Monday, February 08, 2021

O Homero do Futebol

 

Mário Filho durante a construção do Maracanã, em 1949

Instigado pela polêmica em torno da virtual mudança do nome do Maracanã, nosso repórter foi pesquisar a história em torno daquele que dá o nome ao antigo Estádio Municipal, inaugurado em 1949, às vésperas da Copa do Brasil de 1950: Mário Rodrigues Filho. Quem foi ele, afinal? Quando o editor jogou a pauta no seu colo, ele ficou espantado. Não sabia nada de quem era Mário Filho.

 No acervo de jornais, descobriu que quem teve a idéia de homenagear o jornalista foi de Waldir Amaral. Ele achava que, mais do que um busto, ele merecia ser nome do estádio. Afinal de contas, leu o repórter num artigo de fundo, escrito anos após sua morte: “Mário foi o idealizador não apenas do Maracanã como de todo um contexto esportivo e cultural e de toda uma economia do desporto brasileiro que permitiu que a primeira Copa depois da Segunda Guerra Mundial viesse para o Brasil. Sem ele, não haveria estádio, nem copa, nem nada. Nem imprensa esportiva nos moldes que conhecemos hoje”.

Foi procurar algo a respeito de quando houve a mudança do nome do estádio. Descobriu nas páginas de O Globo: viu que, mesmo separado de Mário há anos, Roberto Marinho, patrão de Amaral na Rádio Globo, apoiou a campanha. O radialista contatou também o Marechal Mendes de Morais, então prefeito do Rio na época da construção do estádio, e os então líderes da Arena e do MDB, os partidos da época na Câmara. Raul Brunini e Jamil Haddad, líderes respectivamente das duas agremiações partidárias na Câmara do distrito federal nos anos 1960. Ambos propuseram a moção e a Assembléia a aprovou por unanimidade. Em menos de um mês após a morte de Mário Filho, em setembro de 1966, o Maracanã passava a ser denominado Estádio Mário Filho – nome que Nelson Rodrigues orgulhosamente ostentava sempre em suas crônicas, chamando o Municipal de “ex-Maracanã”.  

  Ao pesquisar, nosso repórter descobriu vários detalhes.

Descobriu que Mário Filho começou no jornalismo na redação de A Manhã, em 1926. O rapaz assinava uma página, intitulada Espírito Moderno, que abria espaço para suas divagações literárias, embora contasse com colaboradores, como Ronald de Carvalho e Orestes Barbosa. Porém, do nada, ele desistiu de qualquer arroubo de jornalismo cultural e resolveu abraçar a editoria de esportes no ano seguinte. Até então, a editoria não existia na imprensa: quem eventualmente cobria o setor, o fazia por sua conta e risco – muitas vezes quase pagando para trabalhar ou dependendo de terceiros, até auxílio dos próprios clubes.

Com Guevara em A Manhã, até 1928 e. depois, em Crítica (de seu pai), Mário Filho iria transformar a seção de esportes numa editoria que puxasse as vendas de um jornal. Além de qualquer formalismo, ele diminuiu a distância entre os clubes e o torcedor. Ao invés de dizer solenemente Clube de Regatas Flamengo, dizia “Flamengo”; ao invés de uma foto posada de um escrete da Capital Federal, ele publicava o joelho estourado de um jogador. Também acabou com as palavras em inglês. O jogo não era mais “match” e a lateral também deixava por decreto de ser “offside”, e por aí vai.

Desempregado com o empastelamento de Crítica, com conseqüência ao apoio do jornal de seu pai à Washington Luís e ao seu candidato em 1929, o paulista Júlio Prestes, Mário Filho encontraria esteio na redação do recém fundado O Globo, jornal de Roberto Marinho. Para poder empregar seus irmãos, Nelson, Joffre e Mílton, fundou o efêmero Mundo Esportivo. Ele duraria menos de um ano, mas seria responsável pela divulgação do primeiro concurso de escolas de samba no Rio de Janeiro. O futebol ainda não conseguia arrebatar mentes e corações numa publicação diária.

 No entanto, como se sabe, o Carnaval é uma obsessão diária do carioca. Mas, naquela época, ainda não era. Com o tempo, o samba seria a matéria-prima de O Mundo Esportivo e iria divulgar as nascentes escolas, como Mangueira, Estácio e Portela, que desciam o morro e iam desfilar na Praça Onze. Promovido pelo jornal, a Mangueira seria campeã do certame, com um tema do jovem e desconhecido Cartola. O sucesso da iniciativa fez com que o concurso fosse posteriormente encampado pela Prefeitura. No ano seguinte o Mundo... não mais existia (durou apenas oito meses). Mesmo assim, Mário Filho levou a promoção das Escolas de Samba para O Globo. E o resto é história.

No jornal de Roberto Marinho, Mário Filho empenhou-se numa campanha sem quartel em favor do profissionalismo no futebol. Até então, havia uma cisão bizantina entre os que postulavam a profissionalização ampla, total e irrestrita. E aqueles que defendiam que tudo ficasse como dantes no quartel de Abrantes. Uma entrevista com Russinho, do Vasco, provocou o debate. O jogador reclamava que, a despeito de receber dinheiro, era pouco para a subsistência dos atletas. A polêmica dividiu os clubes: os que eram a favor, criaram uma liga específica. Logo, surgiriam duas, a em favor dos “profissionais” e outra, encabeçada pelo Botafogo, defendendo o amadorismo. Para o ranger dos dentes dos ludistas, a marcha do tempo provou que o único caminho era a profissionalização.

