Monday, March 26, 2012

Porto Alegre e o 26 de Março


Antigo croqui da cidade

Por incrível que pareça, a data de aniversário da cidade de Porto Alegre, como nós o fazemos hoje, dia 26 de março, é comemorada apenas a partir de 1972, quando da passagem do que seria o seu bicentenário de fundação. Antes, a data considerada como a da fundação era a de 5 de novembro.

A mudança aconteceu durante a gestão Thompson Flores. Como prefeito, a partir de 1969, ele passou a conduzir a cidade rumo à uma progressiva modernização, justamente na era do Milagre Econômico. Por ocasião do bicentenário, tanto as universidades locais quanto editoras e o próprio Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul passou a fomentar uma grossa discussão a respeito da história da cidade.

Foi quando o Prefeito, que de certa forma se julgava uma espécie de descendente do sesmeiro Joerônimo de Ornellas e, passando pela linhagem do interventor Alberto Bins, ele era como se fosse, uma espécie de nobre de sangue azul no Paço Municipal, uma espécie de continuador daqueles vultos.

A discussão entre intelectuais e o IHGRGS ocorreu porque, justamente porque Flores talvez defendesse oportunamente o fato de que, se a data da fundação da cidade se desse em 1772, como defendiam alguns, ele seria o prefeito do bicentenário.

A discussão ficou em torno de gente como walter Spalding, do IHGRGS, que fixava a data da tal fundação em 1740. Isso porque, na sua tese, defendida em seu livro Pequena História de Porto Alegre, em 1968, a data coincide, necessariamente, com o momento em que o sesmeiro português oriundo da Ilha da Madeira) Jerônimo de Ornellas Menezes e Vasconcelos, oito anos após estabelecer-se em terras de Viamão, teve finalmente a legalidade de posse após a sua ocupação, isso em 5 de novembro de 1740.

Ornellas eram um dos três sesmeiros da região onde mais tarde se desenvolveria a capital dos gaúchos. Ao norte, havia as terras do Tenente Francisco Bandeira, que iam do Arroio Dilúvio até Gravataí; ao sul, as terras de Sebastião Francisco Chaves (que concederia sua sesmaria ao Tesouro Real para a ocupação de cavalhadas, fato que deu nome a estrada onde hoje existe o bairro).


Ocorre que, para a historiografia de Spalding, Ornellas é o fundador de Porto Alegre. Portanto,a data de fundação seria a de 5 de novembro. Outros estudiosos, e entre eles estava, na época da polêmica (1971) Francisco Riopardense de Macedo, defendia outra tese: a de que Ornellas nada teve a ver com a fundação.

Para o historiador, Jerônimo apenas quis construir um entreposto comercial em Viamão, fixou-se em terras do Morro de Santana, deixou os remanecentes açorianos fixarem terreno às margens do rio Guaíba e só. Aliás, Ornellas, pouco tempo depois, devido a alguns dissabores, e entre eles um caso de assassinato envolvendo um de seus filhos, acabou vendendo a sua sesmaria, mudando-se para Triunfo, onde morreu, em 1771.

Para Riopardense, o fundador de Porto Alegre é o coronel José Marcelino de Figueiredo. O ofical, que havia aportado em terras do sul para resolver questões fronteiriças envolvendo portugueses e espanhóis. Figueiredo, por sinal, havia deixado sua terra natal por conta de um incidente lamentável. Por uma questão de honra, matou um militar escocês. Conseguiu um meio perdão do Marques do Pombal, que lhe concedeu um drgredo "branco", sua graça era José Gomes de Sepúlveda.

O Coronel Marcelino optou por Porto Alegre como capital em detrimento de Viamão dada a sua relação com o rio - que permitia que as tropas reais pudessem avançar do Guaíba até Rio Grande ou Rio Pardo, e regiões de fronteira. Viamão ficava longe demais para um deslocamento de tropas.

