Semiótica, significâncias e a partogênese do idealismo sincrético:
Bate-papo com Dr. Hilderbrand Durand Funderburger.
Palavras-chave
Semiótica.
Epistemologia. Teoria da Comunicação.
Complexo,
sistemático, incomensurável. Não existem palavras para resumir e
explicar o professor e semiótico Dr. Hilderbrand Durand
Funderburger. Trajetos arqueológítipicos numa história que
plasma-se entre diversas constantes, desajustamentos e injúrias
psicossociais.
Graduado
em Linguística em 1978 pela Universidade Santa Rita de Cássia e doutorado na
Sorbonne em 1983, orientado pelo famoso filósofo Frere Jacques e por
Gilbert Furtwangler, dois luminares da chamada Escola Animalista, a
formação do professor Funderburger está imbricada com o
desenvolvimento dos estudos culturais, a Pós Nova História (PNH) e
seu corolário imagético para o estudo dos problemas de Comunicação
e Cultura e Civilização.
Nesta
entrevista, Dr. Funderburger. que hoje atua como pesquisador junto à
Pós-Graduação em Pós-esconstrutivismo da Universidade Campbell’s,
nos guia ao fulcro do problema da racionalidade bifurcada da
pós-modernidade sob o signo da Pós-verdade, e fala do seu trabalho
que dialoga com campos de significação e cultura e as linguagens
sincréticas daí depreendidas, como o ocaso do estruturalismo, do
formalismo e das contradições da racionalidade cativa nos meios de
comunicação de massa, o problema dos afetos na era do pós-tudo e muito mais.
Pergunta:
a midiologia no
Brasil, com suas temporalidades, intersimilitudes e dialogismos
parecem ligados com a tua trajetória intelectual e acadêmica. Como
tu caracteriza esse teu
percurso arqueológico?
Funderburger:
minha base sempre foi a semiótica mas havia aquela guerra quente de
guerrilhas com o estruturalismo, o formalismo, a gramaticalidade das
coisas, mas eu não entendia as provocações reinantes entre esses
discursos atávicos. Um dia, desbundei e confessei que preferia ser
um flanêur, e que minha razão de viver era o Gerativismo de
Chomsky. Foi com esse sentimento que, em 1974, vivi em Paris morando
no banheiro de um cabaré em Montmartre. Passávamos os dias bebendo
destilado no Latin. Éramos como os boêmios de Puccini. Ouvíamos
muita Edith Piaf e Juliette Greco, fumávamos maconha e haxixe que
vinha da Tunísia. Estudávamos Kristeva, Barthes, Althusser,
Derrida, Foucault. Então descobri Saussire e, com isso, todo um novo
mundo se descortinou. Meu mestrado era bem heterodoxo e já estávamos
numa transa bem cistransdiscipllinar. Essa bagagem nos fortaleceu e
nos jogou numa roda viva de novos questionamentos dialógicos e
carnavalizantes.
Pergunta:
tu dizes que foi do estruturalismo para a semiótica. Como se deu
esse deslocamento?
Funderburger:
foi um Rubicão antropocêntrico, tudo começou como uma epifania
diante do que poderíamos chamar de chamado epistemológico como uma
ampliação desmesurada da própria Linguística como um todo
imanente. No começo, eu entendia isso como uma emanação da cultura
como reflexo estruturado da superestrutura. Depois, virou uma cizânia
hermenêutica que me fez ver que a visão cientifizante do discurso
metodológico empírico da ciência maquinística e psicossocial
provocava uma espécie de engessamento, um beco sem saída do ponto
de vista filosófico. Havia uma dificuldade geracional, e eu diria
mais, inclusive, de cunho gerativísitico, mas sempre relacionado à
semioses significantes. Esse deslocamento, essa meiose mitêmica conceitual
foi minando a minha perspectiva teórica. Esse aperspectivismo
ameríndio gerava essas controvérsias.
Pergunta:
como tu avalia o saldo dessas controvérsias? Há ainda um saldo
epistemológico a ser sacado?
Funderburger:
eu sou um pós estruturalista cristianizado orficamente pela
semiótica. Para os estruturalistas, não há diferença entre
descrição e análise. Era análise crítica. Era preciso porpor
novas compartimentalidades menos estanques. Mas nada foi em vão. Era
preciso demonstrar novas formulações que dessem conta desse novo
estamento significante. Não havia mais clima para que nós nos
contentássemos com as antigas respostas sistêmicas. Para mim,
descrição, análise, era tudo a parte de um todo, uma relação
indissociável, Era preciso um basta para aquelas estruturalizações
engessantes que já eram a análise e a descrição, com uma resposta
a todas as perguntas que pudessem ser formuladas, inclusive, àquelas
perguntas que sequer existiam, eram eternas, eram propriedade
fundamental da matéria. Eram apenas ideia, alienação, fetichismo,
reificação, a mais-valia dos usos e costumes tecnísticos, o twist, o hully gully. A metodologia era dura, mas era preciso uma
interpretação, uma solução, a saída da estrutura estruturante. A
idéia. A ideia nua, pura e limpa. Era necessários abandonar esses
equívocos históricos que estavam sendo desenvolvidos pelos
pesquisadores de ponta e esse vício rebarbativo de que a
interpretação era livre e subjetiva. Era preciso um novo espaço
para o signo, além da precisão conceitual. Nesse processo, a
relevância da razão instrumental foi se perdendo, tornou-se
obsoleta mas que insidiosamente ainda subexiste no tecido social relativista como um cancro social.