Defendendo a primeira liga, Mário Filho logo se transformaria em celebridade. Participava de todos os eventos esportivos da cidade, entrevistando atletas e dirigentes. Montou seu quartel general no Café Nice, no centro, ao lado de O Globo. Mário pagava a bebida e levava no bolso as entrevistas para a redação. Na mesma época, meados dos anos 30, ele passaria a promover a rivalidade Fla-Flu. Através da imprensa, fustigava os torcedores de Flamengo e Fluminense a se auto-promoverem num campeonato, promovido por O Globo. O melhor torcedor ou a melhor torcida concorreriam a prêmios. Logo, cartazes, flâmulas e bandeiras, charangas, bumbos e camisetas coloridas iriam ganhar ruas e avenidas.

Quando o tema futebol minguava, Mário Filho partia para outros esportes, do boxe até o então incipiente automobilismo. O Circuito da Gávea, então totalmente subestimado (e perdido na Lagoa ainda desabitada), foi agendado nas páginas de O Globo. Em 1934, depois da primeira prova, o jornal cozinhava o assunto aos poucos. Na data da corrida, o resto da imprensa se via obrigada a cobri-la. Mário soube planejar a pauta e cobrir o evento em todos os detalhes, tirando várias edições especiais. O sucesso foi grande o suficiente para que a prova de 1935 levasse mais de 200 mil almas empolgadíssimas para a Gávea.

Em 1936 surgiu a oportunidade de comprar o Jornal dos Sports. Argemiro Bucão queria vendê-lo. Confiando no taco de Mário Filho, tão bom na imprensa quanto na mesa verde, Arnaldo Guinle e José Bastos Padilha sabiam que ele saberia fazer a publicação deslanchar. Cada um entrava com uma parte no negócio – o resto ficaria por conta de Roberto Marinho que, além de acionista, encamparia o projeto, rodando o jornal nas mesmas oficinas de O Globo.

No fim dos anos 1940, com as campanhas e o Jornal dos Sports, Mário Filho era o maior cronista de futebol no Brasil. Mais do que isso, ele era o seu sociólogo, o seu historiador. Em suas colunas, amiúde Nelson Rodrigues chamava seu irmão de “Homero do futebol”. Mais do que homem de imprensa, ele era um agitador cultural: se não houvesse notícia, ele “inventava” a notícia. Criava campeonatos, conclamava multidões aos eventos que promovia, sempre com gente “dependurada até no lustre”, como diria o autor de Vestido de Noiva.

Nosso repórter descobriu, pálido de espanto, como no soneto de Bilac, que Mário Filho era maior do que a vida. Como diz Ruy Castro, sua presença não sabia mais nos estádios, nas redações. Era um mandarim – um ministro sem pasta. Todos iam pedir a sua opinião, de cartolas até a própria direção da CBD (antiga Confederação Brasileira de Desportos). Muito antes de Juca Chaves dizer que o futebol era o ganha-pão de imprensa, o irmão de Nelson fora aquele que pôs o ovo de Colombo de pé. Para cobrir a Copa de 1938, na França, Mário praticamente encampou a Radiobrás. Entrevistava por telefone jogadores e treinador. Com farto material, sempre anotado estenograficamente à lápis, ele tinha material de sobra para edições e mais edições de seus espaços tanto no Jornal dos Sports quanto em O Globo, que agora também contava com um suplemento, o Globo Sportivo. Exemplares vendiam mais que Chica-Bon na arquibancada do Maracanã.

O suplemento, mais do que inspirado nos tablóides portenhos, tinha em suas hostes o caricaturista argentino Lorenzo Molas. Ele seria o criador dos símbolos dos clubes cariocas: o Popeye rubro-negro, o Pato Donald botafoguense e o diabo do América, entre outros. Na coluna Da Primeira Fila, Mário Filho destilava sociologia: compunha desde perfis de grandes craques até histórias, como a do futebol brasileiro ou a do Flamengo – seu clube do coração entre quatro paredes. Foi  a partir destes ensaios que, em 1947, ele publicaria a sua Casa Grande e Senzala em chuteiras – O Negro no Futebol Brasileiro.

Em 1949, às vésperas da Copa do Brasil, se separaria definitivamente de Roberto Marinho, sendo agora o meneur du jeu do Jornal dos Sports. Nessa época, concebeu os Jogos da Primavera. O evento, que duraria até 1972, foi uma espécie de olimpíada carioca que envolvia desde escolas até clubes, atraindo toda a população para o esporte. Todo setembro era dedicado ao evento, dedicado a todos os esportes excto os profissionais – e que ocorria sempre no Estádio São Januário. Por incrível que pareça, os Jogos eram bancados inteiramente por Mário Filho. Ele pensava que, se dependesse de um presidente, iria depender de todos. E se algum deles se recusasse a ajudar?

