Monday, April 30, 2018

Hung Up on a Dream




— Bom esse disco, hein?

Esse era Al Kooper, o líder do Blood, Sweat And Tears, depois de escutar um acetato do último disco dos Zombies, o Odessey And Oracle.

O que ele não sabia é que quem estava naquela base do sangue, suor e lágrimas mesmo era a turma do Colin Blunstone. Eles estouraram em 1964 num concurso promovido pela London Evening News, que lhes permitiu assinar contrato com a Decca naquele mesmo ano.

No entanto, a concorrência massiva com de bandas britânicas que, com efeito, faziam praticamente o mesmo som, a pressão comercial em bater uma concorrência desleal — num momento em que o grau de sobrevivência de um conjunto de rock residia na sua capacida de em elaborar single de sucesso e a necessidade de fazer sucesso na América faz com que os Zombies fossem paulatinamente subestimados.

Isso a despeito da banda ter sido capaz de lançar compactos de qualidade, como She’s Not There e Tell Her No, a tentativa da gravadora em vendê-los como os Beatles da vez — com Begin Here, na verdade uma coletânea de compactos, dentro da cultura fonográfica da época — acabou resultando em frustração. Os Zombies não foram bem nas paradas já num momento em que a Invasão Britânica parecia dar mostras de que estava sendo superada até por si mesmo.

Dois anos depois, quando a estética musical do rock havia mudado de cena — mais precisamente para a Costa Oeste americana, a British Invasion começava a ficar datada. A falta de perspectiva comercial somada ao retorno inexpressivo em matérias de venda de discos faz com que a Decca se desinteressasse por Rod Argent e companhia.

Em 1967, com seus dias contados, os Zombies assinaram contrato com a CBS. O objetivo era, pela primeira vez, criar um álbum que consistisse apenas de canções inéditas. Por sua vez, o desafio era colocá-los a toda prova como uma banda capaz de realizar um trabalho impecável. O problema? O quinteto iria, de maneira paradoxal, dar o melhor de si numa situação extrema, explorando todo o seu talento num um trabalho independente.

Para tanto, alugou os estúdios da EMI em Abbey Road (seriam os primeiros a realizarem sessões no local sem serem músicos da Parlophone até então) e se dedicaram a compor o que seria o seu “Canto do Cisne” — com a devoção triste de um quinteto de cordas tocando enquanto o transatlântico afunda...

O incrível foi que os Zombies chegaram em Abbey Road e conseguram — mesmo que batendo pé — que os engenheiros de som esperassem antes de recolher o vasto equipamento utilizado pelos Beatles nos estúdios. Vale lembrar que, além do Pepper’s, o local fervilhava com a gravação do Pipes, do Pink Floyd e o SF Sorrow, dos Pretty Things.

Em parte inspirados pelo momento sublime, em parte dispostos a darem o seu melhor, o quinteto colheu a mais bela rescolta de canções que poderiam colher. A despeito da situação falimentar dos Zombies, eles puderam dar um tempo para seus problemas e gravar um álbum como se estivessem no seu auge. Esse carrossel de paradoxos é que transformou o Odessey And Oracle num momento inefável na carreira da banda.

Do ponto de vista musical, o disco entra de cabeça no tipo de pop barroco que floresceu no rock britânico a partir de meados dos anos 60, explorando elementos eruditos, de jazz, vaudeville e de trabalhos corais — principalmente por intermédio de Argent, um pianista de influência erudita. Isso se torna evidante em passagens de harpiscórdio em Care Of Cell 44 (que também não deixa de pagar tributo à psicodelia dos Beatles em Penny Lane ao ao rococó pop de Brian Wilson do Pet Sounds) ou em órgão, como em Beechwood Park.

Contudo, ao contrário de muitas bandas da época, que tendiam a realizar experimentos com Leslie speakers, tape loops, gravações ao contrário, sobreprosições de faixas em overdubs gravados em timbres distintos, música concreta (coisa que os Beatles, os Stones ou o Pink Floyd fariam — quase como precursores do space rock) o trabalho dos Zombies é essencialmente calcado nos arranjos de extremo bom gosto Bem ao estilo Collin-Blunstone, as canções tem a concisão pop no entanto elaboradas com extremo bom gosto, em arranjos complexos e, ao mesmo tempo, acessíveis.

