Wednesday, December 14, 2011

Minha Amada Imortal


Júlio de Castilhos


Dia desses, me deparei com um livro que trazia uma coleção de cartas que a esposa do governador do Rio Grande do Sul, Júlio de Castilhos, guardara como lembrança de seu amado esposo.

As cartas restaram como espólio de Dona Honorina, que deixou entre seus pertences após sua trágica morte, em 3 de janeiro de 1905.

Para quem conhece o célebre Patricarca do Rio Grande como um homem rígido e tão relacionado à sua vida política como líder republicano e chefe de estado num dos momentos mais tensos da história do Rio Grande do Sul: a Revolução de 1893. Por conta disso, não deixa de surpreender a forma afetuosa e carinhosa de como ele se dirigia à ela. E mais: a extrema qualidade do texto dele.

"Não avalias, meu idolatrado amor, que devorante saudade tem me consumido desde o dia de nossa separação! À medida que avança o tempo se me comprime mais e mais o meu dilacerado coração! És o meu sol, és minha vida! Por isso, longe de ti, sinto extinto o calor vivificante, julgo-me definhar de íntima melancolia. É assim mesmo, querida! Se eu fosse deixar falar o coração, esta folha de papel seria mais que muito insuficiente para significar vivamente o que vai por ele. Poucos dias nos separam: apesar disso, parece que eles assumem proporções de séculos! Tal é a ansiedade em que me acho por ver-te!"

Castilhos teve dois amores: uma foi a irmã de João Daudt Filho, amor que lhe consumiu cinco anos. A segunda paixão, fulminante, foi uma jovem pelotense, D. Honorina, por quem ele iria se casar.

Cedo ele acabou por influenciá-la por seu estilo persuasivo de intelectual e de homem de letras. Por longo tempo enquanto noivos, estabeleceram uma gigantesca troca de correspondências. Como o Patriarca escrevia pelos cotovelos, quase não admitia respostas lacônicas de sua amada:

"Para reparares a injustiça que me fizeste, sabes o que peçowe Que te tornes rebelde ao teu laconismo, e me escrevas extensamente como eu faço sempre. Aceitas o acordo? Espero. Conta-me a tua vida externa e interna, isto é, o que fazes e o que pensas. Desejo tanto saber os pensamentos que te ocupam o espírito, se são uniformes ou diversos, se se referem a mim ou não! Entretanto, tu te mostras tão rebelde às francas expansões do coração com quem sempre o abre inteiro dos teus olhos, como sempre fez o teu Júlio".

Um dia, Castilhos enviou uma carta à Honoria com uma foto dele. E disse:

"Não notes nem examine muito atentamente essa caricatura fiel, cujos traços são tão medíocres e antiestéticos. Ao contrário, te persuadirás mais uma vez de que não andaste inspirada e abandonaste o critério artístico ao veres em mim a encarnação do teu ideal. Corre ligeiramente os teus incomparáveis olhos sobre essa caricatura mas, por favor! Não a analises! Deixa que continua a viver a tua abençoada ilusão!".

Quando ela lhe enviou a sua foto, ele respondeu:

"Experimentei ontem a confortante satisfação de receber a tua preciosíssima de quarotze,a qual me acompanhou a visita que me fizeste por meio de teu retrato que,se bem melhor que os outros que conheço, revela-me, todavia, a radical impotência da máquina para transmitir a fotografia a intensidade da expressão da tua beleza. Embora imporfeito, tenho sentido um grande gozo íntimo e casta alegria da alma ao contemplá-lo, comovido em repetidas vezes!".

Com o tempo, ele acabou doutrinando D. Honorina também pelo lado intelectual. E a dedicação dela por Castilhos era total. A biografia de amos não toca muito no assunto mas, além disso, pelo que comentam alguns estudiosos da vida do Patriarca, D Honorina tinha depressão.


Ele morreu durante uma cirurgia de câncer de traquéia. De certa forma, há quem afirma que ele morreu pelas próprias mãos, já que Castilhos pereceu numa mesa de operação improvisada dentro de sua casa, assistido por três médicos amigos dele.

Ocorria que, por conta da Constituição castilhista, médicos com formação regular tinham os mesmos direitos e prerrogativas que os leigos de diferentes graus de conhecimento. Não havia exigência de diploma ou de outros documentos comprobatórios de aptidão para o exercício profissional. Ou seja, de acordo com a Carta, até um chofer de praça podia operá-lo.

D. Honorina guardou luto até a morte. Guardou consigo todas as cartas que ele lhe mandara. Lia e relia cada uma delas. Três anos depois da morte de Castilhos, ela cometeu suicídio. Foi encontrada num pequeno aposento no fundo do velho casarão onde hoje fica o Museu Júlio de Castilhos. Ao lado do corpo, familiares encontraram um feixe de papéis avulsos: eram as cartas.


Tiveram sete filhos ao todo e viveram felizes. Para sempre.

Tuesday, December 13, 2011

A Garota do Ipad

Como trabalho não muito longe do Centro, faço o percurso da Cidade Baixa a pé: levo cerca de 25 minutos.
Exceto em dias de chuva - ou em casos em que eu tenho serviço externo, aí eu opto sempre pelo ônibus, a fim de evitar a fadiga. Como condução, eu uso o L. 77 Menino Deus.

É engraçado: sempre pegamos o primeiro carro da linha da manhã, acabamos invariavelmente nos acostumando com a fauna habitual de passageiros. São sempre os sete ou oito gatos pingados que, à pachorra, vêem mutuamente a paisagem passar distraída diante de seus olhos.

Por hábito, sento-me sempre no banco confrontante do ônibus, o que me obriga a viajar de costas e, ao mesmo tempo, observar os passageiros que viajam de frente.

Foi quando ela apareceu. Ás vezes sentava além da porta de saída do ônibus, que fica no meio do carro, e serve também como acesso de cadeirantes. Noto que ela está sempre absorta em leituras: mais precisamente, ela passa a viagem toda lendo alguma coisa num Ipad.

Ela poderia ser apenas mais uma naquela fauna pachorrenta de passageiros que pega a linha precisamente às seis e meia da manhã. Porém, ela tinha algo de especial.

Primeiro: ela é linda. Morena, alta, pele branca, lábios salientes, olhos amendoados, cabelos curtos, quase curtos, quase longos, com mechas pintadas de lilás ou cor similar.

Segundo: ela é assustadoramente igual a uma garota que eu conheci - e por quem me apaixonei perdidamente, tempos atrás. O mais assustador é que qualquer dessemelhança só poderia ser notada se as duas fossem colocadas frente a frente. É como se eu tivesse ela novamente diante dos meus olhos, e ou ela tivesse como que por sortilégio me apagado da sua memória, ou eu fosse uma assombração que soubesse o que ela sente, o que ela sonha, os livros que ela gosta, sua banda de rock preferida, seus afetos, seu jeito de falar, sua voz e seu nome.

Mas eu não sei o seu nome. Depois de tantas viagens involuntariamente juntos, eu tenho a sua imagem eternamente gravada em minha mente. Mas não sei quem ela é, não sei seu nome, não conheço a sua voz, ela sente, o que ela sonha, os livros que ela gosta ou sua banda de rock preferida (a banda eu sei, é o Led Zeppelin, vi pela tatuagem do Zoso na perna direita).

Em um mês, eu estava perdidamente apaixonado por ela. Ou, pelo menos, ela era o tema dos meus pensamentos mais meditabundos nos últimos dias. Sempre que eu me alheava de alguma conversa ou tarefa, eu começava a pensar na garota do Ipad.

Tentava interpretá-la pelos seus gestos. Pelos lugares onde ela senta, sua reação quando lê ou ouve música. De vez em quando, ela olha a paisagem, e volta para a leitura.

Hoje nós podemos achar todo mundo pela Internet afora. Mas sem o nome dela, eu jamais a encontrarei. A não ser que eu a interpele.

É engraçado. Meu trabalho consiste em listar nomes de pessoas e telefones de contato. Mas eu não tenho coragem de pedir o seu nome. Não tenho coragem sequer de puxar conversa. O Ipad seria um motivo para puxar papo. Ou poderia falar que ela se parece muito com uma amiga minha. A despeito de ser verdade, soaria como a mais barata das cantadas.

Minha vida é uma intersecção vazia entre o momento em que a vejo partir, descendo a Borges de Mereiros para pegar um táxi-lotação e a espera do ônibus L. 77 Menino Deus das seis e meia, que vai trazê-la novamente diante dos meus olhos.

A vejo cada vez mais linda. Ela difere de minha amiga (ex-amiga?) apenas pelo jeito de se vestir, quase como uma garota que transa tatuagem, roupas de brim escuro e tênis converse. De resto as duas são iguais. São tâo idênticas que eu fico bobo. Bobo não: eu fico extremamente comovido. Para mim, ela já não é uma garota qualquer. É alguém que o destino pôs diante de mim, é a unica explicação lógica em tanta falta de lógica.

Ambas poderiam ser iguais, mas só quem poderia estabelecer alguma conexão seria eu. Justamente eu. Coube a mim que os deuses me colocassem nessa situação absurda. É como se eu tivesse em paga de um amor não correspondido uma garota igual.

Mas eu não me iludo. Apenas não estava preparado para isso. Sei que eu não sou o tipo dela e mesmo que não seja, tenho sérias dúvidas sobre a minha capacidade de conquistá-la de qualquer maneira, ainda mais sabendo que eu não tnho nenhum contato com a garota do Ipad a não ser por conta das breves vigileaturas de ônibus da Cidade Baixa até o Centro.

Mas a minha paixão é devastadora. É um absurdo alguém da minha idade fulminado por um amor platônico. Até a Bíblia diz que há um tempo para tudo, mas para isso, pelo visto, não há tempo. E eu não sou nem serei o tipo dela. É um castigo pesado demais para meu pobre coração.

Estou muito velho é para paixões platônicas, isso não faz o menor sentido. O que eu realmente deveria fazer era deixar o meu medo de lado e fazer uma loucura. Dizer que eu não consigo esquecê-la, que ela é a garota mais linda que eu já vi, que eu queria abraçá-la e dizer que eu não sei viver longe dela. Eu não consigo mais viver sem você, eu quero você perto de mim, quero pegar em sua mão e sonhar os mesmos sonhos juntos, e passear com você nas nuvens numa tarde ensolarada de primavera e etc.

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Não penso em outra coisa. Meu dia acaba quando eu chego em casa. Abro a janela, olho para o céu e penso na garota do Ipad. A paixão que eu sinto por ela é diferente, tem que ser diferente. Fico numa saudade absurda num misto de ternura, temor, esperança, desconfiança, felicidade e desespero.

Ela talvez desconfie das minhas intenções pela forma como eu a observo como quem na verdade não observa. Não observa observando. E contemplo aquela garota com jeito de menina de bochechas grandes e corpo de mulher, mas com um trajar ligeiramente pueril, como que de estampa. Ela tem uma beleza de estampa.

O tempo pára quando eu a vejo. É como se fosse um encontro marcado completamente fora do espaço e do tempo. O tempo pára e eu só consigo escutar os meus suspiros. Um amor platônico. De repente, parece ser a melhor coisa da vida. De repente, sou raptado por um desses movimentos do coração que me transformam num adolescente porém consciente dessa situação absurda e (talvez) com um entendimento diverso do que é estar nesse estado e numa situação hitchcockiana de ver a mesma mulher pela segunda vez como que ressussitada e (talvez) mais jovem.


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Agora ela está de óculos. A semelhança é cada vez mais impressionante. Só que ela provavelmente notou que eu a observo o tempo todo naqueles míseros 10 minutos que me ligam da parada de casa até o Centro. Mas agora ela senta atrás do carro, cada vez mais loinge, cada vez mais longe de mim. Se eu tinha alguma chance agora ela é remota: só na cara de pau para sentar porto dela e longe de onde eu fico. Que fazer?