Foi Marcelino o primeiro urbanizador da Porto Alegre que, em fins do Século XVIII, se resumia apelas ao que hoje conhecemos como Centro Histórico. Foi ele também quu solicitou a elevação de Porto Alegre a freguesia (como uma cidade com autonomia administrativa separada de Viamão). Isso se deu sob provisão régia, em 26 de março de 1772.

Freguesia também no sentido eclesiástico. Antes, a cidade tinha apenas uma capela curada, ou seja, filial de Viamão. Apartir dali, nenhum recém-nascido precisava ser viamonenses mas, sim, como diz Riopardense de macedo, filhos da vila de Nossa senhora da Madre de Deus de Porto Alegre. O nome aparecria oficialmente pela primeira vez em 24 de julho de 1773.

assim, depois de muita discussão, a Câmara de Vereadores aprovou a data de fundação de Porto Alegre como nós a comemoramos hoje: 26 de março.

Naquela época, para você ter uma idéia, a cidade ia da ponta do Gasômetro, que é um aterro, até os altos da antiga rua da Bragança, onde hoje fica a rua Marechal Floriano. dali, partiam as ruas do Cotovelo (Riachuelo) e São José (Duque de Caxias, que terminavam num portão guarnecido militarmente, onde hoje fica a praça Conde de Porto Alegre; mas a cidade mesmo acabava ali onde fica hoje o Colégio Sévigné.

só que de portão, não tinha quase nada: Porto Alegre não era uma fortificação no mellhor estilo de filme de capa e espada. ela se resumia a uma grende trincheira de pau-apique ou adobe, com um valo na frente, mas sem direito a jacaré.

Andar de Táxi

Deus sabe que eu andei de taxi ontem a noite. A verdade é que eu
estava desacostumado. Quando a gente fica muito tempo sem andar de
táxi, fica parecendo que cada vez é a primeira vez. E como eu vou
explicar que estou enferrujado para ela? Ainda mais ela tão bonita,
tão altaneira e tão desfrutável que já pegou tantos passageiros e foi
para tantos itinerários improváveis e misteriosos, e conhece todas as
ruas, praças e avenidas e becos sem saída que existem na cidade.

E mesmo que seja tão acostumada com tantos passageiros, ela sempre
consegue arranjar algum prazer em fazer algum percurso. Até fica com
um pouco de impaciência quando lida com pasageiros jovens e
inexperientes, até porque ela pode aproveitar a viagem além de se
divertir com o taxímetro. Mas eu vejo tanto amor que ela tem em seu
fluxo progressivo, em cada espaço, em cada quilômetro andado, e para
quem sempre pede carona de ônibus e sempre com o mesmo itinerário,
andar de táxi, ainda que amiúde, chega a ser um passeio ao sétimo céu
com minha desfrutável motorista.

Só acho que, às vezes, é sempre bom haver um certo grau de intimidade. Aí éuma outra vida dentro da vida, é um inefável salto no escuro.
Até para que saibamos o ritmo certo, a velocidade certa, como se
estivéssemos num rali Andar com várias só ajuda na experiência
acumulada, mas a intimidade nos permite saber se ela quer que corramos
mais rápido ou mais devagar, bem devagar, aproveitando toda a
paisagem, sentindo todo o vento úmido da noite em minha face, chegar aos estertores até o topo do mundo e morrer nas estrelas num espasmo de esgar e de espanto.

E isso que ela não era uma motorista qualquer, de uma viagem qualquer,
oh, ela é uma borboleta de tão diáfana em seu toque, tão melíflua em
seus gestos, tão delicada em cada volteio, como se eu estivesse sendo
caregado por uma wagneriana valquíria uma carruagem de fogo rumo ao
paraíso do Venusberg. Pena que a viagem é rápida e o preço faça com
que às vezes precisemos optar pela (velha e rápida) carona de ônibus de todo dia, como
sempre.

Mas Deus sabe que sempre há a inefável oportunidade de andar de táxi.