Segundo a política de pautar o calendário de esportes, Mário propôs a criação de um interestadual entre Rio de Janeiro e São Paulo. A idéia era a de ocupar espaço na entressafra dos estaduais. Em 1950, foi criado, por sua iniciativa, o Torneio Rio-São Paulo, depois incorporando clubes do Sul e de Minas, chamado de Roberto Gomes Pedrosa – embrião do Brasileiro. A homenagem ao ex-dirigente do São Paulo foi, de certa forma, um meio de açodar os clubes paulistas a topar a parada. Estes, por sua vez, gostaram tanto da idéia que praticamente amealharam todas as taças até 1957, quando o Fluminense quebrou finalmente o jejum dos cariocas. Outra glosa de sua cepa foi a Copa Rio – um campeonato que atrairia também clubes do exterior, como  Juve, o nacional do Uruguai e o Estrela Vermelha.

Dessa forma, Mário Filho preenchia o ano com desportos. No começo, em fevereiro, acontecia a Rio-São Paulo; em julho, a Copa Rio. A partir da segunda metade do ano, havia os Jogos da Primavera e o Campeonato Carioca. Como resumiu Ruy Castro, criar competições era uma maneira inteligente de vender jornal. Mesmo que Mário se pautasse por seus próprios interesses, por tabela, suas idéias acabavam ajudando o resto da imprensa que, no fim das contas, também lucrava com a respectiva cobertura desses eventos.  A Copa Rio, mesmo que tenha durado pouco (dois anos), foi um choque cultural: até então, os clubes brasileiros não tinham pensado em numerar as camisetas. Foi em 1949, na partida entre Arsenal e Fluminense, que um time daqui se fardou com número às costas.

Mas o grande legado de Mário Filho ao desporto foi o Maracanã. Era preciso um estádio para mandar os jogos da Copa de 1950. Na Câmara do Rio, a proposta de erguer o campo no Maracanã enfrentava resistência da bancada da UDN, na figura do vereador Carlos Lacerda. Para ele, o estádio devia ser construído em Jacarepaguá, área que, de acordo com a visão do polêmico edil, então ainda um jovem político em ascensão, a cidade iria caminhar no futuro. Lacerda ganhava adeptos à medida que afirmava que seria irônico construir uma obra faraônica ao lado de um hospital não terminado na região. Mário Filho respondeu pela imprensa: “quanto mais estádios de futebol, menos precisaremos de hospitais”. Contudo, ele ia fazer o chope da oposição virar água quanto trouxe para suas tropas frescas o também udenista e flamenguista fanático Ary Barroso e Luis Galotti, ministro do Supremo. A tese do Municipal no bairro do Maracanã venceu: enquanto isso, Mário iniciou campanha para vender cadeiras perpétuas do estádio. A Prefeitura quis dar uma cadeira para ele; Mário fez questão de pagar a sua com dinheiro do próprio bolso. Para o resto da vida, ele seria chamado de “O namorado do Maracanã”.  

Mário era figura constante na tribuna de honra do Municipal – sempre de terno e gravata, com um charuto, suas sobrancelhas de “vilão de cinema mudo” e um exemplar do Jornal dos Spots no bolso do casaco – sempre comprado na banca, como fazia questão de fazer. Flamengo entre quatro paredes, publicamente ele era um homem ecumênico: transitava com dirigentes, torcedores e gente de todos os clubes – muito embora, consciente ou inconscientemente sempre deixava rastros ou atos falhos de seu ‘rubro-negrismo’ no seu cotidiano. Isso ia desde panegíricos ao clube de Gávea em sua coluna até sua confraria permanente de amigos notoriamente rubro-negros, como Ary, Fadel Fadel, Gilberto Cardoso e José Lins do Rego.

Em 1955, conseguiu dois sonhos inusitados. O primeiro foi convencer Adolfo Bloch a lançar a Manchete Esportiva. O segundo foi trazer para a redação seus irmãos, Paulinho, Augusto e, é claro, o tricolor Nelson Rodrigues. Ainda colocou na publicação Ney Bianchi e outro pó-de-arroz, Ronaldo Bôscoli. Manchete Esportiva não foi um tremendo sucesso – era difícil atrair anunciantes: era vencedor embora apenas dentro das suas quatro linhas. Mas serviu para que Nelson, que até então limitava-se ao teatro e o folhetim à crônica policial com A Vida como ela É... passasse a militar nas hostes da crônica esportiva, e para sempre (e hoje sendo mais lembrado que seu irmão). Profético, nas páginas da manchete Nelson Rodrigues seria – ele sim, o arauto, ou melhor, o Homero da vitória maiúscula do escrete brasileiro na Suécia. Para ele, o teórico do “complexo de vira-latas” que se instaurou no ethos brasileiro após o Maracanaço, 1958 enterraria de vez o sapo psicológico da Copa do Brasil. “Somos heróis de esporas e penacho”, bradava, com o olho rútilo e o lábio trêmulo enquanto a Seleção voltava com a flamejante Jules Rimet para o Brasil.

Nesse ritmo, com muito engenho e arte, Mário Filho moveu mundos e fundos para a Copa de 1966. Pôs o coração na ponta de chuteira: importou toneladas de papel, investiu em novas máquinas para o jornal, montou uma grande equipa para testemunhar o tri. Não fora nas conquistas anteriores, em 58 e 62. Agora, apostou todas as fichas, toda sua vida e sua reputação.  