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Ela desapareceu. Não pega mais o ônibus. Acho, aliás, tenho certeza que ela estudava, certamente passou de época e não vai mais precisar acordar cedo. Estou desolado. Eu sabia que isso ia acontecer, e aconteceu.

Toda a expectativa desapareceu. Agora o ônibus parece cada vez mais cheio, de familiar só a cara de uma moça que sobe com um senhor de chapéu e sempre em mangas de camisa, na parada da Sofia Veloso.

Quando volto para casa a pé, ou peranbulo pela Cidade Baixa ou Menino Deus, quando passa o 77 eu corro a vista nos ocupantes do ônibus, quase que instintivamente. Inútil. Aquele pequeno momento mágico não se repete. Não é a mesma hora, não são os mesmos passageiros, não é o mesmo motorista, não é a mesma paisagem matinal, não irei mais vê-la, o tempo vai passar e eu nem vou lembrar dela daqui a alguns meses, sei lá, anos.

Claro que não. Vou lembrar dela toda santa vez que eu cruzar com um ônibus 77 ou quando pegá-lo, vou olhar para todo o interior procurando por ela. Aliás, vou esquadrinhar Porto Alegre inteira em busca da garota do Ipad, nem que eu tenha que encher a cidade de outdoors berrantes com um pedido de procura-se em letras garrafais, vou passar o resto da minha vida procurando essa garota, nem que seja apenas para saber o seu nome.


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Se vocês estiverem num ônibus da linha 77 e se depararem com uma moça morena, alta, pele branca, lábios salientes, olhos amendoados, cabelos curtos, quase curtos, quase longos, com mechas pintadas de lilás, usando uma camiseta preta com estampas douradas, um jeans bermuda e com uma tatuagem Zoso na perna direita e lendo distraidamente um Ipad, por favor, não me deixem tão triste.


Avisem-me que ela voltou.

Saturday, November 19, 2011

Canta, Maysa!


A cantora

Em 1973, Maysa havia largado o show business e negava-se a gravar um novo disco. Sequer cogitava em cantar em público.

Nessa época, a cantora de Meu Mundo Caiu foi escolhida para reintegrar o júri do famoso programa Flávio Cavalcanti. Como ela precisava de dinheiro, topava apenas pelo cachê. Ia de Maricá até o Rio especialmente para o show.

Porém, sempre que aparecia na tevê, vinha a pergunta: por que Maysa não canta?

Enfática, ela respondia: “não quero entrar no esquema. Não aceito cantar o que me impõem”.

Flávio resolveu investir na idéia. Com a produção do programa, instigava a audiência a mandar cartas pedindo a volta de Maysa aos palcos. Mais do que isso, conseguia vídeo-tapes de gente famosa que implorava à eterna musa de O Barquinho que voltasse a gravar.

Toda noite, o auditório de Flávio clamava:

- Canta, Maysa!

Ela, contudo, não dava trégua. Cavalcante se empertigava: tirava e punha os óculos. Soltava um “nossos comerciais, por favor!”. Todo mundo achava que era uma jogada orquestrada de ambos, mas tanto ele quando o pessoal da produção garantia que aquilo surgira de repente - e com efeito da própria decisão da cantora em parar de cantar.

Quando o assunto já não parecia ir a parte alguma, Flávio sempre saía com alguma forma de requentar a querela.

Eis que, num programa em que Maysa estava no júri, Cavalcanti anunciou um quadro novo. Nele, os telespectadores eram escolhidos por sorteio e fariam um grande deseja a ser atendido pela produção, no estilo do futuro “porta da Esperança”, do Sílvio Santos.

Apareceram dois candidatos, que não tiveram seus desejos atendidos. Quando o terceiro candidato foi chamado ao palco, apareceu ninguém mais, ninguém menos que Cauby Peixoto!

Flávio corria a vista por detrás de seus óculos de aro grosso e lentes idem, a fim de entende o que estava acontecendo. Será que não havia nada de errado, era isso mesmo? Cauby Peixoto?

Era. Flávio perguntou qual era o grande desejo do cantor de Conceição no quadro A Sua Chance de Pedir.

- Canta Maysa!

E começou a cantar: “se for preciso eu vou botar meu bloco na rua, pedindo prá você cantar...”. O auditório entoava a canção junto com Cauby. Todo mundo se comoveu. Jurados abraçavam a nervosíssima Maysa que, àquela altura dos acontecimentos nem tinha onde se esconder. “Canta, Maysa, o canto que a gente precisa...”.

- Canta agora, Maysa? – desafiava Flávio.

Em soluços, ela meneava a cabeça, dizendo que não.

Flávio então soltou a sua última cartada:

- E se você cantasse uma música que você gostava de cantar quando era menina junto com o Sílvio Caldas, lá na casa dos seus pais?

Deu certo. Ou melhor, não tinha como não dar certo quando o próprio cantor de Chão de Estrelas adentrou o palco do programa Flávio Cavalcanti. A orquestra atacou impiedosamente os primeiros acordes de Barracão.

Sílvio começou a cantar:

Ai, barracão
Pendurado no morro
E pedindo socorro
À cidade a seus pés
Ai, barracão
Tua voz eu escuto
Não te esqueço um minuto
Porque sei
Que tu és
Barracão de zinco


Maysa não agüentou. O golpe foi como de florete, sutil e fatal. Trôpega, com a maquiagem escorrendo em lágrimas pelo rosto, ela saiu de seu reinado de gelo e foi até o palco, com o Caboclinho

Tradição do meu país
Barracão de zinco
Pobretão infeliz...
Ai, barracão
Pendurado no morro
E pedindo socorro
Ai, a cidade
A seus pés
Barracão de zinco
Barracão de zinco.

Menos de um mês depois, Maysa anunciaria sua volta aos palcos.

Enquanto cantava com Sílvio naquele momento, ela nem sonharia que tanto o programa A Sua Chance de Pedir quanto a participação de Cauby ou até mesmo o canto da platéia (que recebera antes do programa a letra da música, em papel) na canção fora tudo idéia do diretor do programa, José Messias, e que o mote dos saraus na casa do seu Alcebíades Monjardim, pai da cantora, fora sugestão de um de seus frequentadores, Brício de Abreu.

Wednesday, October 05, 2011

Friday, September 30, 2011

Edifícios gêmeos de Porto Alegre


O MARGS e os antigos Correios

Uma coisa que eu acho que só eu notei por aqui, em Porto Alegre: certamente que é uma especialidade arquitetônica, mas pelo menos na cidade, eu listei alguns edifícios que são (ou foram) gêmeos e dispostos lado a lado - naturalmente.

O primeiro exemplo, e que a maioria não deve perceber, o prédio confrontante ao edifício Tabajara, na esquina da Borges de Medeiros com a Riachuelo tem a mesma forma do seu gêmeo, principalmente pelo uso de pérgolas no arremate do terraço.

Outro exemplo conhecido são as construções que servem de porta de entrada da Vila do IAPI (no comneço da Brasiliano de Moraes), que já foi assunto de post por aqui.



IAPI

Outro que poucos devem ter notado: quem entra Porto Alegre afora pela Avenida Farrapos, passando a Sertório, vai encontrar o Hotel De Conto, na esquina da João Inácio. O edifício que está ao seu lado - idêntico- dá as boas vindas aos forasteiros que visitam a capital.


E o Theatro São Pedro? Muitos não sabem, mas ele tinha um irmão gêmeo, o antigo Tribunal de Justiça, que era a sua cara. A edificação foi destruída num misterioso incêndio, no começo dos naos 50, dando lugar a outro projeto, concebido pelo então jovem arquiteto Carlos Fayet com o velho Fernando Corona, que existe até os dias de hoje.



São Pedro e o antigo Tribunal de Justiça


Mas o caso mais clássico de edifícios "gêmeos" são os dois projetos da Delegacia Fiscal e dos Correios e Telegrafos, que foram concebidos como construções de entrada de uma Porto Alegre que se modernizava, a partir da década de 10 do século passado.

A idéia original era imaginar a Sepúlveda como a entrada da cidade, a partir da gare do Porto, todos sendo obras rigorosamente integradas.

Por incrível que pareça, o projeto previa a Sepúlveda subindo o morrinho do Centro até a altura da Duque de Caxias, tese maluca que foi deixada de lado, fazendo com que a avenida morresse de inanição na praça Barão do Rio Branco, na esquina da Sete de setembro, hoje pertencente à Praça da Alfândega.

As reformas do Projeto Monumenta na Alfândega, por sinal, têm o objetivo de destacar essa finalidade original da Sepúlveda, destacando a importância dos dois prédios, hoje respectivamente o MARGS e o Memorial do Rio Grande do Sul, na concepção estética do conjunto urbanístico da Porto Alegre de então.

Uma curiosidade é que o prédio do MARGS quase não viu a luz do dia. O projeto foi considerado gigantesco demais para o governo federal da época, até que um gaúcho, Rivadávia Correa, assumiu o ministério da Justiça, e acabou aceitando a planta de Germano Gundlach.

Junto com os Correios, eles representam o esplendor da arquitetura eclética que marcou Porto Alegre entre o começo do Século XX e o começo da Primeira Guerra Mundial.

Wednesday, September 21, 2011

A rua mais bonita do mundo




Foi mal, Gonçalo de Carvalho.

Saturday, September 17, 2011

Porto Alegre e a Revolução de 1835


A antiga ponte do Chico da Azenha

Pouca gente sabe, mas foi ali na esquina da Ipiranga com a Avenida da Azenha que, na madrugada de 20 de setembro de 1835 que se travou o primeiro combate do movimento revolucionário farrapo, na antiga Ponte da Azenha, ou do Chico da Azenha.

A primeira batalha foi comandada pelo intrépido Cabo Rocha que, pegando uma guarnição imperial desprotegida, pôs a trupe em retirada.

No dia seguinte, as tropas de Gomes Jardim e Onofre Pires antravam Porto Alegre adentro. Rodrigues Braga, então presidente provincial, fugiu de barca para Rio Grande, deixando a cidade acéfala.

O novo presidente nomeado pelo Império, José de Araújo Ribeiro, por sua vez, teve que tomar posse de forma clandestina, em Rio Grande. Após um golpe dado na cidade pelo também intrépido oficial Manoel Marques de Souza, então feito cativo pelos farrapos, conseguiu fugir e montar uma milícia disposta a libertar a cidade do jugo farroupilha.

Araújo Ribeiro assim resistiu e, de Rio Grande, mandou cercar Porto Alegre, a retomando em 15 de junho de 1836. A população apoiou o contragolpe imperialista porque, devido ao ambiente de guerra, os recursos rareavam e não havia nada para comer.

A situação piorou depois, já que os farrapos continuavam atocaicados nos arredores de Porto Alegre, que se viu obrigada a viver sob racionamento de alimentos.

A nova presidência, de José Ferreira de Britto, mudou as eleições para a Câmara para quatro em quatro anos. Porém, os membros eram exclusivamente imperialistas, já que os farrapos haviam sido expulsos e mandados para a Côrte.

Nessa época, a Câmara teve que tratar dos promlemas de iluminação na cidade, pois ela ficava totalmente às escuras quando a noite chegava. No entanto, roblemas provocados pelo estado da guerra mantiveram Porto Alegre às escuras até o fim da Revolução.

Foi nessa época que, por motivos de segurança por conta da guerrilha, o Governo criou por decreto,m em 1837, a Força Policial, mais tarde denominada Brigada Militar.

Mas a Revolução afetava a vida da capital indiretamente: uma insurreição de escravos, insuflada pelos ideais farrapos causou grande confusão na cidade. Alguns foram detidos, mas a maior parte fugiu e passou a integrar a cavalaria dos lanceiros.

Em 1839, o grande dilema aqui foi o excesso de leigos exercendo ilegalmente a função de médicos ou boticários, problema que iria perdirar por muito tempo. Também se esperava a tal maioridade de Dom Pedro II: muitos achavam que tal fato seria o fim dos combates no Rio Grande do Sul.