Tuesday, March 13, 2012

Música & Lugares

Mais uma para a série: The 59th Street Bridge Song (Feelin' Groovy), composta por Paul Simon para o disco Parsley, Sage, Rosemary and Thyme, de 1966. A vetusta ponte, na verdade, é a Ed Koch Queensboro Bridge.




O número se dá porque ela fica entre as avenidas 60 e 59, em Manhattan. Aliás, é possível vislumbrar que, assim como sucede com a obra de Woody Allen, Simon e Garfunkel são compositores nova-iorquinos.

Eu ia postar uma versão ao vivo da música aqui, mas acho a original do disco genial, porque ela tem a participação de dois músicos do Dave Bruebeck, Joe Morello na bateria e o Eugene Wright, no contrabaixo acústico.

A Queensboro Bridge foi inaugurada em 12 de junho de 1909.



A ponte

Tuesday, March 06, 2012

O Götterdämmerung de Erico Verissimo


Escritou publicou O Arquipélago há cinquenta anos


Esse ano se comemora o lançamento do último volume de O Tempo e o Vento, do Erico Verissimo. A Globo optou por lançar a terceira parte da trilogia em três volumes, protelando a derradeira parte para março de 1962.

Verissimo planejou a terceira parte da saga dos Cambarás com o nome de Encruzilhada. Mais tarde, e bem mais tarde mesmo, ele mudou para O Arqupélago, e a razão é bem interessante.

Como se sabe, e como explica o verbete, um arquipélago é um conjunto de ilhas e/ou ilhéus próximos uns dos outros. Depois de narrar a formação, o povoamento e a consolidação do Rio Grande do Sul, Erico foca a história na desagregação tanto da elite campeira do estado, a partir da estagnação das charqueadas e a ascenção dos imigrantes como força de trabalho no sul e, em paralelo, a desagregação do pr´´oprio núcleo familiar de Rodrigo Cambará, o chefe do clã.

O Retrato, publicado em 1951, narra a história de Rodrigo Cambará, que é o primeiro Cambará doutor da família. Junto com a atividade como clínico em Snata Fé, ele opta pela política, defendendo o Civilismo de Hermes da Fonseca contra o continuísmo político borgista - representado por Laco Madruga, chefete local.

A paixão política se mistura com as histórias de Rodrigo, tipo fiolgazão e mulherengo da pior (!) espécie. O livro termina com a morte de Pinheiro Machado, em 1915. No começo de O Retrato, no entanto, há uma cena que se passa em 1945. Com a Revolução de 30, Rodrigo havia se tornado um comensal da corte de Getúlio Vargas e defendeu o regime do Estado Novo até sua queda, quando ele deixa a Capital Federal para refugiar-se com sua família, em Santa Fé.

No Arquipélago, assim como em O Continente, a narrativa ocorre em dois momentos paralelos: uma, Reunião de Família, como em O Sobrado, é o entreato familiar onde se desenrola uma situação dramática. Rodrigo está de cama depois de um enfarte. Está desenganado e, ao redor dele, se desenrola todo um drama familiar de pessoas que estão irremediavelmente isoladas umas das outras mas que, com efeito, acabam tento que se unir numa situação adversa debaixo do mesmo teto.

Aliás, as cenas de crise coronária de Rodrigo são inspiradas num episódio real: Erico era cardíaco, e um ataque quase o matou no meio da feitura dos livros da trilogia. Verissimo levou um largo tempo para concluir a redação de O Arquipélago, entre paradas de meses e anos, ele escreveu parte em Porto Alegre, parte durante férias em Torres e nos Estados Unidos (Alexandria, na Virgínia), quando viajou para lá na ocasião do casamento de Clarissa, que já residia lá há algum tempo.

O livro retoma a saga do filho de Licurgo, num misto de novela e romance histórico. Já casado e prometido por Pinheiro Machado, acaba se tornando deputado pelo PRR, para mais tarde desertar para o lado dos maragatos quando estoura a Revolução de 23.