Foi, viu e não acreditou. Irreconhecível, mesmo com Pelé e Garrincha, o escrete não passou da fase de classificação A crônica acusava o time de velho e medroso e o que era pior, desentrosado. No último jogo, havia jogadores que sequer haviam jogado um único e escasso rachão juntos. A campanha do tri foi adiada para dali a três anos. E Mário Filho, como um Moisés que não pôde entrar na terra prometida, morreu bem antes do México e dois meses após a débâcle nas terras inglesas. Seu coração o deixou na mão: fora o primeiro e fulminante infarto, na madrugada do dia 17 de setembro.

Além de O Negro no Futebol Brasileiro, História do Flamengo e Viagem em Torno de Pelé, Mário Filho tem ainda toda uma produção jornalística ao longo de mais de trinta anos de carreira ainda por ser descoberta. Mais: quando se fala que o jornalismo de comunicação ou o jornalismo comercial encontrou seu caminho além do gênero político, a partir do século 20, é importante salientar a importância da própria popularização do futebol nesse processo, principalmente a partir dos anos 1940 e das formas pelas quais a imprensa soube agendar essa pauta a seu favor. Se no caso brasileiro, isso teve um começo, esse começo foi a partir da atuação de Mário Filho no campo jornalístico, a partir dos anos 1930.

Depois da pesquisa, nosso repórter começou a redigir o texto, catando milho pacientemente em sua Remington, sob a luz de archotes. Lembrou que foi interpelado pelo responsável pela seção do arquivo de jornais. O homem, como olho rútilo e lábio trêmulo, disse: “meu amigo, a falta de memória do brasileiro – que, como dizia Millôr, a cada vinte anos esquece o que aconteceu nesses vinte anos, certamente ajudou a enterrar de vez a imagem de Mário Filho como o Homero do futebol, do desporto e da imprensa esportiva brasileira. Aliás, seria injusto dizer que aqui não existe memória: ela só é reativada a partir de interesses de ocasião ou por revisionismo puro e irresponsável”.

 

Referências:

CASTRO, Ruy. O Anjo Pornográfico. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.      


Friday, February 05, 2021

Conto de Verão



Vinha em enorme velocidade pela Freeway, voltando de Torres. Estava atrasado, era domingo de noite e ele pegava o serviço segunda pela manhã. Havia deixado a família na praia e iria passar a semana sozinho em Porto Alegre, como em todos os seus janeiros.  A noite era quente e sem nuvens e com uma enorme lua branca. A claridade permitia que ele pudesse enxergar perfeitamente a lagoa em todos os seus detalhes noturnos, as luzinhas distantes de casas ao longo da paisagem. Pensava na sua temporária vida de solteiro no verão. De repente, vê na distância um vulto, uma pessoa. Era uma mulher. Uma mulher sozinha na beira da estrada no meio da noite, àquela altura da estrada, completamente isolada de qualquer cidade – a quilômetros de Osósio, longe demais de Santo Antônio. 

E lá estava ela. Parou o carro ao lado da moça. Perguntou: “boa noite, moça. Aconteceu algo? A senhorita está sozinha aqui no meio do nada, e a essa hora?”. À princípio, ela não falou nada, ficou olhando fixamente o perplexo motorista. Olhou para o carro, e voltou a olhar para o homem. Parecia completamente distraída. E estava ali. Não parecia estar indo ou vindo de algum lugar. “Sabe que é meio perigoso ficar aqui a essa hora, ainda mais uma moça tão bela?”. Ela respondeu: “me deixaram aqui. Os carros em geral não param, os ônibus também, tu irias passar a madrugada perdida aqui.Além do mais,a essa hora, não temmais carro para a capital”. 

Ele respondeu: “bem, os ônibus que pegam passageiros na estrada passam por outro caminho, de Osório a Santo Antônio. E as pessoas não dão carona aqui na Freeway. Arriscava tu seres descoberta por uma patrulha Polícia Rodoviária e tomares um chá de banco lá com eles”. 

Examinava a moça, impressionado com sua beleza. Parecia uma moça fresca a inocente e antiga, como a Debbie Reynolds em Flor do Pântano. Isso, parece a Debbie Reynolds em Flor do Pântano. E ela era branca, pálida e usava uma roupa de inverno em pleno verão. “Você ia para Porto Alegre?”, quis saber. “Sim”, a moça respondeu. “Bem, então venha, eu posso te levar”. Ela entrou na carona. E seguiram viagem. Ela não dizia palavra, apenas olhava para a janela. 

Ele puxava conversa, e ela respondia com muxoxos. Em determinado  momento, eles passaram a trocar olhares. Numa  progressão fulminante, eles se beijaram. O avoengo perfume da moça embriagou o homem. Ela se deixou levar aos braços dele.

No meio da madrugada, eles acordaram. Era quase cinco da manhã, e já era quase dia. Incrédulo, ele mal podia acreditar. Mal havia largado mulher e filhos em Torres e já se sentia um Lorde Byron, um Don Juan. Eles chegaram à Porto Alegre, percorreram a Castelo Branco. O carro desceu o acesso e pegou o viaduto da Conceição. “Querida, eu vou te deixar em casa, pode ser?”. Ela olhava o cais e o Guaíba escuro pela janela do carro como se fosse a primeira vez. “pode subir a Azenha, por favor”. 