Com a posse do novo Imperador, assumiu nova Câmara em Porto Alegre. Câmrra, essa, que se destacou por sua total indolência: de toda a asembléia, só dois chegaram ao fim do mandato.

Em 1840 começou a ser erguida o Convento do Carmo, que existe até hoje, entre a Lima e Silva (então rua da Olaria) e a José do Patrocínio. Uma rua foi aberta para servir de acesso ao convento carmelita, a Travessa do Carmo, que perdeu a sua função original mas existe até hoje.

No ano seguinte, em novembro, a Câmara recebeu o Decreto n° 103, dando à Porto Alegre o título de "Leal e Valorisa", em memória do feito épico de 1836, quando Manuel Marques de Sousa, depois denominado Conde de Porto Alegre, mandou os farroupilhas embora da capital.

Em 1842, ou seja, quase no fim da guerra, foi construído o primeiro prédio do Mercado Público. A construção original tinha aberturas que permitiam a entrada de carroças para a venda de secos e molhados dentro do próprio prédio. Mais tarde ele seria demolido em favor de outro, bem maior, e construído com quatro torreões, e inaugurado em 1869.

Com a eleição de 1844 para a Câmara, chegava a Porto Alegre o Barão de Caxias para se tornar o presidente da Província, disposto a dar um termo à revolução dos farrapos, cuja inssurreição chegava quase a uma década.

Foi durante a gestão do futuro Duque na capital que vieram a retomada (pelo arquiteto Phillip von Normann) da construção do Theatro São Pedro, a construção da Casa de Correção, na ponta da península do hoje Centro Histórico (onde hoje fica o Aeromóvel), o lançamento da pedra fundamental do Asilo Padre Cacique (antes Asilo Santa Teresa, ou colégio de educação das meninas órfãs, cujo nome original acabou batizando o morro que fica às suas costas), fora o calçamento de ruas, urbanização e calçamento das ruas da cidade.

Caxias também mandou reformar a antiga Igreja da Matriz, que sequer havia sido concluída (só tinha uma das torres sineiras) e já estava em ruínas. Ele também mandou que o cemitério antigo, que ficava atrás da Matriz, por questão de higiene pública, fosse mandado para fora dos portões de Porto Alegre. Para tanto, ajudou na criação da Irmandade de São Miguel e Almas e a da Santa Casa, com o deslocamento dos féretros para as novas catacumbas construídas nos altos da Azenha.

Falando nos portões, o futuro Duque foi quem decidiu ampliar os limites urbanos de Porto Alegre, mandando derrubar os muros que, por muito tempo, protegiam a capital. O portão, por sinal, que ficava onde hoje está a praça Conde de Porto Alegre, também foi posto abaixo.


Antiga Santa Casa, com a fachada original da Capela do Senhor dos Passos.
O prédio maior, ao fundo, é a segunda fase das obras na instituição,
que começou naquela casinha ao lado da capela


O Duque também foi o responsável pela urbanização da Cidade Baixa, com a criação do Caminho da Azenha (depois rua da Redenção e, mais tarde, avenida João Pessoa), República (antes do Imperador) e a Venâncio Aires (antes rua da Imperatriz).

Para ligar o contato com os arrabaldes do sul, o Barão construiu a famosa Ponte de Pedra, num tempo em que o Arroio Dilúvio desaguava na frente do hoje Colégio Pão dos Pobres. O engenheiro que idealizou a pinte, João Batista Soares da Silveira, também ergueu a nova Ponte da Azenha, de pedra, em substituição àquela, do tempo do Cabo Rocha, que era de madeira.

Aliás, à guisa de conclusão, um fato curioso: a rua Freitas e Castro, primeira transversal depois da esquina da Ipiranga, foi batizada, por longos anos, como Cabo Rocha, em homenagem ao comandante do primeiro combate farroupilha, naquela longíngua e profunda noite de 20 de setembro de 1835.

No entanto, com o correr dos anos, depois de criado o nome do logradouro, a ruazinha virou o mais famoso ponto de prostituição de Porto Alegre. Com obras de melhoramentos, a partir do fim dos anos 50, toda aquela população do bas fond foi evacuada do local. E como o nome da rua estava eternamente associado ao "pecado", um decreto municipal tratou de mudar o nome daquela rua, a despeito do fato da homenagem histórica relacionada ao sítio e e atávica importância daquele local.

Saturday, September 10, 2011

Uma Pororoca Linguística


Neal Cassady (ou Cody)

Terminei de ler e recomendo o livro Visons Of Cody, do Jack Kerouac. Quer dizer, recomendo em termos, já que, como se sabe (ou não), esta é uma obra para iniciados ou em literatura beatnik ou para quem (pelo menos) não leu a sua (considerada) (aclamada) (obra-prima), On The Road. Salvo para quem não chegou a ler Kerouac e transa literatura de vanguarda, como o pessoal da área de Letras e Linguística, por exemplo. E, - é claro, para quem pode desembolsar R$ 70 e levar este livrinho (mais de 400 páginas!) para casa.


Tive meu primeiro contato com a literatura beat há bastante tempo, quando li uma versão em fotocópia do On The Road ainda dos tempos da Brasiliense.

Voltei a ler os beats e, principalmente o Jack Kerouac, a partir dos relançamentos da LPM Editores, a partir de 2004. Foi muito interesante retomar aquelas leituras ao mesmo tempo em que era possível travar contato com vários de seus livros que ainda sequer haviam sido lançados aqui no Brasil.

Depois de reler o On The Road, li todos os demais que aqui saíram: os Vagabundos Iluminados, Tristessa, Os Subterrâneos, Tristessa, o Livro dos Sonhos e Big Sur. Não cheguei a ler The Town And The City nem o manuscrito original do já citado On The Road, contudo.

Mas mais contudo ainda é que, pelo que eu pude ver, e mais ainda a partir de Big Sur, mesmo que a cronologia dos lançamentos originais ou os da LPM não tenham relação com a cronologia de vida do próprio Kerouac ao que se refere ao que ele chamaria de a redação maluca da tal Lenda de Douluoz, na verdade, assim como ele os concebeu e como podemos entender, seus livros devem e deveriam ter, respectivamente, a sua luz própria e a sua mensagem inclusa.

O problema é que Jack tinha vários entraves. O primeiro era a publicação de On The Road, livro que foi rejeitado por vários anos até quando ele foi ao prelo pela primeira vez, em 1957. A outra, a concecussão da sua obra como um espelho da vida de Kerouac e uma curva de vida, como se ele quisesse virar uma espécie de, como explica o Eduardo Bueno na abertura do livro saca - um chá com madeleines lisérgico, ou uma Recherche psicodélica.

Mas o que me impressinou mesmo foi que ele me deu a impressão (ou a medida) exata (na VERDADE) do que eu esperava encontrar justamente no On The Road. Ou seja, eu acreditava piamente que o Pé na Estrada era uma incursão muito louca por experimentalismo literário (saca) e ficção de aventura estilo Mark Twain.


O livro

Pelo contrário, achei On The Road um livro diferente do que seus detratores o chamavam na época de seu lançamento (Capote o chamava de 'datilografia'). De fato, para meu conhecimento imberbe, Kerouac era um escritor quase hermético em sua transgressão literária e em jogar no papel toda a loucura de um grupo de estudantes inteligentes o suficiente para terem uma visão poética de uma América que saía da II Grande Guerra e tentava solidificar os seus mitos fundadores e clichês aliados à política e os meios de comunicação de massa.

Kerouac mostrou seu grupo como um bando de bardos inteligentes, uns goliardos modernos vivendo á margem do American Way Of Life e elaborando uma vida hedonista turbinada à base de sexo, drogas e psicanálise, literatura, antropologia e história da arte. Eles eram os falsos caipiras: se vestiam como os oakies, andavam em vagões de carga, roubavam carros e dormiam em sacos de dormir debaixo do sereno do deserto do Oeste e ao som dos uivos dos coiotes mas liam Reich, Joyce porém sem soarem literatos.

Talvez essa seja a grande contribuição original dos beatniks, ou pelo menos do Kerouac: não postulavam uma postura hippie - já que o próprio rótulo beat e depois hippie acabaria transformando a própria transgressão num clichê um tanto batido e mais ainda hoje onde, a rigor, não é preciso ler Kerouac para conhecer um modo de vida que está modernamente instituido na sociedade moderna.


A grande sacada (saca?) é justamente essa visão technicolor daquele mundo real e sem nome. Muito embora isso (e é nessa parte que eu quero chegar) também tenha se instituído modernamente, mas porém num outro lado: no próprio jornalismo literário. Jack Kerouac nunca será taxado (embora amiúde seja) de o precursor do jornalismo literário, embora ele o seja. Não pelo fato de trabalhar o material real de forma literária como se literária fosse, mas por ser um dos primeiros a usar essa capacidade de, com um caderno de anotações, ser um grande observador e um grande recriador de ambientes e de caracterizações de personagens, saca?

E um desses personagens é seu amigo Neal Cassady (1926-1967). Cassady, que é o grande evangelizador de On The Road, a figura que conscientemente ou não acabou aglutinando aquela turma de vagabundos espertos e jogando todos eles nas estradas reais e literárias, por conicidência ou não, foi capaz de inspirar os melhores momentos de Kerouac em livro.

Não é preciso citar o já citado (só aqui umas 16 vezes) On The Road. Kerouac, como bom jornalista que foi (embora sem o saber o quanto), era a pessoa ideal para captar todas as nuances de um sujeito como Cassady (ou Dean Moriarty ou Cody) e ver que Neal tinha material humano suficiente para se torna ro arquétipo de si mesmo, o cowboy do asfalto, o Huckleberry Finn da Era Nuclear.

No On The Road, a ação gira em torno de Cassady. Porém, como se sabe, Jack teve que fazer várias alterações no texto original a ponto que seus editores o julgassem adequado para a publicação. O problema se seguiria depois, quando ele, Jack, se viu refém de seu livro. Seus editores queriam que ele mantivesse a fórmula: e foi o que se seguiu com os lançamentos posteriores - do The Subterraneans em diante.

Visions Of Cody, o elo perdido da Lenda de Duluoz, no entanto, era o mais nobre filho desgarrado. Do jeito que foi concebido, ou por assim dizer, o mais experimental e louca (e original) (& tresloucada) mente possível era impublicável. Vítima da censura dos seus editores, Kerouac tinha que andar na linha, escrever livros vendáveis.

Esse não era o caso de Visions Of Cody, que a rigor era o que (para Kerouac) (ou para mim mesmo) deveria ser On The Road. Nesse aqui, Jack o concebeu dentro da verossemelhança possível de um road-book. Porém, além de sua capacidade descritiva e de caracterizações, ele já é notável, além de sua prosa esponânea como um solo de sax do Charlie Parker doido de benzedrina ou de outras substâncias legais ou ilegais. ESSA era a vitalidade bop de Kerouac.

O verdadeiro Kerouac, portanto, não está num The Subterraneans, mas em Visions Of Cody, ESSE é o livro. O problema reside, justamente, em sua inacessibilidade ao leitor comum. Ou nem tanto, já que eu posso aqui estar fazendo um drama gigantesco, mas o fato é que tantoa concepção (esquetes de imagens joyceanas da vida noturna nova-iorquna quase que num flagrante em câmera contìnua pelos bas-fonds da boemia mal vestida e mal assistida da América profunda, Kerouac brinca com a linguagem; os primeiros capítulos de Visions devem ser lidos mais de uma vez. Aliás, várias vezes. E EM VOZ ALTA.

Falando em Cody, por sinal, o problema dos nomes dos personagens nos livros de Kerouac é outro embarafustamento promovido por seus editores. Como ele tinha que mostrar produçlão nova, tinha que criar novos nomes para velhos conhecidos nossos. Cody e Dean são a mesma pessoa, como Jack e Sal.

