fórmula, porém o show foi apresentado no Zum-Zum (na Barata Ribeiro 184, na frente da Duvivier e ao lado do balança onde morava Dolores Duran). Destaque para "O Pato", "Menino das Laranjas" (que Elis estourou em São Paulo pouco antes do Fino da Bossa) e uma versão sensacional de "Reza" do Edu Lobo - para mim, a melhor versão do clássico do autor de "Canção do Amanhecer". Por fim o A 3ª dimensão de Lennie Dale com Trio 3-D (1966), com "Strangers In the Night", um delicioso cover de "Canto de Ossanha" e outro melhor ainda de "Upa, Neguinho", essas duas últimas também sucessos com sua aluna ilustre, Elis. Dale naturalmente não era cantor como ela, mas seu diálogo com o bopping dos trios e seu senso de divisão e de ritmo são tão perfeitos que você ouve os discos como se tivesse assistindo ao show. Além do mais, a própria cantora já estava difundindo esse tipo de hard bossa numa fase em que São Paulo carregava a criança da bossa nova no colo e a difundia pela tevê.

Deixo uma provinha do Lennie para vocês:



REFERÊNCIAS:

CASTRO, Ruy. Chega de Saudade. A História e as histórias da Bossa Nova. Companhia das Letras, São Paulo, 1990.

Tuesday, July 09, 2019

O Primeiro disk-jockey

Martin Block, o pai dos DJ




É comum relacionar o trabalho do disk-jockey a um apresentador de segmento musical jovem — mais precisamente associá-lo a partir do nascimento de um gênero específico, o rock’n roll. No entanto nem a expressão DJ nasceu com o rock e muito menos os programas de música gravada surgiram nessa época. É importante destacar, nesse caso, aquele que foi o primeiro disk-jockey da história, Martin Block.


Martin Block começou a carreira no rádio como office-boy na General Eletric. No começo dos anos 30, ele se muda para Nova Iorque. Lá, ele consegue um emprego como locutor, enquanto trabalhava como radioamador em Nova Jersey. Em 1934, encontramos Block como apresentador na WNEW. Enquanto apresentava um programa durante a transmissão do julgamento do assassino de Charles Lindbergh Jr, Block colocava música nos espaços vazios entre os boletins. 

A ideia de fazer um programa com discos viria logo depois, com o Make Believe Ballroom. Como sugere o título, o programa consistia em imitar algo que era comum no rádio norte-americano nos anos 30: transmissões de big bands ao vivo. Com uso de sonoplastia, Block criava a ilusão de uma transmissão de um baile com os maiores sucessos de swing da época. Para isso, ele mesmo precisou arranjar os discos: a WNEW não dispunha de uma discoteca. O tema de abertura do Make Believe era “Sugar Blues”, mega-sucesso de Clyde McCoy, de 1931. 

Contudo, o departamento comercial da emissora advertiu a Martin que ninguém se interessaria em patrocinar um programa de música gravada, ainda mais imitando um baile ao vivo (Chacrinha teria a mesma ideia original com a Boate do Chacrinha, na rádio Tamoio, nos anos 50). Ele mesmo correu atrás de um anunciante, uma empresa que fabricava pílulas para emagrecer. Em uma semana de programa, o retorno foi positivo o suficiente para deixar os executivos  da WNEW perplexos. Block também inovava ao adotar um estilo peculiar de ler os reclames. Ao invés de apregoar aos brados, como era comum na época, ele lia o texto com voz sóbria, como se estivesse conversando com o ouvinte. 

Anos depois, o Make Believe Ballroom já tinha uma espécie de bolsa de anunciantes do programa que, a essa altura, em 1941, já havia consolidado o formato, e transmitido para todo o país. Nessa fase, o Make Believe já apresentava atrações ao vivo, de Tommy Doorsey a Count Basie. Na divisão do jazz, aos sábados, Martin criou o "Saturday Night in Harlem", apenas com as estrelas do bairro de Manhattan: Cab Calloway e Duke Ellington, entre outros. Durante a Segunda Guerra, quando o sindicato dos músicos promoveu uma paralisação e o mercado fonográfico retraiu-se em decorrência dos esforços de guerra, Block sustentava o Balroom através de discos que ele recebia da Inglaterra. 

Joe Franklin, considerado o criador do talk show, começou sua carreira nos anos 40 como discotecário na WNEW, co-produzindo o Ballroom com Block. Ainda jovem, aos vinte e dois anos, ele era uma espécie de “assessor de assuntos aleatórios”. Posteriormente, Joe seguiria uma carreira no rádio e na televisão, que se estenderia por décadas. Nos anos 50, o Make Believe possuía duas edições: uma no fim da manhã e outra, no cair da tarde. Ao mesmo tempo, produzia uma edição especial que era transmitida para todo o mundo através da Voz da América. No auge do Ballroom, os grandes nomes do jazz desfilavam pela então 1130 AM, “where the music lingers on”: Dianah Shure, Glenn Miller, Artie Shaw, Rosemary Clooney, Pattie Page, Bing Crosby, Tony Bennett no começo da carreira.

Além do Ballroom, nesta fase Martin Block apresentava também o Columbia Record Shop, retransmitia o programa da WNEW na costa oeste pela KFWB, produzia filmes curta-metragens para a MGM e ainda estrelava outro, o Block Party. Como era prática comum com relação à disck-jockeys (Alan Freed também não seria o pioneiro), muito antes do escândalo da payola, ele possuía editoras musicais — a Martin Block Music and Embee Music, assinava parcerias em canções de sucesso, entre elas o tema do Balroom, creditada junto com Glenn Miller.

Em 1955, Block foi para a ABC Radio, depois WABC, apresentar o Martin Block Show, onde fazia a parada de sucessos, já fa fase do rock, anunciando Fats Domino ou Elvis Presley. Enquanto William B. Williams tomava seu posto no programa da WNEW, transformando o Ballroom na resistência dos grandes cantores e compositores norte-americanos do Tim Pan Alley e arredores, de Lena Horne a Frank Sinatra, quando este havia reencontrado o sucesso ao assinar com a Capitol. Nessa fase, Sinatra e o Ballroom cerravam fileiras em torno de um culto pelo swing e a canção americana. 

No entanto, quanto Block não via restrições com relação a tocar rock, Williams politicamente se colocou contra o gênero. Mesmo assim, quando a própria WNEW percebeu que o rock era algo incontornável, mesmo a contragosto, o DJ foi obrigado a mudar sua posição. Já no final dos anos 70, a emissora retornaria ao formato adulto contemporâneo, revivendo o Ballroom (nos anos 80, com Steve Allen no microfone), pouco antes de tornar-se definitivamente all news. Martin Block morreu em setembro de 1967.



Referências:

HINCKLEY, David. Future of the radio: Martin Block makes Believe. New York Daily News, 17 mar 2004.