Capa do A Christmas Giftfor You (1963), disco coletivo produzido por Phil Spector, clássico do gênero natalino |
Para fins desse blog, aproveitando o ensejo das
festas de fim de ano, das quais infelizmente não faço parte, pensei em
alinhavar uma brevíssima pesquisa sobre as origens e a história das músicas de
Natal. Então, à guisa de periodização, pensei em separar essa apresentação em
partes: 1) Idade Média; 2) Dos primórdios
da imprensa (1450) até o século 19; 3) do século XX, com a indústria da música
e do disco, até hoje.
Eu então começaria dizendo que parece óbvio dizer que
o começo está na difusão do cristianismo na Europa. O Cristianismo, na Idade Média,
de certa forma, iria mostrar às pessoas em geral uma espécie de mundo interior
que ele ainda não havia conhecido. Esse movimento para dentro de si fez com que
eles olhassem as coisas de forma diversa de como olhavam antes. A arte musical
iria, dessa forma, permitir esse movimento e, ao mesmo tempo, fazer com que
eles exteriorizassem sentimentos de integração social através da religião.
Pode-se dizer que em momentos especiais do ano litúrgico, como no caso do
período adventício, essas práticas se exacerbavam.
Então eu chegaria até o Século IV: tradicionalmente
atribui-se a Ambrósio de Milão a promoção do canto antifonal, um estilo no qual
um lado do coro responde de forma alternada ao canto do outro, e também a
composição do Veni redemptor gentium,
uma antífona que poderíamos chamar de um dos, se não o primeiro hino natalino.
É importante ressaltar que, nesse momento, essa
produção estava nas mãos da Igreja. E a Igreja possuía uma divisão do tempo
chamada “horas canônicas”.
Desta forma, havia um ofício específico que devia
ser observado pelos clérigos durante o dia, onde em cada respectiva parte fixa
do dia são realizadas tarefas específicas, como orações, leituras, etc. Assim
como existiam as horas canônicas,eles mudavam em parte em determinados períodos
do ano. Naquele tempo (séculos 4 a 7 depois de Cristo) e depois, a parte ‘natalícia’
compreendia o tempo adventício, do dia 1º de dezembro até a véspera de Natal.
Muito do simbolismo do Natal, e que pode-se ver até hoje, é tributário do
simbolismo da comemoração do advento: as bolas vermelhas dos arranos, as quatro velas, a
coroa de louros (que foi depois plasmada em outros símbolos, como a guirlanda).
A música, por sua vez, celebrava as figuras do advento: Isaías, o profeta;
José, João Batista e São Estevão, cujo dia é 26 de dezembro. O Sederunt Princeps, por exemplo, cântico
a quatro vozes (que é citado por Umberto Eco em O Nome da Rosa), composto por
Perotin lá por 1200, em Paris (quando ele era associado à chamada Escola (musical)
de Notre Dame (que foi redescoberta recentemente por músicos minimalistas dos
anos 1970) que, naquele tempo, estava em construção) pode ser considerado um
tipo de música adventícia (na verdade, pós), mas associada ao período
natalício, ou seja, uma “proto” música
de Natal.
Contudo, essas antífonas e motetos eram compostos a
partir de textos em latim. Atribui-se a Francisco de Assis, já no século
13, a popularização de cânticos natalino
em vernáculo, justamente num período em que a própria poesia (primeiro os
occitanos, depois Dante e Petrarca) começava a ser produzida em linguagem
vernacular. Este pode ser considerado a virada, quando cantigas de Natal passam
a serem difundidas entre o povo, na Europa da segunda metade da Idade Média (a baixa Idade Média).
Nessa pesquisa, eu não poderia esquecer, por
exemplo, de um abade inglês, chamado John Awdlay, do século 15. Nessa época,
ele compila várias cantigas de Natal num códice (uma coleção de canções sob o
mesmo tema) composto de 25 cânticos de
Natal, e que originalmente entoados por vassalos pelas ruas e casas de aldeões,
mais ou menos como nós vemos hoje, ainda
aqui, no interior ou no litoral, com os ternos de Reis.
Seria importante anotar também que, nos séculos
seguintes, esses cânticos tornam-se cada vez mais populares. Com o surgimento
da impressão (desde a partir dos principais centros, como Veneza, Paris e Nuremberg),
esses cânticos se difundem pela Europa continental.