De resto, o livro tem um detalhe fundamentalmente curioso. Se em On The Road Jack quis caracterizar Cassady dentro de um contexto, vamos dizer assim, dentro do âmbito da ficção, em Cody Neal é captado em gravação.

Ocorre que Jack sabia que, por mais que se esmerasse com lavor de joalheiro para transpor seu herói para a máquina de escrever, a única forma de captar o transe de Cody seria através da gravação de sua fala, já que nem o próprio Neal tinha talanto suficiente para escrever - e naturalmente se ressentia muito disso. Cody como Moriarty procurou Sal para aprender a escrever enquanto Sal queria escrever sua prosa com o mesmo fluxo de consciência de Cody. nos Visions, podemos ter uma idéia (que naturalmente se perde na degravação e depois na tradução) do que seria a doideira de bater um papo com o mais bitura de todos os beatniks.

O estilo de diálogo (que não é nada lá muito vanguardista, já que Platão já sacava dessa parada) não era a novidade em si, muito embora é possível ver que ela é a matriz do texto bop de Kerouac, tanto na mímese que ele faz desse estilo quando do que ele mais tarde transpôs ao longo de sua obra: pode mos ver ecos desses diálogos na sua peça Geração Beat e esquetes de sua porralouquice narrativa de Cody no Livro dos Sonhos, amalgamando delírio e humor de forma bisonhamente surpreendente. Mesmo que em alguns momentos o texto de Kerouac soe excrescente e por demais excêntrico, ele serve como uma forma peculiaríssima de se fazer um pastiche de estilos literários como os de Proust e Joyce dentro da ficção convencional, numa forma de se subverter o código do comum de uma forma catarticamente criativa.

Mais do que isso, muito da subversão textual que nós vemos hoje, ainda mais quando o coloquial acaba ganhando a queda de braço ao quebrar lanças com o beletrismo e o nível culto de linguagem, é possível observar que o Kerouac mais corrosivo de Visões de Cody (na tradução de Guilherme da Silva Braga para a LPM) já vislumbrava essa pororoca linguística lá no ano em que ele terminou o primeiro esboço do livro, em 1952.

enfim, pata quem não leu Kerouac, recomendo o On The Road. E para quem já leu Kerouac, recomendo Visões de Cody, com todas as forças.

Saturday, August 27, 2011

Feitiço da Vila


O IAPI

Voltei agora do passeio guiado da Prefeitura de Porto Alegre, intitulada Viva o Centro a Pé, cujo tema deste sábado foi o do famoso Conjunto Habitacional Passo da Areia, mundialmente conhecido como a mítica Vila do Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Industriários(IAPI). Como dessa vez a caminhada não seria pelo Centro, fomos de ônibus (o sanfonão clássico tr00 da Carris). O orientador da visita itinerante foi o professor Helton Estivalet Bello, que também mantém trabalhos integrados à Secretaria de Planejamento da Capital.

A Vila, idealizada em 1946 e inaugurada em 1953 e tombada pelo Patromônio Histórico há cinco anos, é o mais conhecido exemplo de cidade jardim na cidade. A partir do fim dos anos 50, o Instituto passou a investir em conjuntos habitacionais - na sua maioria situados próximos à setores das grandes cidades com maior índice de industrialização massiva.

Esse é o caso de Porto Alegre. Como a Zona Norte passou a viver um surto de indústrias de todo o tipo, desde a Renner, que liderava uma rede de lojas de departamento até a Wallig e a Hercules, especializadas em produtos de metalurgia, surgiu a possibilidade de criar uma "cidade-dormitório" no limite entre os bairros São João e Passo da Areia.

A novidade é que, ao contrário das primeiras city gardens, como as paulistanas, o IAPI era subvencionado por um instituto ligado ao governo federal. Não seria a única do gênero no país; contudo, a vila porto-alegrense é a maior de todas: seu projeto chegaria a 2 mil domicílios e onze praças, além de um parque (o Alim Pedro) e de escolas.

O curioso é que, por mais sofisticado que possa parecer, o conceito de cidade jardim não sobrepujava o fato de que, a despeito de ser um conjunto habitacional, ele era de caráter popular, suburbano e que abrigava boa parte dos sem culotes de Porto Alegre.

Logo, a imagem ligeiramente preconceituosa que se teve a partir dali para designar o lugar o colocou sob uma aura semelhante ao que a maioria das pessoas tem com relação aos conjuntos do tipo Cohab ou BNH, e guardadas as devidas proporções.

A diferença é que, com o tempo, a concepção de habitação popular em massa (os BNH da vida) passaram a ser concebidos de forma mais racionalista e sucinta (e simplista), do ponto de vista arquitetônico. E a pobreza de concreto armado que nós vemos hoje é totalmente diferente da própria concepção de city garden que foi franqueada ao IAPI.

Ou seja, enquanto a expensão populacional obrigou os urbanistas a racionalizarem quaisquer soluções habitacionais, a questão estética ficou em segundo plano. E a característica principal do IAPI de Porto Alegre foi mantar uma integração quase total à natureza do lugar.

Para tanto, basta ver que as casas e o arruamento em geral é feito em função dos acidentes de terreno, principalmente na caída dos casarões que vão do topo do Alim Pedro até a Plínio Brasil Milano, ou a dos casebres que descem a Cristóvão até a Brasiliano de Morais. Com o surgimento das copas das árvores (eucalíptos, pessegueiras, jacarandás, abacateiros em flor), os casarões, em geral de dois andares e com águas furtadas, algums concebidos em pó de granito, ficam quase que camuflados em meio à paisagem abundante.

E isso num tempo em que havia tempo para se conciliar esse tipo de solução arquitetônica na hora de se pensar um espaço urbano plenamente integrado à natureza, algo que hoje é concebível com relação à cidases-jardim contruídas pela iniciativa privada, e não ao que concerne à construções populares.

Noves fora o fato de que o tempo passou; lá se vão sessenta anos desde a sua inauguração. Todas as estéticas passaram e o IAPI, que era tido como algo povão, passou a virar cult (?).

Por sinal, quando a gente desceu do ônibus, um Cocker Spinel de pelo cor de mel passou a nos seguir. ao que pude apurar, ele fugiu de uma pet shop e nos achou ali, peripateticamente fotografando, caminhando e seguindo as instruções do pessoal do passeio.

Cult porque ali na Rua Rio Pardo, 21, logo quando descemos (a Santo Amaro), à esquerda rumo à praça Chopin (cult), ali na esquina com a Novo Hamburgo, fica a casa onde morou a Elis Regina. Descendo a Pistóia, chegamos na Brasiliano, para enfim contornar o Alim Pedro pela Industriários.

Todo mundo aparcia ns janelas sem entender o que eram aqueles 200 malucos guiados por outro maluco empunhando um megafone e guiando um bando de curiosos e um cocker cor de mel.

Curiosos mesmo, porque se a gente pensar bem, quando nos inserimos num ritual desse tipo, nós acabamos nos colocando na situação do turista, porém numa situação prá lá de curiosa, que é a de ser flaneur na sua própria cidade. Claro que, nessa situação peculiar, ou seja, quando nos colocamos na pela do turista, o nosso ponto de vista ao ver (no fim das contas)a mesma coisa que a gente vê, vamos dizer assim, quase todos os dias, já que, de segunda a sexta, a Brisiliano vomita bilhões e bilhões de veículos que sobem e descem o IAPI e, no entanto, ninguém repara para ver o que é aquilo ali de fato.

Mas como eu ia dizendo, é justamente esse que é o ponto: essa visão moderna e anacrônica do que é o complexo habitacional do IAPI é que nos permite entender esse fenômeno típico das grandes cidades e a importância histórica do lugar na memória de Porto Alegre. E isso explica por que o IAPI hoje foi colocado em primeiro plano no sentido de revitalização e preservação de seu sítio.

Sobre isso, o nosso guia Helton Estivalet mostrou que esse senso de preservação histórica (dentro da visão anacrônica que eu comentei acima) se faz necessária pelo fato de que, nesses sesenta anos ou mais, boa parte daquelas construções foi sendo lentamente descaracterizada, e por seus rsspectivos moradores.

Ah, um parêntese: quando subíamos a avenida dos Industriários, o professor Estivalet apontou o dedo para o primeiro piso do edifício (Na área circundante à Brasiliano, os prédios ganham mais um andar e se situam em oblíquo, como que abrindo alas para o trânsito e protegando a porção anterior da vila) de esquina com a Tupanciretã e disse: "para quem gosta de rock, ali naquele prédio morava o fundador do [Liverpool e do] Bixo da seda, o Fughetti Luz". Depois, ele brincou: "de repente, o Fughetti deve estar acordando agora". Mas eu acho que ele não mora mais ali...

Voltando, caro leitor. Ocorre que muitos daqueles prédios tivaram dois tipo de intervenção: uma foi a substituição da conclusão externa feita em pó de granito por uma mão de pintura (aliás, ese é um erro tipicamente recorrente em prédios históricos, como o Hudson, na Caldas Júnior) ou a substituição das janelas originais por outras, de alumínio ou persianas de vinil).

A outra descaracterização, e essa bem pior é a de casos particulares onde um quarto andar foi adicionado a alguns conjuntos, como num prédio da Napoleão Laureano, onde nasceu uma água furtada com telha Zatilit, quase como se fosse um observarório. Por conta disso, ressaltou Helton Estivalet, urge a partir do tombamento do cojunto do IAPI, a preocupação para que essa adulteração arquitetônica seja impedida.



O começo


Fato é que essa preservação de prédios públicos ou de interesse público é um fenômeno recente, por parte dos governos e da sociedade civil, depois que nós vivemos a doença da destruição progressiva de sítios históricos não só de Porto Alegre quando de várias cidades brasileiras, num estilo que foi chamado de arquitetura brutalista, onde edifícios históricos eram sumariamente demolidos em favor de espigões de vinte andares.

Muito embora a tal brutalidade viesse do próprio descaso com o que hoje é considerado como intocável. Como no caso de igrejas como a Capela do Rosário e a do Menino Deus, que foram demolidas e substituídas por versões tenebrosas de cada uma delas. Uma que estava na lista para ser posta abaixo foi a do Bonfim e que, graças a um apelo da sociedade, ela foi reformada e está lá até hoje, como exemplo excelso de neoclassisismo puro (sem a cafonice positivista) em Porto Alegre, graças a Deus.

Quando subimos a Veranópolis, avistamos a terceira série de casarões do IAPI, que nos levam até a Plínio: por sua característica, elas têm frontões com rosáceas de tijolinhos à vista e pérgolas por sobre a porta principal - algo rococó demais para uma habitação popular, mas que se enquadrava dentro do projeto inicial do IAPI para esse tipo de residência, como as demais, inspirada num neocolonial bem simplista.

Terminamos o passeio (que durou aproximadamente uma hora e meia, incluindoo deslocamento) na simpática praça Província de Shiga. Confesso que não a conhecia e fiquei admirado, muito embora nem tanto, já que a preservação de sua beleza e exuberância se deve ao fato de que (felizmente) ela é cercada.

Então embarcamos todos no ônibus e voltamos para o Capitólio. Ah, havia uma produtora forográfica clicando uma modelo na pracinha (era a hora do fechamento do local, sempre ao meio-dia).

E que fim levou o Cocker Spinel?


:)

Thursday, August 11, 2011

Macumba em Parceria


O pobre diabo até que vinha tentando se lançar na carreira, mas sem sucesso. Não vingava nem no baixo clero da bola. Era apenas e tão somente um professor de educação física bem falante, pragmático. Chamavam-no o "papagaio de fraque". Foi quando resolveu procurar um bom pai-de-santo. Já tinha ouvido falar no homem, lhe disseram que era careiro, mas o caboclo dele era forte. Então, o treinador foi ter com ele. O mandingueiro deu uma lista de compras para o homem. Ao todo, pediu que ele comprasse umas velas pretas na flora, perfume de alfazema na farmácia, um galo preto mo mercadão, umas fitas azuis no armarinho e charutos na tabacaria. Feito o acordo, lá foram os dois para uma esquina.