A primeira parte foi registrada em Abbey Road. Depois de uma interrupção, onde estenderam a produção no Olympic, os Zombies voltaram à EMI para terminar o disco. Naquele ponto, os Zombies já estavam desiludidos com a repercussão indiferente do público depois do lançamento do single Care of Cell 44/Friends Of Mine; com a sensação de que seria mais uma quimera, o Odessey foi concluído numa progressão fulminante.

Já no apagar das luzes, Argent apareceu com algo totalmente diferente do que vinha sendo gravado desde então: Time of the Season. Ao contrário das canções do álbum, Time... parecia mais experimental, mais agressiva, com um teclado que a transformava num liquidificador lisérgico. Porém, naquela altura do campeonato, nem a nova música os empolgou. Blunstone não queria fazer os vocais. Depois de muita insistência, ele topou.

Odessey And Oracle foi lançado em abril de 1968. Toda a beleza do disco, que ia dos arranjos originalíssimos às letras inspiradíssimas, que versavam desde a passagem inexorável do tempo (A Rose for Emily), ao verão, a amizade (Beechwood Park), ao onírico (a apaixonada fantasia de Hung Up On a Dream, uma belíssima canção que roda junto com os versos, numa repetição circular das suas estrofes), ao lirismo ingênuo do primeiro amor (I Want Her She wants Me, This Will Be Our Year), o bucolismo de Brief Candles e a dramaticidade cênico-fantasmagórica de Butche’s Tale — que desaguam na pororoca psicodélica de Time Of The Season, que cria um contraste e uma profundidade sonora perfeita às composições mais suaves do disco.

Em Odessey, os Zombies se tornaram o perfeito exemplo de que talento não é suficiente. Como eles, muitas outras bandas experimentaram o fracesso no ápice de suas qualidades musicais. Esse (outro) paradoxo, quase um estereótipo no mundo do rock — eles não foram os primeiros e não seriam os últimos a serem incomreendidos — faltava um empurrãozinho...

— Vocês não querem lançar o Odessey nos Estados Unidos? — perguntou Kooper.


A proposta era irrecusável. Havia apenas dois problemas quase incontornáveis. O primeiro é que eles teriam que custear o trabalho de mixagem em estéreo, já que o álbum havia sido lançado na Inglaterra apenas em mono. O segundo: as sessões do disco haviam exaurido todo o estímulo do quinteto em continuar. Argent já havia criado uma nova banda. Mesmo assim, eles resolveram levar a cabo sugestão de Al.
Torraram dinheiro que eles não tinham para fazer, também de forma independente, já que o contrato deles com a CBS britânica já havia acabado. Kooper levou os masters para a América.

Como se costuma dizer, se o final foi triste, é porque não era o final ainda. O verdadeiro final sempre deverá ser feliz. E esse foi o do Odessey And Oracle. Kooper leva todos os méritos: ele insistiu para que o todo poderoso da Columbia ianque, Clive Davis, o lançasse.

Mesmo que o disco saísse por uma obscura subsidiária da CBS, a Date Records. O primeiro single foi Butcher’s Tale (a gravadora apostou na temática pacifista na letra). Mas o faro de Al estava certo; Time of The Season era a pièce de resistance do vinil. Quando saiu em compacto nos Estados Unidos — um ano depois do lançamento britânico, ela foi catapultada ao topo das paradas.

Contudo, a verdadeira pátria de Odessey And Oracle seria a posteridade. O tempo cuidou de apontá-lo como um dos pináculos do pop rock dos anos 60: um trabalho à altura dos melhores momentos dos Beatles e dos Beach Boys. Passados mais de quarenta anos, a obra-prima dos Zombies soa cada vez melhor.



Tuesday, April 10, 2018

O Último Morador do Sobrado


Sobrado dos Verissimo, em Cruz Alta

Esses dias eu reli as duas últimas partes do Arquipélago, do Erico Verissimo. e fiquei imaginando: o que teria acontecido aos personagens do romance a partir dali?


Então pensei numa história - que acabei abortando, de inventar uma história de um repórter quem, movido por pura curiosidade, depois de encontrar uma nota dando conta de que o sobrado de santa Fé havia sido tombado finalmente, no final dos anos 90, com a morte de Sílvia Cambará, a última moradora do casarão.

enviado à Santa Fé, ele descreve a cidade como se encontra hoje. Não muito diferente das cidades do interior do Rio Grande. Na verdade, acho que o Erico quis dar à Santa Fé, assim como em Antares, fumos de pequena metrópole, algo que é difícil de conceber, ainda mais naquela região serrana do estado. Para tanto, basta ver a cidade que tem duplicidade com a dos personagens de O Tempo e o Vento: Cruz Alta. Apesar dos pesares, ainda é uma cidade pequena, cuja inanição permitiu que muito do casario permanecesse, principalmente naquela região próxima à antiga estação de trem, com suas ruas fatigadas e sobrados de telhados avoengos.