Ele saiu do viaduto, pegou a Sarmento,  a alça de acesso è João Pessoa e desceu a avenida até a ponte da Azenha. “E agora?”, quis saber ele. Muito séria, ela olhou para a frente e apontou. “pode seguir reto e subir essa lomba. “Meu Deus, acho que ela deve morar na Glória ou na Zona Sul, certamente vou me atrasar”, pensou. E subiu a Oscar Pereira. Quando o carro subia macio a avenida, em frente à Santa Casa, ela disse: “pode parar aqui”. Ela agradeceu, saiu do carro. “Como assim aqui?”, respondeu o perplexo Don Juan. “É que eu moro aqui.Você pode me visitar aqui sempre que quiser.Muito obrigado pela carona”.

Então deu-lhe um último beijo – frio como o éter – atravessou o pórtico do cemitério e desapareceu por entre os túmulos.


Tuesday, February 02, 2021

Carlos Imperial e O Mundo dos Brotos


Coluna de Imperial na Revista do Rádio

A respeito da relação da juventude dos anos 1960 com os meios de comunicação de massa, Zuenir Ventura diz que ela teve uma cumplicidade com a cultura do livro e do jornal que a popularização de um meio como a televisão não permitiria depois.

A geração de 68 talvez tenha sido a última geração literária do Brasil - pelo menos no sentido em que seu aprendizado intelectual e sua percep­ção estética foram forjados pela leitura. Foi criada lendo, pode-se dizer, mais do que vendo. As moças e rapazes de então já começavam a prefe­rir o cinema e o rock, mas as suas cabeças tinham sido feitas basica­mente pelos livros (VENTURA, 1988, p.33).

Para ele, ela era a geração do rádio, da música e do cinema. Se existia a televi­são, ela ainda representava um complemento ao jornal, às revistas e aos livros. Para ele, mesmo eventos como os festivais da canção ou a Jovem Guarda ainda estavam subordi­nados àquela lógica da cultura escrita. Ventura entende que os ídolos da juventude da época não eram televisivos, mas musicais. A televisão, ao contrário do que afirmava o cronista Stanislaw Ponte Preta, que a acusava de ser “máquina de fazer doidos”[1], se­gundo ele não exercia a influência que se veria uma década depois. Pra ele, naquele tempo, a cultura escrita vinha antes. A televisão ainda vinha depois, mais como uma espécie de veículo de cobertura (VENTURA, 1988, p.33).

A história do jornalismo musical se confunde com a história da fonografia no Brasil[2]. Já em 1904, se tem notícia de publicações como o Phonographo (1903) a Re­vista Musical (1920-24) e Phono-Arte (1928-31). O que estas revistas têm em comum é a curta duração. Destas, a última teria sido pioneira em matéria de crítica musical. A primeira de fato destinada a crítica especializada foi a Revista de Música Popular (1954) (SBERNI JÚNIOR, 2015, pp. 17-19). Contudo, como salienta Marcelo Garson (2013), nessa época, a música gravada ainda representava um alto investimento e de retorno incerto. Em geral, diz o autor, discos e vitrolas tinham seu consumo restrito por conta do preço. “Os custos disparavam quando se tratava de lançamentos internacionais, pois muitos selos estrangeiros, especialmente os norte americanos, não possuíam repre­sentação nacional” (GARSON, 2013, p.8). Apenas com o desenvolvimento de um mer­cado mais desenvolvido, somada a progressiva popularização do rádio que iriam surgir publicações de grande demanda, como a Revista do Rádio (1948-1970).  Editada por Anselmo Domingos, a publicação se mostraria de grande popularidade, rivalizando com O Cruzeiro (HAUSSEN, 2001, pp. 2-4). Também marcaria época a coluna de fofocas Mexericos da Candinha[3]. Em sua última fase, ela também daria espaço a atrações de televisão. Embora destinada a cobrir a vida dos artistas, esta publicação possuía uma seção de lançamento de discos e parada de sucessos. Embora a música de Carnaval fosse a tônica da Revista do Rádio, nos anos 1960 ela já contava com uma coluna de música jovem, O Mundo é dos Brotos. Assinada por Carlos Imperial,[4] (assunto que será abordado mais adiante), a seção fazia uma resenha do mundo das celebridades do mundo do rock e publicava uma parada semanal, com os discos mais vendidos nos Es­tados Unidos, França, Itália e Inglaterra. Em sua coluna da edição nº 644, de janeiro de 1962, Imperial comenta com otimismo a popularização do rock entre a juventude da época:

O BROTO, atualmente está bem servido de programas. Existe um número grande de programas destinados à Juventude, é a maior prova de que, ao contrário do que pensam, o Rock e os ritmos da Juventude em geral estão cada vez mais fortes e seus adeptos cada vez mais prestigiados. Concordamos, sim, que o rock deixou de der novidade jornalística, caindo no esqueci­mento das manchetes. Mas a sua torça continua poderosa e basta ver a audiência dos programas destinados aos brotos para termos uma idéia da verdade (REVISTA DO RÁDIO, 1962, p.28).

Com linha editorial, a Revista de Musica Popular (1954-56) investia no leitor discófilo: de acordo com Tânia Garcia, o objetivo da Revista da Música Popular era “estabelecer os cânones, as balizas para se diferenciar a música popular de ‘qualidade’ daquela cada vez mais massiva, veiculada pelos meios de comunicação e aplaudida pe­los fãs ouvintes” (GARCIA apud SBERNI JÚNIOR, 2014, p.19).