Tempos depois, a carreira do cliente ia de vento em "polpa", como diria a Wanessa Camargo. De cara, ele pegou um time do interior do estado, e conseguiu levar um bando de pernetas às semifinais do regional. Logo, foi solicitado para atuar num clube também do interior, porém um pouco mais conhecido. Virou sensação do milênio! Só faltou matéria na Placar.

As coisas iam bem, só que no afã das vitórias, o nosso herói se esqueceu de pagar o pai-de-santo. Ele foi reclamar com o técnico. Este enrolou, enrolou, até que o outro se enfureceu. Os dois brigaram aos berros, um jurou o outro de morte. O técnico, irritado, decidiu que não ia pagar mais nada. Crispado de raiva, o homem do sortilégio decidiu se vingar: ia voltar todo o trabalho conta o treinador. Ia ser trabalho sujo, do grosso, pesado. Por essas tantas, ele já era entronizado pela imprensa especializada. Depois de classificar um inexpressivo clube à beira de fechar as portas para a Série B, foi contratado por outro que, novamente, chegou às portas das finais de outro regional. Saiu de lá coberto de glórias para disputar uma Copa do Brasil. Em quatro rodadas, ele fez o nome em todo o país.

Foi quando nosso herói sentiu o golpe. A macumba era forte e fez fez efeito, e ele começou a decair. Quando ia se consagrar, caiu do cavalo. Demitiram-no, sem explicação. Foi parar noutro time, nos cafundós do Judas. Porém, o tal técnico, que era um crente, tinha um não sei quê, um santo forte, ou uma legião de anjos da guarda. Teve tempo de pegar um clube grande. Um desses clubes grandes que, refestelados no meio de velhos troféus e louros de glórias do passado, acham que a sorte está com eles, aponto de deixar a política de futebol andar ao sabor dos ventos da Fortuna. Por algum motivo, os dirigentes desse clube resolveram apostar no "professor"(como ele já era chamado). Festejado como o "salvador da pátria" do clube, ele afundou em dois ou três jogos. Os tais dirigentes resolveram metê-lo no cadafalso, e escapar das críticas da torcida. O tal treinador estava fora.

Porém, nosso demissionário herói descobriu que alguma coisa estava acontecendo de bom no meio dessa maré de azar. Ao cair do comando no clube anterior, ele pôde receber meses e meses de salário por conta da recisão de contrato. Na entressafra entre um emprego e outro, ele pôde fazer o seu marketing: dava entrevistas, era simpático com repórteres, dava palestras um tanto pragmáticas aqui e ali, Certa feita, até descolou uma vaguinha de comentarista de tevê, numa dessas emissoras da vida. Não tinha levantado taça nenhuma, mas tinha um obscuro vice-campeonazito acolá que lhe investia de uma aura de genialidade e de lenda.

No campo do sobrenatural, era o armagedom do cangerê do pai-de-santo contra as peripécias do treinador, que ganhava de lavada.

Nessa vida de malabarista, o treinador virou um mito da bola. No primeiro semestre, sempre havia um clube interessado em seus serviços, a fim de ganhar algum clássico ou cumprir tabela no regional, com certa dignidade e com a estrela de tão afamado profissional. Já no segundo semestre, ele era solicitado para a incumbência de salvar algum time da segunda ou da terceira divisão. Nessa tarefa, ele atingiu o grau de mestre: já era pentacampeão em salvar desafortunadas agremiações do inferno da segundona ou da terceirona. Não ganhava certame algum, mas era requisitado. E se porventura não conseguisse salvar de todo, era demitido e ganhava um troco interessante pela recisão, e ainda tinha copa franca com a torcida, é claro. Era realista: só cobrava alto por clubes que pudessem pagar. Clubes que gostam de errar no futebol e depois chamar técnicos mágicos para salvar o ano e emendar sonetos de pé quebrado. Ah, e curioso é que times não faltavam para ele. E o mercado hoje nunca lhe foi tão favorável. Diplomata, tratava com mesura a muito cabotinismo a tudo e a todos. Se saía de um clube, cuidava para deixar o caminho aberta para retornar.

E o tal pai-de-santo? Coitado. Cansou de fazer macumba contra o técnico caloteiro e atacá-lo com entidades e caboclos. E o técnico, aliás, hoje nada em dinheiro por conta de contratos de recisão de clubes mal administrados e que torram dinheiro em favor de verdadeiros vigaristas de porta de vestiário. O "professor" enriquece coma recisão num time qualquer e acaba ganhando o dobro do salário num venturoso novo contrato. Em pouco tempo, empregado ou não, será sempre lembrado, e reinará na capelinha dos argutos de ocasião. E enquanto está fora do mercado, fatura com a grana da multa recisória enquanto mostra toda a sua cultura e salomônica sabedoria nos microfones do rádio e da tevê, em programas esportivos. Nosso herói está espantado. Ri a toa. A razão é tão simples: a sorte dele é o "azar" dos outros, e o "azar" dele, na verdade, não é azar. No fim, ele é quem virou uma espécie de macumbeiro do futebol, e quem mistifica e entroniza certos técnicos são os dirigentes medíocres. E não é só coisa do futebol. Mas aí, quem quiser que bote a carapuça.

O divertido nisso tudo é que o nosso treinador até que poderia pagar ao pobre do macumbeiro em dobro que ele ainda lhe deve para lhe desfazer o tal quebranto. Mas pagar para quê?

Saturday, July 23, 2011

Terra dos Homens


Capa do livro


Não resisti.

Fui esta semana na exposição sobre do incensado livro O Pequeno Príncipe, lançado pelo escritor francês Antoine de Saint-Exupéry, em 1943.

A exposição é muito bonita, contudo para cativar ao público infantil. Na verdade, a obra em si não precisa pedir licença para cativar a mais ninguém. Mas fica no ar aquela avoenga e funestíssima eterna questão: o livro foi escrito para o público infantil ou para o público adulto? Mas não se preocupem: não vou responder a essa pergunta.

Às vezes eu tenho a impressão que todos leram a obra do Exupèry e ninguém fez a leitura correta. Outros, por sua vez, muito pelo contrário, ao se depararem com o que eles chamam de vida real, acabam desmistificando a mensagem da história.

É aquela história: você conhece alguém, você cativa ela, vocês se amam, depois vocês se decepcionam, depois vem o desenlace final, ela te trai e o culpado é o Pequeno Príncipe, com aquela lenga sobre cativar, amor e amizade, saudades e etc. Mas também desa vez não se preocupem, não vou escrever aqui nada a respeito de relacionamentos.

Vou falar de um outro livro do Exupèry, chamado Terra dos Homens. Acho que ele é interessante por ser uma espécie de romance de formação, que conta um pouco do começo da história do escritor francês que, além de beletrista, assim como o personagem do Le Petit Prince, era um piloto de avião a serviço do Correio francês.

Outra coisa legal no Terra dos Homens é que, de certa forma, ele recoloca Exupèry dentro de um contexto que explica a gênese da fábula do Pequeno Príncipe.

Como se sabe, a história do princepezinho que viajou do seu pequeno asteróide B-512 até o planeta Terra acabou injustamente se tornando um clichê - ainda mais aqui no Brasil, onde ele é citado por nove entre dez candidatas a Miss. Graças a Deus, como se sabe, já que hoje em dia as nossas candidatas lêem cada vez menos, o livro tem sido naturalmente cada vez menos citado.

....


Saint-Exupèry virou aviador por acidente: fora reprovado na Escola Naval, em 1921. Um ano depois, ele recebe o brevê de piloto de aviação civil em Rabat. No mesmo ano, ele se torna soldado e, mais tarde, subtenente. Com quatro anos de experiência como piloto de caserna, ele é admitido na Sociedade Latècoère de Aviação. Aqui começa a sua carreira de piloto de linha, fazendo o percurso Toulouse-Casablanca-Dacar.

Pois o relato de Terra dos Homens (1939) começa em 1926, quando ele se torna piloto do Correio, e conhece veteranos que o iniciam nas artes do vôo sob o sol do deserto africano. Depois de dormir em cima de mapas e cartas metereológicas ele iria conhecer todo o mistério de uma ciência absurdamente empírica, que ia desde a navegar debaixo de chuva driblando cumes de picos e montanhas até a vida do deserto, com seus oásis, beduínos, jaus e miragens.

A primeira parte do livro é um misto do seu batismo como piloto da Latècoère e as histórias de vida dos seus colegas, como Jean Mermoz
, que inclusive foi o pioneiro da linha Casablanca-Dacar e Paris-Buenos Aires. E Henri Guillaumet(a quem Terra dos Homens é dedicado), que caiu nos Andes e sobreviveu milagrosamente para contar o seu renascimento após um desastre na vertente chilena da cordilheira. O próprio Exupèry, que à época também fazia a linha na América do Sul, foi um dos respionsáveis pelo resgate de seu companheiro.

- Muitos sinais anunciavam o fim - diz Guillaumet. - Por exemplo, era obrigado a parar de duas em duas horas para abrir um pouco mais minhas botinas, esfregar neve nos pés que inchavam ou simplesmente dar um pequeno descanso ao coração. Nos últimos dias comecei a perder a memória. Muito tempo depois de recomeçar a marcha é que me lembrava: havia esquecido alguma coisa. Da primerira vez foi uma luva, e isso era grave, com o frio que me gelava as mãos. Eu a havia apanhado no chão, ao meu lado, e seguira caminho sem apanhá-la. Depois foi o relógio, depois o canivete. Depois a bússola. Em cada parada eu me empobrecia. O que salva é dar um passo. Mais um passo. É sempre o mesmo passo que se recomeça (...) o que eu fiz, palavra que nenhum bicho, só um homem, era capaz de fazer.



Em O Deserto, Exupèry conta as histórias do tempo em que ele chefiou a estação de Cap Juby (Tarfaya, uma vila ao sul do Marrocos) pela Compagnie Générale Aéropostale e de sua relação com os chefes mouros, que então habitavam os territórios não submissos à França ou Espanha.

Através deles o escritor do Pequeno Príncipe conheceu um escravo, chamado Bark. Ele dizia a todos que se chamava Mohammed ben Lhaoussin, que era um rei e que havia se tornado cativo dos mouros por traição. Bark pedia à Antoine para que o escondese no avião e o levasse para Agadir. Exupèry sabia que eles se vingariam.

Então resolveu juntar dinheiro com seus companheiros da Aéropostale e conseguir comprá-lo. Com engenho e arte, nosso herói convenceu o chefe dos beduínos que ele poderia comprar escravos mais jovens com o dinheiro. E assim Bark foi cedido aos franceses. Deram-lhe mil francos a fim de que o jau pudese se sustentar até que conseguisse emprego.

Em Agadir, no entanto, ele não babia dentro de si de tanta alegria. Foi visto fazendo caridade para crianças. Comprava-lhes pequenos regalos. "Guarde o seu dinheiro"", diziam. E Bark não os ouvia. À guisa de conclusão, Exupèry explica: "Acharam que ele tivesse ficado louco de alegria. Mas ele possuía, desde que era livre, os bens essenciais, o direito de se fazer amar, de caminhar para o norte ou para o sul, de ganhar o seu pão pelo trabalho. Para quê o dinheiro? Sentia, como se sente uma fome profunda, a necessidade de ser um homem entre os homens, ligado aos homens (...) Era livre, mas infinitamente livre, a ponto de não sentir o seu peso sobre a terra. Faltava-lhe o peso das relações humanas que entrava a marcha do homem, e as lágrimas, e os adeuses, e as lamentações, e as alegrias, tudo o que um homem acaricia ou ofende sempre que ele esboça um gesto: esses mil laços que o prendem aos outros, que lhe dão gravidade. Mas sobre Bark já pesavam mil esperanças...".

...