Talvez um dos momentos mais geniais, e que pega a pena de Erico no seu melhor momento, nas páginas onde ele recupera, com uma maestria de poeta épico, todos os movimentos da Revolução de 23 em Lenço Encarnado. Aqui também surgem outros personagens ligeiramente queirosianos, como o Tio Bicho e Aarão Stein.

Também passando pelo romance histórico, Erico conta a pequena epopéia do irmão de Rodrigo, Toríbio que, depois de deixar as hostes de Honório Lemes, ele decide seguir Luis Carlos Prestes com a famosa Coluna, indo parar no Nordeste. A história, no entanto, é real: o tio de Erico de fato seguiu o desacreditado tenente de Santo Ângelo na tentativa de derrubar Arthur Bernardes quando todos capitularam pelo fato de que Bernardes e Borges se engalfinhavam e este teve que assinar o Pacto de Pedras Altas, pondo fim ao governo continuísta de décadas no Rio Grande do Sul.

Verissmo também aproveita os convescotes no Sobrado com os amigos de Rodrigo para fazer romance de tese, discutindo desde estética até política. Tio Bicho é, na verdade, o coro da tragédia; assim como acontece com o Dr Winter no Continente, Erico fala pela boca do Tio Bicho que é um personagem do Eça que o Eça esqueceu de criar, um misto de João da Ega e de sátiro grego e só não rouba a cena mais do que o sogro de Rodrigo e pai de Flora, o seu Aderbal Quadros.

Aderbal é o típico homem cordial e distraído, pordeu suas terras por ser bom demais e confiar em fio de bigode, não se mete em briga e vive para cultivar árvores que recebem nomes de gente, em seu sítio. Rodrigo também vive um conflito com seu filho mais velho, Floriano. Dessa relação parental que surge o perfil psicológico de O Arquipélago.

Floriano puxa pela mãe, não tem o espírito belicoso dos Cambará, é um intelectual, escritor como Erico e vive o drama de ser criticado pela pretensa superficialidade de seus livros e é cobrado a tomar partido de alguma causa, fato que ele dá de ombros e é acusado de burguês e omisso, por seu irmão mais novo, Eduardo, que é membro e militante do PCB.

Nas discussões políticas entre Floriano e Tio Bicho passa muito da óótica e da ética de Verissimo como escritor, além do próprio gosto de Floriano (e Tio Bicho) por música clássica, mote e assunto que aparece o tempo todo no livro.

Além dessas atribulações, Floriano vive um amor não resolvido com Sílvia, que está por se casar com seu irmão caçula, Jango. Ao contrário de Floriano, ele é um homem do campo. Sílvia fica entre dois corações, ao mesmo tempo que ele fica dividido entre ela e uma americana, Mandy, que ele conheceu no Rio de Janeiro. A titubeação de Floriano, uma de suas "virtudes" faz com que ele perca Sílvia, quando ele enfim descobre que a ama de verdade - quando já é tarde demais.

Verissimo também inova ao escrever um capítulo no foco narrativo da Sílvia, quando ela escreve um diário onde tenta elaborar a situação de ser uma mulher dividida, e tanta com resignação e fé escolher entre Floriano e Jango. No fim, ela pensa como uma típica personagem feminina de erico Verissmo da linhagem de Ana Terra, Bibiana e Maria Valéria. Ao escolher Jango, ela zela pela "integridade" do núcelo familiar. Toda escolha é dífícil e só poderemos encontrar lógica em sua escolha dentro do perfil de mulher agregadora de sua linhagem. Foi assim (consciente e insconscientemente)que Bibiana reteve o Sobrado, e é assim que Sílvia arrega a tocha para a geração seguinte.

Ao mesmo tempo, ele tem um acerto de contas com Rodrigo, quando eles re reconciliam depois de uma catarse. Mesmo com todas as perdas, de seu pai e de Sílvia, Floriano renasce e resolve escrever a saga dos Cambará: é quando a trilogia termina no começo de o Tempo e o Vento. Ele se senta à máquina, depois de voltar ao Sobrado de madrugada, e escreve as primeiras frases: "Era uma noite fria de lua cheia...".