Ela seria precursora de outro publicação semelhante, a TV Intervalo (1963) po­rém, com antecipa seu nome, destinada ao mundo da televisão. Ao analisar a Revista do Rádio, Sberni Júnior entende que era uma publicação mais para “ser vista do que lida”. Do contrário, TV Intervalo, dada suas dimensões e abordagem resumida e “objetiva” e sucinta dos fatos, parecia mais para ser lida do que vista. Com foco maior na produção textual, a partir de meados dos anos 1960, ela daria amplo espaço para o público jovem, com a explosão do iê-iê-iê, a popularização dos festivais da canção e o sucesso nacional do programa Jovem Guarda, da TV Record. Na mesma época, a Editora Abril iria in­vestir em jornalismo musical (e juventude) em outras publicações da editora, como a Realidade (1966) e a Veja (1968). 

Marcelo Garson (2017) fala que o rock, inicialmente tratado como uma moda passageira e que psicanalistas entendiam como um momento de rebeldia da juventude em todas as épocas que, sempre à busca de exotismos e de enfrentamento à autoridade, “sempre buscava aparecer”. No entanto, o gênero resistiu às expectativas que o enten­diam como apenas uma bolha, ou apenas um tipo de dança da moda. Segundo ele, a chegada do rock no Brasil[5], em 1955, fez com que a editora da revista Eu Canto, Jea­nete Adib, publicasse um número especial sobre a nova moda no Brasil. O sucesso da edição permitiu o surgimento da primeira publicação especializada ao gênero no Brasil, a Revista do Rock (1960-1965).

 Ele chegou às bancas em abril de 1960, com trinta páginas em tiragem mensal. Apesar de dedicar apenas cerca de um quinto a matérias, ela teria conseguido atrair lei­tores além do Rio e Janeiro. Segundo ele, assim como na coluna de Imperial na Revista do Rádio, o apelo dos editores era no imaginário dos fãs, em detrimento de quaisquer análises a respeito das canções ou dispensando abordagens de ordem técnica sobre gra­vações, por exemplo. Garson entende que mesmo que por parte dessas publicações hou­vesse interesse em divulgar o rock e demarcar fronteiras entre repertórios, o gosto pela cultura dos “olimpianos” (MORIN, 1984, p. 106) [6] do campo do rádio ainda coexistia. Tal fenômeno pode se explicar pelo fato de que, de certa forma, no final dos anos 1950, a cultura do rádio ainda trazia emanações do antigo culto às estrelas do cinema, também presentes em tais publicações, o que, de certa forma, corrobora a afirmação de Sberni Júnior, de que uma publicação como a Revista do Rádio era mais para ser “vista do que lida”.

Quanto à imagem de juventude constante nas matérias, Garson aponta para a falta de autonomia do discurso jovem, cujo prazer possível está enquadrado e contro­lado “dentro das normas do mundo adulto”.  Contudo, nestas primeiras revistas do rock, o autor observa um diferencial: o consumo atomizado de ídolos jovens se integrava a uma rede afetiva específica, e tais práticas íntimas e individuais ganhavam um caráter coletivo à medida que a revista estabelecia essa nova comunidade de gosto. Ao dialoga­rem com outros agentes, elas negociavam seu respectivo capital cultural, definindo có­digos e hierarquias próprias àquela comunidade de leitores – disputa simbólica ostensi­vamente mediada pela publicação (GARSON, 2017, p. 204-5).  O autor anota que a grande mudança empreendida a partir de publicações pioneiras em segmento jovem como essa reside numa nova abordagem, cuja formação de uma identidade e autonomia ainda estavam em construção. Tais estratégias, salienta, conformavam uma massa dis­persa de ouvintes e fás cada vez mais num grupo coeso e disposto de maneira ordenada e hierarquizada. Para ele, experiências como a da Revista do Rock foram importantes para o estabelecimento de uma cultura – no caso, uma cultura jovem no Brasil. “Ao longo do processo, a revista se esforçava por deixar claro o seu nicho de mercado espe­cífico” (GARSON, 2017, 204).

Ao analisar os movimentos de transição da cultura jovem ao longo dos anos 1960, Marcelo Garson entende que a novidade do “moderno” no rock, à medida que foi se adaptando às indústrias culturais do Brasil, ela chegou a um estágio de “tradicional”. Nesse momento transacional, diz ele, é o jovem quem vai articular a idéia de conserva­ção às mudanças. Nessa trajetória da música jovem, o moderno se dará mais por uma questão de reivindicação estética. Garson entende que tanto Antônio Aguilar quanto Carlos Imperial compartilhavam da mesma visão de juventude como representação: para ambos, a “construção de uma ideia de música jovem em bases profissionais estri­bava-se -se mais na acomodação, estilística e simbólica, do que na “ruptura radical” (p,207). Nesse sentido, o status de representação estética se assentava numa acomoda­ção que era mais uma reserva estratégica dentro do campo do jornalismo musical. À medida que demais agentes de outros campos, o musical, o da indústria fonográfica, audiência, produtores, artistas, reconheceram-se como partes de uma totalidade que, se até 1965 pertenciam a um nicho de mercado restrito. Nesse momento, porém, o impulso provocado pela Beatlemania[7], de acordo com Garson, fez com que tais agentes acreditas­sem que um fenômeno de juventude em larga escala poderia conquistar um espaço ao redor da televisão: “A música jovem chegava ao mercado massivo. Era o iní­cio da Jovem Guarda” (GARSON, 2017, p.190).