O heróico episódio de Henri Guillaumet nos Andes assombra Exupèry novamente quando ele e o co-piloto André Prevot perfazem um trajeto de Benghazi até a Indochina. É o começo de No Deserto, o relato mais impressionante de Terra dos Homens.

Ainda no deserto, seu avião cai e os tripulantes sobrevivem milagrosamente. Perdidos, eles restam vivos para morrerem sob as areias do norte da África. Passam por todas as privações e toda a visão reversa de mundo pela qual passou Guillaumet.


Fenech: a raposa do Exupèry

Sobreviver para quê? Sem bússola, sem provimentos, sem água, sem perspectiva: seria necessário pelo menos duas ou três semanas de busca para encontrar no deserto os destroços de um avião pelo qual nada se sabe a respeito, num raio de mais de 3 mil quilômetros.

Antoine e Prevot em vão tentam caçar algum animal. No entanto, acaba travando conhecimento com uma raposa branca de orelhas de coelho e com o corpo do tamanho de uma ratazana: a fenech. Através do rastro das raposas, ele descobre o esconderijo de comida das fenechs. De cem em cem metros, era possível avistar pequenos arbustos carregados de caracóis.

Exupèry notou que a raposa não devorava todos os moluscos. Claro, a raposa espertamente observava a necessidade de reprodução do pequeno gasterópodo e a sua própria sobrevivência no deserto. A raposinha fenech involuntariamente acabou salvando a vida do escritor e, ao mesmo tempo, assim como o saara, ela acabou se tornando sua personagem: é com a fenech que o princepezinho trava o seu famoso diálogo.

O oitavo e último capítulo de Terra dos Homens, por sua vez, é quase que uma introdução ao tipo de filosofia que Antoine de Saint Exupéry iria transmudar na parábola do Le Petit Prince, cinco anos depois, em 1944. Sua experiência de quase morte lhe franqueou uma outra visão de vida quando, segundo ele, um homem "descobre a si mesmo e se torna seu amigo".

"Não sabemos prever o essencial", diz o escritor. "Cada um de nós conheceu as alegrias mais ardentes onde nada as prometia: elas deixaram em nós uma tal nostalgia, que temos saudades até de nossas misérias, se foram nossas misérias que as permitiram. Nós todos, ao encontrar depois de algum tempo os companheiros, sentimos o encanto de relembrar as horas amargas".

A busca do "essencial" para ele era algo como ter um insight de entender 1) a extrema necessidade do ser humano em encontrar-se em si 2) a necessidade de encontrar-se no outro. Do primeiro apontamento, Exupèry pega o exemplo de um compositor como Mozart ter a sua virtude coberta pela finitude da vida passada em vão pelo espírito de manada das pessoas em moldar-se pela banalidade dos ritos comuns, o desperdício das relações ensimesmadas e pélas convenções, a falta de transcendência em tudo e em todos, da carência da falta dessa experiência sensível que nos ligaria de forma mais substancial com o mundo a nossa volta. Para ele, um talento iria soçobrar diante do convencionalismo do encaixotamento progressivo das relações sociais, como um fenômeno existencial-endêmico.

Por outra, do segundo apontamento, a partir do primeiro, ele pega o exemplo da capacidade de abstração pueril típica das crianças para delimitar a extrema distância da visão poética da vida que perdemos com o tempo e preservada na imagem do Pequeno Príncipe, desde a dedicatória do livro até as crianças "que esmagam seus narizes nos vidros dos rápidos". A visão final de Terra dos Homens é um casal transformado em seres de barro, desgastados pela vida e pela degradação das relações pessoas, trazendo no colo uma criança pura (ou ainda pura) dessa degradação. Diz Exupèry: "certamente que as vocações ajudam o homem a se libertas; mas é igualmente necessário libertar as vocações".

Ou seja, de nada adiantaria a vocação de um futuro compositor se ele for jogado num mundo indiferente. A disparidade de visão de mundo que o escritor francês explica na parábola do principezinho (criança X adulto) é a continuação e a reconstituição alegórica da história que Exupèry encerra o seu Terra dos Homens. Eis o trecho:



Há alguns anos, durante uma longa viagem de estrada de ferro, resolvi visitar aquela pátria em marcha em que ficaria por três dias, prisioneiro, durante os três dias, daquele ruído de seixos rolados pelo mar. Levantei-me. Pela uma hora da madrugada corri os carros, de ponta a ponta. Os dormitórios estavam vazios. Os carros de primeira classe estavam vazios.

Mas os carros de terceira estavam cheios de centenas de operários poloneses despedidos na França, que voltavam para a sua Polônia. Caminhei pelo centro do carro levantando as pernas para não tocar nos corpos adormecidos. Parei para olhar. De pé, sob a lâmpada do carro, contemplei naquele vagão sem divisões que parecia um quarto, que cheirava a caserna e a delegacia, toda uma população confusa, sacudida pelos movimentos do trem. Toda uma população mergulhada em sonhos tristes, que regressava para a sua miséria. Grandes cabeças raspadas rolavam no encosto dos bancos. Homens, mulheres, crianças, todos se viravam da direita para a esquerda, como atacados por todos aqueles ruídos, por todas aquelas sacudidelas que ameaçavam seu sono, seu esquecimento. Não achavam ali a hospitalidade de um bom sono.

E assim eles me pareciam ter perdido um pouco a qualidade humana, sacudidos de um extremo a outro da Europa pelas necessidades econômicas, arrancados à casinha do Norte, ao minúsculo jardim, aos três vasos de gerânio que notei outrora nas janelas dos mineiros poloneses. Nos grandes fardos mal arrumados, mal amarrados, eles haviam juntado apenas seus utensílios de cozinha, suas roupas de cama e cortinas. Mas tudo o que haviam acariciado e amado, tudo a que se haviam afeiçoado em quatro ou cinco anos de vida na França, o gato, o cachorro, os gerânios, tudo tiveram de sacrificar, levando apenas aquelas baterias de cozinha.

Uma criança chupava o seio de sua mãe que de tão cansada parecia dormir. A vida transmitia-se assim no absurdo e na desordem daquela viagem. Olhei o pai. Um crânio pesado e nu como uma pedra. Um corpo dobrado no desconforto do sono, preso nas suas vestimentas de trabalho, um rosto escavado com buracos de sombra e saliências de ossos. Aquele homem parecia um monte de barro. Era como um desses embrulhos sem forma que se deixam ficar à noite nos buracos das feiras. E eu pensei: o problema não reside nessa miséria, nem nessa sujeira, nem nessa fealdade. Mas esse homem e essa mulher sem dúvida se conheceram um dia, e o homem sorriu para a mulher; levou-lhe, sem dúvida, algumas flores depois do trabalho. Tímido e sem jeito, ele temia ser desprezado. Mas a mulher, por fagueirice natural, a mulher, certa de sua graça, talvez se divertisse em inquietá-lo. E ela, que hoje é apenas uma máquina de cavar ou de martelar, sentia assim no coração uma deliciosa angústia. O mistério está nisso: eles se terem tornado esses montes de barro. Por que terrível molde terão passado, por que estranha máquina de entortar homens? Um animal ao envelhecer conserva a sua graça. Porque essa bela argila humana se estraga assim?

E continuo minha viagem entre uma população de sono turvo e inquieto. Flutua no ar um barulho vago feito de roncos roucos, de queixas obscuras, do raspar das botinas dos que se viram de um lado para outro. E sempre, em surdina, o infatigável acompanhamento dos seixos rolados pelo mar.

Sento-me diante de um casal. Entre o homem e a mulher a criança, bem ou mal, havia se alojado, e dormia. Volta-se, porém, no sono, e seu rosto me aparece sob a luz da lâmpada. Ah, que lindo rosto! Havia nascido daquele casal uma espécie de fruto dourado. Daqueles pesados animais havia nascido um prodígio de graça e encanto. Inclinei-me sobre a testa lisa, a pequena boca ingênua. E disse comigo mesmo: eis a face de um músico, eis Mozart criança, eis uma bela promessa de vida. Não são diferentes dele os belos príncipes das lendas. Protegido, educado, cultivado, que não seria ele? Quando, por mutação, nasce nos jardins uma rosa nova, os jardineiros se alvoroçam. A rosa é isolada, é cultivada, é favorecida. Mas não há jardineiros para os homens. Mozart criança irá para a estranha máquina de entortar homens. Mozart fará suas alegrias mais altas da música podre na sujeira dos cafés-concertos. Mozart está condenado.

Voltei para o meu carro. E pensava: essa gente quase não sofre o seu destino. E o que me atormenta aqui não é a caridade. Não se trata da gente se comover sobre uma ferida eternamente aberta. Os que a levam não a sentem. É alguma coisa como a espécie humana, e não o indivíduo, que está ferida, que está lesada. Não creio na piedade. O que me atormenta é o ponto de vista do jardineiro. O que me atormenta não é essa miséria na qual, afinal de contas, um homem se acostuma, como no ócio. Gerações de orientais vivem na sujeira e gostam de viver assim.

O que me atormenta, as sopas populares não remediam. O que me atormenta não são essas faces escavadas nem essa feiúra. É um pouco, em cada um desses homens, Mozart assassinado.




PS: visitem a exposição, vai até domingo que vem. :)

Thursday, June 30, 2011

Rave on, Buddy Holly!


Capa do CD


Ouvi finalmente o disco-tributo Rave on Buddy Holly, dedicado ao célebre pioneiro do rock. Sou suspeito para falar, já que sou um ardoroso fã do guitarrista texano. Aliás, se eu for parar para ver, ele é um dos poucos (se não o único) daquela geração que eu ainda ouço.

Gosto do Elvis, mas ele não vale. Dos demais, como Chuck Berry, Little Richard, Eddie Cochran, Bill Halley, Carl Perkins, Jerry Lee Lewis e Gene Vincent, por exemplo, eu tenho a sensação de ouvir uma arte datada. Se formos pensar em Buddy Holly, eu entendo como uma arte do futuro.



Eu explico. É que, como a maioria deles, a música dos primórdios do rock estava calcada de forma considerável no boogie-woogie, no hillybilly e no rockabilly, uma espécie de fusão daquela música caipira branca que tentava encontrar a sua identidade.

O começo, em 1955, quando ele formava, com Bob Montgomery, uma dupla de bluegrass que, sob influência da música Bill Haley And The Comets, já flertava com o rockabilly. Essa fase compreende seus primeiros arroubos, em covers de clássicos da época, como Rip It Up, Baby, Let’s Play House, Good Rockin’ Tonight e Changing All Those Changes (no tributo em versão de Nick Lowe).




Holly passou por eles; no entanto, ele devia mesmo saber que aquilo se tratava de uma arte ao mesmo tempo revolucionária e datada, como quase toda a cultura norte-americana dos anos 50. E Buddy, por ser texano, deveria ser o mais caipira de todos eles. Por sinal, o autor de Peggy Sue chegou a flertar com o rockabilly no começo de sua breve carreira. Basta ouvi-lo cantando Blue Days, Black Nights. Ali, suas raízes do country são evidentes.



Mas Buddy evoluiu rapidamente. Cedo conheceu a música de Bo Diddley. A guitarra primal do compositor de Road Runner seria a base do trabalho de guitarra-ritmo de Holly, e que também ia parar na música dos Stones (que também eram fãs de Diddley).

Falando em guitarra, a mudança radical que o distanciou de seus pares dos anos 50 foi adotar uma Fender Stratocaster quanto todos os demais ainda tocavam em semi-acústicas. Além de ser sua marca registrada, a guitarra de Buddy soava moderna.

Quando o rockabilly ameaçava cair no clichê e enquanto Vincent era incensado como uma espécie de novo Elvis, Buddy misturava a crueza do rock com a doçura contidamente piegas de baladas que versavam sobre amores não correspondidos, em parte prenunciando algo que ia se tornar voga no começo da década seguinte em outras vozes, como as de Frankie Avalon, Neil Sedaka e Paul Anka, que iria compor para ele It Doesn't Matter Anymore.