No século 17, a Revolução Puritana bane os festejos
de Natal. Porém, após esse interregno, anos depois, na Era Vitoriana assiste-se
a um novo interesse a respeito de cânticos de Natal. Nessa época surge uma nova
leva de canções temáticas, como "Silent Night", "O Little Town
of Bethlehem", ou "O Holy Night". Esses novas canções aqui já passam
a tematizar, pela primeira vez, a figura de São Nicolau, ou Papai Noel.
Deve-se também salientar que, nessa época, ocorre a
difusão de livros contendo cânticos de Natal. Igrejas da Inglaterra, Europa e
de outros países passam a adotar cada vez mais esses cânticos. Ao mesmo tempo,
surgem canções que fogem à relação estritamente direta com temas do Natal
religioso.
Essas cantigas têm um estilo mais secular, e estão
cifradas mais dentro do universo familiar e nacional de cada país, ou seja,
ocorre, a partir da segunda metade do século 19 uma progressiva secularização
dos cânticos de Natal.
No campo da música clássica, mesmo com a diminuição
da influência da Igreja nessa produção musical, muitos compositores dedicam-se
á temática natalina. Como exemplo, podemos citar o Oratório de Natal, de Bach
(BWV 248), Virga Jesse Floruit, de Bruckner, L'enfance du Christ (1853–54) de
Hector Berlioz, o Oratorio de Noël (1858), de Camille Saint-Saëns e o balé
Quebra-Nozes (1892) de Pyotr Tchaikovsky.
No terreno popular, cabe acrescentar à uma possível pesquisa
que, entre os séculos 19 e 20, surgem centenas de cantigas que tematizam o
Natal, como "The First Noel", "Go Tell It onthe Mountain",
esta originalmente um negro spiritual, "O Christmas Tree" (O
Tannenbaum) e "Jingle Bells". A partir de então, surgem músicas de
Natal com autoria definida além de pesquisadores de antigos cânticos medievais,
como Ralph Vaughan Williams (1872–1958), que passam a divulgar aquelas canções
em livros e com partituras. Essas canções já eram publicadas desde o século XV.
Porém, com a popularização da imprensa, a partir da segunda metade do século
19, livros como Christmas Carols, New and Old (Bramley and Stainer, 1871)
desempenham um papel capital na difusão das músicas do passado e a consolidação
da prática do cântico (caroling). Esses livros, impressos de alcance popular,
de forma a estabelecer (e abastecer) o
repertório de corais e de igrejas em todo o mundo. Essas publicações continuam
sendo impressos e divulgados hoje.
Com o surgimento de editoras musicais, como ocorre
nos Estados Unidos, entre o fim do século 19 e o 20, a partir do Tim Pan Alley,
a ascensão de compositores especializados e associados à essas editoras, além
da massificação dos espetáculos da Broadway e a popularização da fonografia, a
canção de Natal entra numa nova fase.
Temas como "Santa Claus Is Coming to
Town" (Fred Coots e Haven Gillespie, de 1934) ou “White Christmas” (Irving
Berlin, 1941, que vendeu mais de 50 milhões de cópias do single na voz de Bing
Crosby), com o advento da indústria cultural, tornam-se sucessos massivos,
vendendo magotes de discos, tanto nos Estados Unidos quanto em todo o mundo, e
rapidamente ganham várias e diversas interpretações, também em gêneros
diversos. Os próprios gêneros, de forma cada vez mais segmentada, passam a
desenvolver canções natalinas: um exemplo é como o rock se apropriou da
temática, com sucessos como"Let It Snow! Let It Snow! Let It Snow!”,
"Winter Wonderland," ou "Sleigh Ride". Já com o
desenvolvimento do long-play, a partir dos anos 1950, artistas dos mais
variados estilos passam a gravar essas canções.
Com o novo formato do disco, o
álbum conceitual natalino torna-se uma espécie de tradição: todo grande
intérprete ou grupo grava, pelo menos em algum momento de sua carreira, um
disco temático de Natal, que viram uma febre: Freddy Quinn, Júlio Iglesias,
Frank Sinatra, Elvis Presley, Johnny Cash, Bob Dylan e a inesquecível Simone, entre outros.