Se a Revista do Rádio representou um marco na conformação de um segmento musical jovem na mídia impressa, se faz necessário também destacar a importância de Carlos Imperial[8] como agente definidor o segmento que começava a se consolidar no Brasil a partir do final dos anos 1950. Em sua coluna O Mundo dos Brotos, publicada semanalmente na Revista do Rádio, ele foi responsável por “divulgar as tendências in­ternacionais do mercado jovem”, além dos artistas e eventos produzidos por ele mesmo a partir do Rio de Janeiro. Mais que uma coluna de fofocas à moda da Revista do Rádio, O Mundo é dos Brotos operava, de acordo com Marcelo Garson, como uma grande “cartografia da música jovem, apresentando os agentes – cantores, produtores, apresen­tadores, empresários – e instituições – gravadoras, rádios, casas de shows – que compu­nham esse universo” (GARSON, 2017, p.195).

Como agitador cultural, movendo-se com a Revista do Rock, como ‘estrategista’ no campo da música, para o autor, Carlos Imperial seria um agente “ponta de lança de um nicho de profissionalização e recrutamento de cantores estreantes, além de um canal de contato destes com a audiência, que, organizada em fã-clubes, conferiu materialidade à própria noção de música jovem em emergência” (GARSON, 2017, p. 187). Marcelo Garson destaca Imperial como um dos poucos comunicadores de público jovem que realmente acreditou ser o rock algo mais do que moda passageira. Segundo ele, através de sua coluna na Revista do Rádio, o jornalista ajudou a definir simbolicamente um es­paço, “produzindo a crença em um novo padrão de sucesso musical (idem, p. 193). Sempre em contato com o que acontecia no mundo do pop fora do Brasil, o colunista articulava toda uma rede de promoção e de contados envolvendo artistas, gravadoras e público. Para Garson, mais do que orientar o meio musical como signo de identidade para os jovens, ele usou esse circuito para lançar novos talentos.

Quatro anos antes de estrear como colunista em O Mundo é dos Brotos, Imperial já tinha uma carreira consolidada na televisão: em 1957, foi de contra-regra a apresenta­dor de um quadro no programa Meio-Dia da TV Tupi, intitulado Clube do Rock. Com o sucesso do quadro, em 1961, o jornalista ganharia um programa semanal, Festival dos Brotos, todos os sábados, às 19 horas, também pela Tupi. Na mesma época dividia o trabalho na televisão com um programa diário na Rádio Guanabara. Em seus programas, Imperial já arregimentava novos talentos muitas vezes oriundos dos subúrbios do Rio – entre eles, Roberto Carlos e Renato e seus Blue Caps. Em novembro daquele ano, ele passa finalmente a assinar a coluna na Revista do Rádio. Para Garson, O Mundo é dos Brotos foi responsável por construir em sua órbita uma idéia de música jovem que iria conectar produtores, artistas e leitores. Dispensando maiores análises, a coluna buscava contato direto com o leitor médio. O tipo de escrita que Imperial utilizava, diz Garson, em formato de reportagens curtas e com fins promocionais, acompanhava a linha da Revista do Rádio, “em visível contraste com as matérias sobre música popular, mais extensas e de caráter analítico, publicadas em jornais como Última Hora” (GARSON, 2017, p.198):

Composto de notas curtas, O Mundo é dos Brotos apresentava um am­plo panorama da música jovem no Brasil e no mundo: os êxitos e fra­cassos de vendas, as novas contratações e as grandes apostas das grava­doras. “Os maiores”, “os cobras”, “os preferidos”, “os sucessos”, “os lí­deres de audiência” era o que interessava noticiar. Um terço do espaço era reservado à “Parada do Mundo Inteiro”, um ranking das cinco mú­sicas mais tocadas na Inglaterra, Itália, Estados Unidos e França. Grande parte das informações vinha de revista importadas, como Cash Box, Billboard, Screen Album e Dig, que mapeavam as tendências do mercado musical estrangeiro, principalmente o norte-americano. No Brasil, o consumo dessas publicações era um privilégio quase exclusivo dos executivos da indústria fonográfica, que dominavam o inglês e que podiam arcar com os altos custos das assinaturas. Citando as revistas nominalmente, Imperial atuava como um intermediário cultural, dando aos leitores o acesso a um mundo de dados até então inacessível e se firmando como autoridade em música jovem (GARSON, 2017, p.194).

Marcelo Garson aponta Imperial como um dos pioneiros em estimular os fãs de música jovem a desenvolver “uma identidade e um senso de pertencimento através do consumo musical compartilhado” na mídia impressa no Brasil dos anos 1950. Porém, adaptando-se à realidade brasileira, o jornalista precisou reportar-se à estratégias já testadas por semanários de rádio: “O objetivo de Imperial era criar um público apto a sustentar o novo segmento que ele ativamente se empenhava em construir (GARSON, 2017, p.195).  Em outro sentido, a coluna também servia como uma espécie de resistência cultural ao rock e à música jovem como um todo dentro do contexto do meio impresso da época. Quando um gênero como o rock saía da pauta da “grande mídia”, quem assumia a dianteira eram os veículos “de nicho”, diz o autor, mostrando que o rock não era de todo apenas mais uma moda efêmera. Gardon salienta que ao ressaltar a condição profissional do músico jovem e apresentar rankings e estatísticas referentes a números de vendas de discos e compactos no Brasil e no mundo, Imperial a um só tempo ressaltava a iportância do mercado do pop, orientava o consumo perante seus leitores quanto ao que ouvir ou como se vestir. “As coordenadas miravam não só a performance do palco, mas também a condução da vida íntima”  (idem, p.196).  

