Capa da edição brasileira |
Um
jovem jornalista hamburguense obcecado por uma canção vai para o Rio de Janeiro
em busca do seu ídolo: essa é a história de Ho-ba-la-lá: à procura de João
Gilberto.
Confesso
que desconhecia o livro, lançado em 2011. O fato do autor, Marc Fischer, ter
morrido pouco antes da sua publicação aumentou mais o mistério de sua leitura,
ainda mais pelo fato de que João também partiu, em julho deste ano.
O
enredo tem uma estrutura tão original quanto batido: a citação de Gay Talese,
nos agradecimentos, já mostra a influência do papa do Novo Jornalismo. Ao ler o
livro, é impossível não lembrar da antológica reportagem da Esquire, “Frank
Sinatra está gripado”, de 1966. Também vê-se ecos do jornalismo gonzo do Hunter
Thompson de “Medo e delírio em Las Vegas”, até pela parceria meio maluca do
protagonista, um repórter metido a Sherlock com um parceiro, uma amudante à
guisa de Watson, e que faz toda a assessoria a Fischer, com sua quase
intransponível barreira do alemão.
O diálogo
com Talese está cifrado no fato de que, da mesma forma que na matéria sobre
Sinatra, o repórter está imbuído de uma singular missão: tentar travar contato
com um artista avesso à imprensa e à jornalistas. Aliás, avesso a todos. Seu círculo
de contatos pode ser contado nos dedos. Nem pessoas que mantém contato amiúde com João Gilberto – o porteiro do edifício
da Carlos Góis, no Leblon, e o cozinheiro responsável pelo repasto diário do
compositor-cantor – conseguem falar com
ele.
Como
acontece com Talese, ao perceber que o contato com a fonte principal é improvável,
ele procura por pessoas que mantiveram contato com o criador da Bossa Nova nos últimos
sessenta anos: Roberto Menescal, Marcos Valle, João Donato, Miúcha,
Joyce, Claudia Faissol, Lulu, Ruy Castro, Nelson Motta, Jorge Cravo, Miele,
Anselmo, Otávio Terceiro, Garrincha, Toshimitsu Aono (quem lhe introduz a música de Jreconstrói a trajetória de João em flashbacks.
Depois de
esquadrinhar o Rio de Janeiro, Marc Fischer resolve ir à Diamantina, onde o
autor de “Bim-bom” viveu por um período sabático, na casa da família de sua irmã, e que, na concepção do repórter,
aquele foi o momento em que João Gilberto teve uma epifania final: aprendeu a
lidar com sua angústia e a usar a música a seu favor, para o seu grande retorno
ao Rio, para finalmente vencer como artista.
A
sensação curiosa em ler Ho-ba-la-lá: à procura de João Gilberto é a de como se
Fischer, depois de ler o clássico “Chega de Saudade – A história e as histórias
da Bossa Nova”, de Ruy Castro, ele resolvesse, vinte anos depois, retomar os
passos do autor, e tanto repassar aqueles episódios capitais na história de João
quanto reatualizar a trajetória do violonista. Porém, se em alguns pontos ele
parece retomar bem essa trajetória, em outros, a despeito de ter conhecimento
do conteúdo do livro de Ruy, ele acaba incorrendo em pequenos deslizes.
Por
exemplo, trocar o nome de Haroldo Barbosa ao citar “Prá que discutir com madame”,
aparentar desconhecer fatos notórios ao perguntar à sua assistente, por
exemplo, em é Miéle (claro que é possível entender que ele deve fazer isso como
licença poética para explicar ao leitor de seu livro informações que este pode
desconhecer) ou, pior, repetir o mesmo mito (já desbaratado e esclarecido por
Ruy Castro) de que Tom e Vinícius tivessem se conhecido no Vilarino por intermédio
de Lúcio Rangel e que Jobim, na ocasião, tivesse perguntado por “um dinheirinho”.
Talese
está nas páginas do livro justamente por conta desse expediente de, ao não ter
acesso à João, ele constrói o perfil de seu ídolo. E Thompson também assombra Ho-ba-la-lá:
à procura de João Gilberto porque, em sua busca, Marc Fischer interpreta ele
mesmo, em meio a digressões e bebedeiras, entrevistas inusitadas e experiências
em pontos históricos da história da Bossa Nova. Em sua demanda, Fischer parece
que vai ao Brasil empreender a missão de sua vida: travar contato com João ou,
ao menos, ouvi-lo cantar.
Ao
mesmo tempo, ele ouve tantas histórias que fica em dúvida daquilo que pode ser
verdade e o que pode ser lenda em torno de João. Por exemplo, descobre que ele é
uma pessoa envolvente, e que é capaz de sugar a virtude das pessoas que vivem
ao seu redor, como se fosse um...vampiro. Essa imagem vampiresca e esse círculo
impenetrável em parte provocado por João, que por décadas viveu recluso, lhe
passam uma imagem sombria de João e que transcende qualquer perfil que tenha
sido escrita a respeito dele até então. Ou que, ao contrário que Ruy Castro afirma
em seu livro, o violonista continuava um usuário de maconha.
Depois
de muitas peripécias, e contato com duas ex-mulheres de Gilberto, Cláudia
Faissol e Miúcha, Fischer começa a entender que a barreira que o separa de João
é intransponível. Cláudia lhe mostra fotos recentes de João: é o máximo que ele
pode chegar dele. Num lance desesperado, já no fim da sua viagem ao Brasil, ele
manda um regalo ao seu ídolo numa frasqueira e deixa seu número de telefone num
papel. É quando, numa madrugada, ele recebe uma ligação; alguém canta “Ho-ba-la-lá”.
Fischer não sabe se é trote ou era o próprio João na linha. Então o livro acaba, abruptamente.
Fischer
retorna à Alemanha naquele mesmo fim de 2010. Logo depois concluir a redação do
livro, ele comete suicídio. Sua morte aumenta ainda mais o mistério em torno do
livro. Ano passado, o cineasta Georges Gachot lançou um filme baseado no livro
póstumo de Fischer, “Onde está você, João Gilberto?”.
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