Importante ressaltar numa pesquisa sobre o tema que,
porém, a maioria das canções hoje populares — e que tocam em comerciais, em
sistemas de som, na televisão e na Internet afora, em geral remontam ao período
relativo entre o século 19 e começos dos anos 1920.
A maior parte delas, de
certa forma, também têm esse desempenho pelo fato de estarem livres de direitos
autorais. Em geral, a maioria delas, somadas aos mais conhecidos cânticos,
perfazem o que poderíamos chamar de o cânone das canções de Natal, e que, a
despeito de serem de origem europeia ou norte-americana, possuem versões para
diversas línguas.
Pois a partir dos anos 1950, a característica das
“novas” canções de Natal mudam, ganhando contornos românticos, usando apenas o
motivo do Natal como ponto de partida. Ao mesmo tempo, dentro dessa
retematização, surgem músicas que exploram características diversas ao estilo
de cântico, apelando ou para o humor, o extremo romantismo ou o absurdo
(novelity songs): canções que falam do cotidiano dos feriados de Natal e de
seus signos, a neve, voltar para casa, troca de presente, esquiar no gelo, o
inverno, Papai Noel chegando pela chaminé, bonecos de neve, a “rena do nariz
vermelho”, a meia pendurada na lareira, etc. Como exemplo, é possível citar "The Little
Drummer Boy" (1941), "Let It Snow! Let It Snow! Let It Snow!"
(1945), “Jingle Bell Rock” (1963), “Blue
Christmas” (1957), “Boas Festas” (Assis Valente, 1933). No
caso brasileiro, o disco de “Boas Festas”, interpretado por Francisco Alves,
também se tornaria um fenômeno de vendas, e isso numa época em que a indústria
do disco sequer começava a ciciar.
Da segunda metade do século passado em diante,
embora cifradas como canções natalinas, a produção do gênero se caracteriza por
estar bem distante do que se convencionou como modelo ou cânone. A temática é,
desta forma, apenas uma licença poética. Exemplos não faltam. "Christmas
(Baby Please Come Home)” com Darlene Love, do famoso A Christmas Gift for You from
Phil Spector, disco que passou batido na época de seu lançamento, mas hoje,
junto com o Christmas Album, do Elvis, são dois casos de álbuns natalinos que
viraram clássicos.
Aliás, um parêntese: quando Elvis lançou esse disco, o autor de "White Christmas", Irving Berlin, como homem da indústria do disco, fez de tudo para que o disco e o cover fossem banidos das rádios. A estratégia, além denão ter logrado êxito, não deixava de ser curiosa: a versão do cantor para a canção de Berlin era muito parecida com a dos Drifters, lançada em 1955. Ou seja, isso mostra que o compositor se moveu mais pelo preconceito do que pelo arranjo, já que a versão dos drifters fez grande sucesso entre as rádios "negras" dos Estados Unidos, quando então não ocorreu nenhuma sanção contra a gravação daquele grupo.
Outros exemplos de canções "modernas": "Pretty Paper", com Willie
Nelson, "My Favorite Things", do musical A Noviça Rebelde, sucesso
com as Supremes (depois recriada por John Coltrane, mas em outra proposta totalmente diversa), a tocante "River" do disco Blue, de Joni Mitchell e "Happy Xmas
(War Is Over), com John Lennon e a Plastic Ono Band, apenas para citar alguns.
Por fim, a pesquisa poderia dar conta de adaptações e ou recriações de canções natalinas. É o caso, por exemplo, de “Go Tell it to the Mountain”, transformada em música de protesto com os Waillers (cantada por Peter Tosh), além da versão de Simon e Garfunkel, do disco Wednsday Morning 3. A.M, e a versão do duo para “Silent Night” (“Silent Night”/7 ‘o Clock News”), esta também como canção de protesto, numa montagem sonora em que a música é cruzada com o áudio de uma resenha jornalística de tevê que fala da Guerra do Vietnã e da morte do comediante Lenny Bruce.
Enfim, para fazer uma pesquisa sobre músicas de Natal, é possível tanto contar uma breve história, pegando esses elementos e outros mais, sendo possível desenvolver mais alguns tópicos quanto, de outra forma, especializar-se em um ou outro tópico, falar dos carols clássicos, ou das canções mais recentes, ou falar das músicas religiosas, ou apenas das profanas, ou do Natal em música clássica. Várias possibilidades de abordagem podem ser feitas a partir daqui.
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