O repórter chega à Santa Fé. Descobre que o Clube Comercial, o Schintzler e a Casa Sol ainda existem, porém sob nova direção. O cinema é agora uma igreja evangélica. O busto de Lauro caré, da praça, foi levado com todo o bronze. Já a herma de d. Revocata ainda está lá, contudo sem o óculos, que foi arrancado, por pura diabrura de algum moleque.

Ao deparar-se diante do sobrado, ele percebe que o prédio está bem preservado, porém fechado há tempos, desde a morte de d. Sílvia. Como acontecera com as outras moradoras do casarão, D. Bibiana e D. Maria Valéria, Sílvia viveu muito tempo. Conversando com vizinhos, descobriu que o atual responsável pelo prédio é um filho dela, um certo Licurgo, que mora na antiga fazendo de seu Babalo. Marcam um encontro no dia seguinte, ali mesmo.

O repórter fica admirado ao entrar no casarão: tudo está preservado. Tombado, o prédio iria destinar-se a ser museu — explica o único filho de Sílvia. No entanto, não há verba estatal. Enquanto a situação fica em compasso de espera, o sobrado dorme seu sono secular de móveis cobertos por lençóis — inclusive o hierático retrato do dr. Rodrigo Cambará, que parece um fantasma de tempos passados.

Que fim levou os Terra Cambará, pergunta o repórter. "Papai morreu campereando, caiu do cavalo", revela Licurgo. segundo ele, isso foi quando ele ainda era criança. "Mal conheci papai", diz. Licurgo conta que Irmão Toríbio foi para Santa Maria, onde virou professor marista, viveu lá por muitos anos, onde morreu. Tio Bicho adoeceu e foi para Porto Alegre. Dali em diante, não se sabe o que aconteceu. dizem que foi parar no São Pedro.

E Floriano? "Foi para o Rio com D. Flora. Depois que ela morreu, ele assumiu a direção do Departamento de Assuntos Culturais da Organização dos Estados Americanos, em Washington, onde passou o resto da vida". O filho de Jango conta que, porém, ele esteve em santa Fé no final dos anos 50, especialmente para escrever a continuação daquele livro sobre a história da família. "Foi a última vez que mamãe e tio Floriano se encontraram", revela.

Depois da morte de Jango, Sílvia ficou sozinha. Acabou tornando-se a última senhora do sobrado. O neto do dr. Rodrigo explica que, com o tempo, era difícil para uma pessoa só dar conta do sobrado inteiro. "Depois da morte do vô Rodrigo, a família foi se desintegrando", revela. "Parece que o Sobrado, que foi um esteio da família, tinha a vocação de um útero vazio. D. Bibiana tanto sonhou com uma família que enchesse o sobrado, mas esse prédio parece ter a vocação do abandono", entende.

Ele conta que, na verdade, ele passou a viver e cuidar do Angico, até que se viram obrigados a vender as terras. "Lembra da quele menino que era bom em matemática, que mamãe menciona no diário do livro do Tio Floriano, de quando ela dava aulas aos moleques do Angico?". Respondi que não. "Pois ele cresceu, virou doutor e fixou rico, acabou comprando o Angico" diz. Licurgo explica que sacrificar a estância foi a forma de preservar o resto. Ele herdou as terras do seu Aderbal, mas Sílvia não quis arredar pé do Sobrado.

D. Sílvia viveu os últimos anos como Hiroo Onoda, aquele soldado japonês que, finda a guerra, continuou lutando. Porém, o seu combate era a preservação do Sobrado. Ela sabia que, como D. Bibiana, a sobrevivência do prédio dependia dela. "Certamente que, se não fosse por ela, o sobrado já havia sido demolido e transformado num estacionamento ou coisa parecida", diz o último morador do Sobrado. "Ela me dizia que D. Maria Valéria lhe contara da história daquele terreno, e do esforço sobre-humano que D. Bibiana empreendeu para que o casarão ficasse com os cambarás".

"Falando nisso, e D. Maria Valéria?", quis saber. "Ela viveu mais um ano depois da morte do vê Rodrigo", disse Licurgo. "Curiosamente, ela e o seu José Lírio, o Liroca, morreram no mesmo dia, curioso, não?". De fato, por essa nem o Erico Verissimo imaginaria...