Nas suas últimas gravações, Holly estava longe do rockabilly e procurava o ecletismo em outros gêneros musicais diversos do rock, como o calipso (Heartbeat), o foxtrot (True Love Ways) e o beguine (Moondreams).

Cedo ele descobriu o pop. Esse movimento seria o caminho a ser trilhado pelo rock a partir de então. Nesse aspecto, não poderíamos culpar Elvis por trair o movimento: Buddy teria feito a mesma coisa. E se Holly não tivesse acenado para essa possível evolução, esse tributo não teria razão de ser.

De todos aqueles pioneiros do rock, o líder dos Crickets nos legou uma rescolta de canções que são partituras abertas: mesmo que muitos dos covers do CD constituam um ultraje aos mais puristas, é nessa idéia que reside o valor das canções. Paul McCartney poderia ter feito uma versão igual à original (como ele fez ao se apresentar em Dallas, ano passado), mas ele mostrou que era possível recriá-la.

Quase todos fizeram leituras particulares dos clássicos de Holly. Os que se mantiveram fiéis, no entanto, souberam emprestar a sua virtude autoral à elas. É o caso de Fiona Apple & Jon Brion, Lou Reed, que nunca soou tão Lou Reed, e Graham Nash, que fez uma comovente versão de Raining In My Heart que, embora de autoria da dupla Felix e Bordilaux Bryant, foi imortalizada pelo guitarrista de Lubbock.

Contudo, a maioria dos intérpretes de Rave On são desconhecidos do público brasileiro. Isso se explica em parte. Muitos deles, como Justin Townes Earle, Cee Lo Green ou John Doe são artistas de um gênero que existe hoje por causa do próprio Holly, o Americana.

É uma espécie de subproduto do country pop que nasceu com os Eagles, nos anos 70, e é um country que modernizou o próprio country, sem os clichês típicos do Nashville Sound. Talvez nisso esteja a força de Rave On: Holly é conhecido por todos por modernizar o rock, mas o seu papel como vanguarda da própria canção americana, misturando o hillybily branco com o rhythm'n blues negro é mais importante ainda e essa é a virtude de Buddy Holly; embora subestimado por ser um rockstar, ele é, sem dúvida, um dos músicos mais influentes do século XX.

Saturday, June 25, 2011

Cemitérios de Porto Alegre contam histórias


Mausoléu de Pinheiro Machado, no Cemitério da Santa Casa

A vida nutre-se da morte, e não a morte que nutre-se da vida. Me lembrei dessa frase do Caderno H do Mário Quintana quando fui participar da Caminhada Orientada do Viva o Centro a Pé, que é promovida pela Prefeitura de Porto Alegre.

Dessa vez, o tema do passeio era a arte cemiterial da Santa Casa e do São Miguel e Almas. A orientadora da vista, arquiteta Gicelda Weber Silveira, que trabalha no setor de projetos de restauração e na Secretaria de Obras Públicas do Governo do Estado.

Na entrada da Santa Casa (pegamos um Carris sanfona com gente até no lustre, contra as minhas perspectivas, dado as chuvas dessa semana e o tempo feio de hoje), ela explicou que o primeiro cemitério da cidade se situava onde fica a Praça da Matriz, então um descampado. Com a urbanização, ele passou para a parte posterior da Igreja da Matriz, onde se situa atualmente a Catedral Metropolitana.

Segundo a pesquisadora, no princípio, os mortos eram enterrados junto às irmandades das suas respectivas igrejas. Com o tempo, fez-se necessário que, por uma questão de ordem, o campo santo deveria ficar fora da cidade. O local escolhido, a partir do século XIX, foi a subida da Azenha.

O cemitério da Santa Casa, inaugurado em 1850, foi o primeiro a aglutinar todas as irmandades. Ele foi construído em estilo europeu, com as paredes construídas como catacumbas. No centro, se situariam os mausoléus.

No entanto, nossos aristocratas não exigiam muito luxo em matéria de arte sepulcral. Nossos barões eviscondes eram mais simplistas, em contraste da perspectiva estética da burguesia que a sucedeu. Túmulos como o do Barão de Camaquã se limita ao símbolo heráldico, por exemplo; apenas o brasão, representando o seu respectivo grau nobiliárquico, o diferenciava dos demais ex-viventes.

Foi com a ascenção da burguesia porto-alegrense que surgiu a geração dos grandes mausoléus. Os pequeno-burgueses ficavam com as catacumbas e os sem culotes eram enterrados na terra, mesmo.

Se os nobres destacavam sua nobreza para diferenciá-los, a "burguesia" realçava o seu grau de importância e prestígio amealhados em vida para tranmutá-la em arte funerária: banqueiros, comerciantes, engenheiros, industriais, enfim, todos transformavam seus jazigos em mozaicos onde cinzelavam sua reputação em mármore e bronze para a eternidade.

O castilhismo também teria o seu destaque nos cemitérios. Os exemplos mais notáveis são os dos túmulos dos patriarcas do antigo PRR no Estado. No de Júlio de Castilhos, uma mulher, símbolo da Religião da Humanidade, pranteia o ditador chimango, morto em 1903; no de Pinheiro Machado, a deusa da República e um séquito de moleques vela o cadáver de bronze - coberto de pátina do senador gaúcho, assassinado em 1915. Seu corpo, seminu e mal acomodado sob um dossel, parece que acabou de expirar da facada traiçoeira de Manso de Paiva.


Túmulo do governador Daltro Filho, de Augusto Caringi

As famílias mais tradicionais (da época) e os líderes políticos (idem) são os que nos recepcionam, na entrada da Santa Casa. A ascenção do borgismo veio com uma leva de grandes artistas de escol, de Leoni Lunardi até a família Friedrichs. Da arquitetura à escultura, uma aula de como eles explicavam a morte e a política.

Mais adiante, o túmulo de Plácido de Castro, guerrilheiro gaúcho que conquistou o Acre e morto por traição, em seu leito de morte, quis que seus restos não fossem enterrados lá. No túmulo, a deusa da Justiça abaixa a espada ao lado da balança onde há um saco de moedas, denunciando a perfídia de seus algozes.

O auge da arte funerária em mausoléus vai do começo do século passado até os anos 40. Misturam-se motivos neoclássicos - ligeiramente pagãos - com outros, profundamente católicos, emoldurados em estilos que versam entre o art noveau e o modernismo.

A exaltação ao civismo e ao patriotismo, típicos da política de antanho, estão sintetizados no túmulo de Daltro Filho. O governador, vestido de pala, posa ao lado de um soldado. A grandeza épica do túmulo parece rivalizar com os do Père Lechaise.

Na frente do jazigo do Patriarca, encontro, à direita, outro, todo em mármore. Numa placa, o nome de José Pinheiro Borda, um dos idealizadores do Beira-Rio. Na entrada original do São Miguel e Almas, à esquerda, o do patrono do Grêmio, Fernando Kroeff.

Gicelda Weber explicou que o da Santa Casa, à medida em que avançava, foi mudandoo seu estilo, de muros de catacumbas com o de galerias. Esse é o estilo que seria empregado definitivamente no da irmandade de São Miguel e Almas, que é dissidente da Santa Casa.

Fundado em 1908, foi construído por Armando Boni, oriundo de Parma (Boni, morto em 45, tem um túmulo no local). Mestre do concreto armado, Boni trouxe da Europa o modelo de galerias, projeto pelo qual seria o precursor, no Brasil, a partir de 1930.

Nos mausoléus do São Miguel, a estatuária ganha extrema plasticidade, com anjos, mulheres, querubins, anjos femininos cobertos por mantos diáfanos, tornozelos, pés à mostra e silhuetas de seios, crianças que choram consoladas por madonas inconsoláveis a prantear eternamente por seus mortos, como num eterno carpir que comove a qualquer futuro passante, num amálgama de sensualidade e contrição, escatologia e poesia.

A partir dos anos 30, Boni expandiu o formato de galerias, evoluindo na direção inversa à santa Casa; esta subia a Oscar Pereira, enquando aquela descia, até onde hoje ficam as capelas, a cafeteria e a entrada principal. Hoje, círios de 100w velam os mortos ao som de colherinhas nas xícaras de café...

Da década de 40 em diante, esse paradigma de exuberância entrou em desuso, à medida em que os valores mudavam. A filosofia da arte se rendeu à praticidade e aos princípios religiosos mais elementares: segundo Gicelda Weber, algumas religiões preferiram um estilo mais sóbrio e pastoral, em sintonia com a natureza, como no cado dos cemitérios-parque. Outros, por sua vez, optaram por entronizar o modelo de galerias, como é o caso do João XXIII, situado na descida do morro da Oscar Pereira, nos limites da Azenha com a Glória.

Quando todos voltávamos para o Centro, no Carris (o passeio acabou cinco para o meio-dia), me lembrando da estátua do Pinheiro Machado ganhando uma coroa de flores de uma criança, me lembrei de outra citação, dessa vez do Tio Bicho, personagem do Erico Verissimo (que está sepultado no São Miguel, embora não tivesse tempo de vê-lo), no O Arquipélago, última parte de O Tempo e o Vento: "a morte é uma preocupação exclusiva dos vivos".

PS: funcionários do São Miguel à princípio tinham ordens de proibir filmagens e fotos. O pessoal foi salvo por algum telefonema excuso da equipe da TV Record, que nos acompanhou durante o passeio.

PS2: Não pude anotar mais detalhes porque minha caneta emperrou na metade de nossa incursão peripatética.

Friday, June 24, 2011

Seguindo os passos de Camilo Mortágua


O Cinema Castelo

Camilo Mortágua, de 1980, é o último grande romance de Josué Guimarães. O livro contra a trágica saga de uma família de estanceiros do Alegrete que vive o fim da aristocracia rural gaúcha durante o primeiro quartel do século passado.

O texto se divide num momento presente, nos primeiros dias da Revolução de 1964, onde o protagonista mora em uma pensão na avenida Azenha, esquina com a Cabo Rocha. A rua, um antigo ponto de meretrício da capital gaúcha, ficava onde hoje existe a Freitas e Castro. Foi um dos mais populares bas-fonds porto-alegrenses, com seus michês e seus cabarés, até o começo dos anos 60, quando a municipalidade desalojou todo o trottoir para longe dali.

A pensão de Dona Consuelo, situada em cima do Café Viseu, fica defronte ao antigo cinema Castelo, que se situava onde hoje fica uma agência bancária. Josué Guimarãees soube retratar com olhos de cronista os últimos dias da boemia de sem culotes daquela região outrora histórica: foi ali, em 1835, que ocorreu o primeiro confronto entre farroupilhas e o Império.


Foi o 'oficial' Cabo Rocha, que comandou o ataque, quem emprestou o nome do logradouro, cujo nome, de tão associado à vetusta zona de meretrício, acabou sendo então alterado pela Prefeitura para Freitas e Castro, nos anos 70.

Ao entrar durante três noites no Castelo, enquanto assiste uma fita barata de uma montagem B de um filme sobre Cleópatra, Mortágua, personagem trágico por excelência, volta no tempo e, sentado numa das poltronas, como num delírio, ele vê a história de sua vida sendo projetada na tela grande.

O patriarca da família, Quirino, se muda para Porto Alegre e constrói um palacete na avenida Independência. Naquele tempo, a avenida vivia o esplendor das grandes mansões de famílias do high life porto-alegrense, como os Greco (donos do primeiro carro da cidade), os Godoy e a família Torelly. Felicíssimo de Azevedo diz que a área era desejada por ser "o mais lindo arrabalde da cidade de onde se goza a mais bela vista".


A Independência, na altura do Colégio Rosário

Algumas daquelas mansões, que representavam a aristocracia da cidade foram demolidas, devido à exploração imobiliária. Em Camilo Mortágua, a mansão da família não foge à regra. Mas como toda regra têm suas exceções, alguns palacetes ainda resistem ao tempo, como a Casa Godoy, em art noveau, que foi tombada pelo Patrimônio Histórico, e a Torelly, onde hoje fica o Secretaria Estadual de Cultura.