 

Para Imperial, o critério de qualidade estava diretamente ligado ao volume de vendas. No entanto, o fato de não questionar as “fórmulas” do mercado, não tornava mais simples a tarefa de aplicá-las à realidade brasileira. As fórmulas, não constituíam já um padrão sólido e seguro, mas estavam sendo firmadas e testadas. Sendo o nicho de mercado jovem ainda muito incipiente, as dicas de Imperial tinham uma função legitimadora (GARSON, 2017, p.197).

 

Por fim, ao oferecer aos leitores os precitos de ingresso ao mundo da música jovem e pavimentar um nicho específico de cultura jovem a partir de seus espaços na mídia, Carlos Imperial se afirmava como importante intermediário entre público e uma nova geração de artistas que começava a ocupar terreno no campo da música pop na primeira metade dos anos 1960. A despeito da atitude personalíssima e auto-promocional de suas estratégias como produtor, é por intermédio de divulgação e promoção contínua de novos talentos, ele iria alavancar a carreira de cantores como Wilson Simonal, Erasmo Carlos, Eduardo Araújo, Tony Tornado, Jorge Ben e Roberto Carlos, mesmo não assumindo qualquer relação com a indústria fonográfica ou com editoras  musicais. Para Garson, o personalismo de Imperial é o fator que daa credibilidade às suas estratégias. Ou, a partir dos conceitos de Pierre Bourdieu, como numa homologia ou jogo de “consagração”, a assinatura de Imperial daa credibilidade ao empreendimento, e vice-versa. Ao falar para o jovem em O Mundo é dos Brotos, Imperial aponta sua alça de mira para as classes populares, tradicionais consumidoras de música massiva. Esse jovem, diz o autor, não era uma abstração mas, sim, possuia um local social definido. Com relação aos novos talentos, sua respectiva condição de profissionalização passava pelo reconhecimento e pela distinção objetivamente a partir de sua condição etária, como um “marcador social de diferença”. A atenção ao repertório, aparência e comportamento propostos por Imperial, conclui Marcelo Garson, já antecipavam a natureza visual com que a música iria lidar dali para frente, uma consequência de sua incorporação à TV (GARSON, 2017, p.198).



[1] Sérgio Porto (1923-1968) jornalista e escritor. Autor, entre outras obras, de As Cariocas, A Casa Demolida a sátira política Febeapá e Pequena História do Jazz (1953), uma das primeiras obras a tratar do gênero no Brasil.

[2] A primeira gravação comercial no Brasil é “Isto é Bom”, do teatrólogo e compositor de lundus Xisto Bahia, interpretado por Bahiano, em 1902, pela Casa Finger (RIBEIRO, 1988, p.23; TATIT, 2004, p.119).

[3] Tal qual a seção política de Carlos Swann em O Globo, a Candinha era um pseudônimo cuja seção na verdade era assinada pelo corpo da redação da revista. Em parceria com Erasmo Carlos, Roberto Carlos lançaria uma canção intitulada “Mexericos da Candinha”, no álbum Jovem Guarda (1965).

[4] Marcelo Garson salienta que, no Brasil, ao contrário dos Estados Unidos, a tentativa de construir um segmento de música jovem ficou a cargo dos veículos de imprensa especializados. “Eles, no entanto, não chegaram a atingir o mercado massivo no período estudado, mantendo-se como uma cultura de nicho” (GARSON, 2017, p.187).

[5] Segundo Arthur Dapieve, o primeiro disco de rock “brasileiro” gravado no Brasil foi “Rock’n Roll em Copacabana”, de Miguel Gustavo, e interpretado por Cauby Peixoto, ainda em 78 rotações. Antes, a cantora de sambas-canção Nora Ney, que tinha conhecimento de inglês, havia sido pioneira com “Ronda das Horas”, cover de “Rock Around the Clock”, tema original do filme Sementes de Violência (DAPIEVE, 1995, p.11; GARSON, 2013, p.9). 

[6] Cf: MORIN, Edgard. Cultura de Massas no século XX: espírito do tempo. Neurose. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1984.

[7] Fenômeno de juventude associado ao sucesso do quarteto de rock britânico The Beatles entre os anos 1963-1966 e o seu impacto na cultura de massas a partir do começo dos anos 1960 nos Estados Unidos e no mundo (STOKES, 1986, p. 111).

[8] Personalidade marcante e controversa, Carlos Imperial (1935-1992) foi produtor cultural, apresentador de televisão, produtor de teatro, diretor de cinema, jornalista e compositor. Como descobridor de talentos, lançou as carreiras de Elis Regina, Wilson Simonal, Tony Tornado, Tim Maia, Jorge Ben e Roberto Carlos. 


Bibliografia:

GARSON, Marcelo. Imprensa de nicho e música jovem no Brsil: O mundo é dos brotos e Revista do Rock (1960-1985). Acessado em http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/antiteses/article/view/27953

VENTURA, Zuenir. 1968: o ano que não acabou. Nova Fronteira, 1987.