Eis a característica primordial da obra de Josué: Porto Alegre antiga é revisitada em dois momentos. Dos anos 10 aos anos 50, quando ele narra a funesta saga dos Mortágua, passando do antigo comércio da cidade até a flanérie dos grandes espaços urbanos da capital.

A loja de Camilo e seu sócio, Edmundo, fica na Andradas, que catalisava quase todo o comércio e a vida cultural da cidade. Existem várias referências à Rua da Praia antiga na obra, desde o restaurante do Palácio do Comércio até o Cinema e Confeitaria Central, dos itmãos Medeiros, que ficava onde hoje é um curso supletivo, na esquina da Andradas com a General Câmara.

Na história, para salvar a reputação de sua família, Camilo funda uma olaria para vender material de construção, e procura terreno onde floresceram casas do tipo, na antiga Cidade Baixa. Uma das olarias remanescentes daquele tempo hoje é um centro comercial, na avenida Lima e Silva.


O Areal da Baronesa, hoje Cidade Baixa

Josué Guimarães escreveu Camilo Mortágua no verão de 1979. Antes de pôr suas mais de 400 páginas no papel, ele sonhou a história toda em seus mínimos detalhes. Contou à Ivan Pinheiro Machado, editor da LPM todo o enredo de memória, como costumava fazer com seus livros aos seus amigos mais chegados. Quando o texto estava claro em sua mente, ele escrevia tudo, do começo ao fim, dispensando originais.

Ao contar a história, ambos pararam diante do casarão da Bordini com a 24 de Outubro. Ali seria a casa do inescrupuloso Comendador, diretor do Banco da Província, pai de Leonor e sogro de Camilo. "Uma hora depois, diante do Parcão (Parque Moinhos de Vento),a história terminou. Ficamos parados num silêncio comovido, consternados com o fim do grande Camilo", diz Pinheiro Machado.

Thursday, June 23, 2011

Borges de Medeiros e a bailarina


Carlos Reverbel

Em suas Memórias, João Neves da Fontoura (1889-1963) dedicou o primeiro volume — "Borges de Medeiros e seu Tempo" — ao líder republicano, que é o seu principal personagem. Discípulo do líder positivista, João Neves resgata em sua obra alguns dos principais episódios da vida pública do então presidente do Estado do Rio Grande do Sul, com farta documentação. Também reconta os fatos que tiveram desfecho na formação da Aliança Liberal e os antecedentes da Revolução de 30.

Nas Memórias, o político cachoeirense revela, com indisfarçável convicção, que foi o correligionário mais próximo de Borges, "Suas conversas eram sinceras e abertas comigo", revela. Mas ressalta: "Contudo, ele jamais ultrapassava os limites de conversação que ele próprio demarcava".

João Neves entendia que tal atitude se evidenciava mais por uma questão de virtude do que de educação. Em outras palavras: como diziam alguns, menos chegados: "o Velho Borges é mais fechado que baú de solteirona". À respeito do caráter confessional do livro com relação ao perfil do antigo presidente do Estado, o escritor e ensaísta Carlos Reverbel escreveu que, na carência da bibliografia sobre Borges de Medeiros, as Memórias de João Neves da Fontoura talvez reúnam as melhores páginas já escritas a respeito do poderoso chefe republicano, em que pese a relação da dependência partidária e a afeição pessoal que os vinculava.

"Borges foi um solitário no poder", diz o memorialista. "Assessores mesmo, nunca os teve". Mesmo assim, não é raro encontrarmos histórias e curiosas sobre o caudilho positivista. Uma delas é bastante ilustrativa.

Em fins de 1925, quando entrava no penúltimo ano de mandato, Borges de Medeiros convidou o engenheiro Sérgio Ulrich de Oliveira para secretário de Obras Públicas. Na época, a escolha foi interpretada como sinal quase estratégico de que este seria o seu substituto na presidência do Estado.

Para João Neves, Sérgio era um homem “correto”, impoluto e, além do mais, seu confidente. Um bravo sem bravatas, estando sempre na frente quando surgissem perigos: "um cavalheiro inclusive na despreocupada elegância pessoal com que se trajava".

O memorialista diz que era natural que a escolha de Oliveira para aquela pasta parecesse, sem exagero, uma das melhores expressões, de conjunto, no seio do Partido Republicano. "insigne advogado, exercia a profissão com os rigores de uma ética exemplar".

Ou seja: tratava-se de um homem público de estirpe, bem ao estilo borgiano de viver “às claras”. Ou nas palavras de Carlos Reverbel, tanto pela pessoa quanto pela firmeza de caráter, ele reunia todas as condições para empunhar as rédeas do governo, estando assim, perfeitamente à altura de recebê-las das mãos de Borges de Medeiros, na sua “austeridade e na sua intransigência”.

Era inclusive quase certo — para não dizer verdade inapelável — que Sérgio de Oliveira seria o futuro presidente do Estado do Rio Grande do Sul, mesmo que o velho Borges mantivesse a boca fechada à respeito do assunto, como era de seu feitio de “baú de solteirona”.


Um dia, aconteceu a desdita. Em fins de 1926, bem na época em que a chapa republicana para a Câmara dos Deputados estava sendo organizada, Borges de Medeiros mandou chamar Oliveira, informando que ele estaria incluído na respectiva nominata. “Para surpresa geral, no dia seguinte, Sérgio exonerou-se da secretaria de Obras, recolhendo-se na sua casa, em Uruguaiana”, diz João Neves.

Nunca foi possível saber exatamente quais eram as esperanças que Borges depositava em seu ex-secretário. Mas para o memorialista, grande foi a decepção do presidente gaúcho. Mais: logo depois, começou a correr um boato de que Sérgio de Oliveira havia perdido a oportunidade de chegar ao Governo do Estado porque teria se enfeitiçado por uma bailarina espanhola, que fazia ruidoso êxito no Clube dos Caçadores, o conhecido grande cabaré da época, que ficava na rua Nova, beco que virou zona de meretrício, e que, anos mais tarde, foi aberto e passou a se denominar rua Andrade Neves, no centro de Porto Alegre.

Mesmo que o ex-secretário fosse viúvo e tudo tivesse ocorrido na mais esmagadora discrição, foi o que bastou para que Borges de Medeiros optasse por outro nome para substituí-lo. E este nome não foi outro senão Getúlio Vargas, então Ministro da Fazenda de Arthur Bernardes.

Na opinião de João Neves, a história pode ser explicada de outra forma, sem cor de pilhéria que lhe pintaram. Para ele, o que faltou a Sérgio de Oliveira para galgar o posto mais alto do estado não foi o Clube dos Caçadores e suas bailarinas espanholas; o que faltou mesmo foi ambição política.

Uma coisa é certa, porém: feitiço ou não, o episódio mostra que, por um detalhe, a história de 1930 para cá poderia ter sido um pouco (ou muito) diferente. “De tudo o que acabo de narrar, decorre uma inevitável filosofia”, conclui João Neves da Fontoura, no fim do capítulo 25. “Como teria sido diferente a história contemporânea do Brasil se, em lugar de Vargas, o senhor Borges de Medeiros houvesse dotado, em 1927, a candidatura de Sérgio de Oliveira para a Presidência do Rio Grande!”...

Thursday, June 16, 2011

Paixões de Fla-Flu


O livro

À primeira vista, um livro tratando da discussão bizantina a respeito da rivalidade entre Beatles e Rolling Stones é algo que não vai trazer nada de novo. Além do mais, nenhum fã ardoroso de cada uma das bandas não vai ceder um milímetro sequer de sua devoção em favor do grupo arqui-rival.

O problema é que essa eterno debate ganha essa dimensão porque os respectivos fanáticos de cada um dos dois conjuntos nutre uma cega paixão de fla-flu, muito embora existam aqueles que gostam tanto do quarteto de Liverpool quanto do quinteto londrino.

Já que o assunto soa batido, os editores do livro The Beatles vs. The Rolling Stones - A Grande Rivalidade do Rock'n'roll (Globo, 192 páginas) tiveram uma idéia diferente: repassar toda a trajetória dos cavaleiros de Sua Majestade Britânica e a do séquito de Sua Majestade Satânica e repassá-la, em detalhes, no ponto de vista de dois jornalistas musicais sob a forma de um diálogo contínuo.


A idéia de fazer um livro nesse estilo também não é lá muito nova. Afinal de contas, os diálogos de Sócrates, lá na Grécia Antiga, foram compilados por Platão, sob a mesma natureza.

É daí que surge o diferencial do livro: ao lermos suas páginas, Greg Kot (beatlemaníaco e stonemaníaco enrustido) e Jim Derogatis (Stonemaníaco e beatlemaníaco idem) contam como descobriram as duas bandas, cada um tem uma preferência clubística e o livro é todo um debate continuo, um diálogo corrido, tipo uma entrevista gravada ou um bate-papo ode boteco.


A diferença é que, nutridos de vasta informação complementar com relação à citações de outros livros de referência no assunto e contando cada um com seu respectivo vasto conhecimento musical, Jim e Kot travam um duelo inteligente, falando desde as influências das duas bandas, passando pela estética dos Beatles com relação aos Stones, o apeeal promocional. O estilo de cada integrante de cada banda é comparado: Paul e Bill, Ringo e Charlie, George e Keith, e por aí vai.


Os dois mandam muito bem e graças a Deus, não levam nenhuma das duas bandas prá compadre e mostram que gostam e sabem apontar coisas que eles consideram baixos na carreira das duas bandas. Ou seja, se não sobram polêmicas entre si (ambos concordam e discordam m tempo todo, ao mesmo tempo em que o leitor ri e concorda e discorda da mesma maneira, numa divertida esgrima a três, onde a vontade de meter o dedo na conversa é inevitável.

Ambos acreditam, na comparação entre os seus respectivos discos duplos, Exile e White Album, por exemplo, que, ao contrário do segundo, o álbum de 1972 possui um feixe, uma coesão textual e um conceito sólido cinzelado pela maestria de Keith Richards. Ao mesmo tempo, o Álbum Branco, na ótica deles, mais parece uma colcha de retalhos, tentando fazer um rescolta de canções sem um vetor comum.

Ao mesmo tempo, os dois autores entendem que o trabalho acústico tanto da pré-proodução do disco dos Beatles quanto de vários momentos do trabalho são o ponto alto. Ao mesmo tempo, Derogatis entende que a falta de coesão no acabamento final do White Album é análogo à alegada inconsistência dos projetos stonianos posteriores ao próprio Exile (nesse ponto, eu é que discordo dele com relação a isso).

No meio de críticas, eles defendem, com unhas e dentes, a excelência dos dois bateristas na ótica de musicisistas, Charlie e Ringo, com argumentos interessantíssimos. Tanto pelo estilo cool de Watts como uma espécie de falso pusilânime, em tocar como um jazzmen, sem saliências, sem ergueras baquetas além dos pulsos, mas se impor na banda, tanto ao enfrentar Jagger ao ser chamado por seu frontman de "o baterista da banda" quanto pela própria afirmação deste, de que "sem Charlie os stones acabarão".

E também não faltam elogios ao subestimado (como músico) Ringo, de ser vigoroso em dar a energia necessária em determinados momentos de certas canções, com seu ritmo ligeiramente sujo nos címbalos. Ou a sua técnica primal em Tomorrow Never Knows e as viradas cerebrais de Rain, da fase Revolver, a preferida de Greg.

O divertido de The Beatles vs. The Rolling Stones - A Grande Rivalidade do Rock'n'roll é, a despeito do assunto batido, justamente isso: o fato de que são duas paixões que movem multidões. E que, como acontece em qualquer grande rivalidade clubística, ela não termina quando o juiz apita o fim do jogo. O livro termina mas, para o leitor, o debate certamente continua.