Pergunta:
a semiótica veio para explicar aqueles problemas que, antes
dela, não existiam. Depois, houve o problema do ponto-de-vista da
recepção, e todo aquele movimento histórico que retrocede até o
devoramento do Bispo Sardinha, na aurora da colonização portuguesa,
e depois o retorno da própria discussão da recepção que,
modernamente, numa segunda fase subjacente, não obstante imanente,
passando por teorias de leitura que obviamente passam por teorias de
leitura como as elaboradas por Barthes. O que tu achas que se perdeu
nesse processo, porém, subvertendo a lógica do discurso semântico,
numa realidade escalonada e, como diria Umberto Eco, fraturada?
Funderburger:
eu diria mais. Quando penso no Bispo Sardinha, lembro da velha
discussão entre os irmãos Campos e Antônio Cândido, de como
quando e onde começou a nossa literatura. Destarte, enquanto Cândido
falava em sistema literário, os Campos falavam em Gregório de
Mattos Guerra e Anchieta. Eles querem Gregório como o nosso Dante.
Mas o nosso Dante era um impuro, ele dormia com as mucamas assim,
num lupanar de paradoxos! Ora, eu, você e todos nós sabemos que
Anchieta escrevia em Tupi para os caranguejos da praia e os anjos do
céu (risos). Logo, não havia sistema literário. Mas a contenda
deu-se pela defesa sistemática de Gregório, um carnavalizante e
tropicalista avant la lettre mas veja, como não lembrar de Vieira e
seus discursos safadíssimos defendendo o escravagismo?
Pergunta: haveria Literatura Brasileira sem os irmãos Campos?
Funderburger: os modelos são constantes e lacunares. Tanto poderia haver como não
haver, “haver” e “a
ver”, entende o jogo de palavras? Mas, a rigor, sou um cândido. Estou além
dos campos. Concretismo, o que tenho a ver? (risos). Mas
essas análises e processos estruturantes apenas deram margem a um
debate vazio embora inspirador. Os
modelos parasemióticos conseguiram dar compreensão, discernimento,
organização e diferenciações tão
caras à produção de
arte. A arte sempre se produz, nunca é produzida. Ela
produz como um coito teogônico, um coito frenético e
gemebundo, um
coito mítico e salvagem, com
bastante palavrão ao pé do ouvido,
um coito que é puro amor.
Um coito dialético que
une o coito e o amor numa síntese hegeliana e
não-aristotélica.
Um coito da ideia. Mas
claro que estamos aqui falando de uma concepção adstrita a modelos
de experimentações estruturantes, dessa concepção, dessa
ontogênese do paradigma, a semiótica nunca foi algo fácil de se
dominar. Mas como sou um pós-tudo, eu
discordo de mim. Eu
concordo com Maffesoli: eu sou tribal.
Não
acho que haja qualquer atrelamento a nenhum modelo pré-estabelecido
e de contornos limitantes, como o modo de produção asiático.
As experimentações, sim, elas
são latentes, elas produzem significações, e mais,
no percurso inverso
do que as por assim
dizer aplicações,
podem produzir coisas fantásticas e inovadoras, dentro
do imaginário, e não
na ideologia obviamente.
Pergunta:
tu falaste apropriadamente em coito teogônico e de quebra
separacional de paradigmas. Tu acha que, se houvesse uma negociação
dialógica, seria possível coexistir
um entendimento mais hospitalar a respeito do casamento entre os
diversos campos cândidos do conhecimento ou tu acha que esse coito proibido freudianamente geraria o que podemos dizer, um certo tabu totêmico?
Funderburger:
acho que, numa
perspectiva epistemológica, as experiências do tempo são
importantes. O ócio é conciso, o ócio produz, essa espera do tempo
gera a coisa em si na esfera do sensível, tudo claro, e aqui vão
dois parênteses dependendo da consistência do poder unificador da
tipificação metamorfósica. É o que Kant, se fosse um leitor de
Bakhtin, chamaria de partogênese do idealismo sincrético.
Pergunta: tu falas em
partogênse e em ócio. Tu te considera um idealista ou um
materialista? És
platônico ou plutônico?
Funderburger: (longa pausa) Difícil de
responder. Eu sou um operário do tempo. Como eu disse, minha
trajetória semiótica mudou minha visão de mundo. Tudo para mim são
semioses. Semioses são como orgasmos. Eu tenho semioses na fila do
caixa eletrônico, na frente do computador, na calçada, no trânsito,
vendo Sílvio Santos na tevê. O Sílvio Santos me provoca semioses
(risos).
Eu estou sempre tendo semioses. Eu vejo semioses escorrendo pelas
paredes.
Pergunta:
me parece que tens
uma relação intensa com a semiótica, é matriz epistemológica,
teleológica, uma revelação, quase uma heerofania. Como tu entende
essa relação centripetamente revelatória na esfera genuflexória do sagrado no
profano e deste para aquele, quase uma relação vamos dizer assim
ontológica, como ver o
divino através do signo, como tu entende que isso se aplica na sua
prática?
Funderburger:
Não quero fazer
demagogia aqui mas tenho que fazer o devido contraponto com o
pragmatismo mas sinto o poder das teorias de Foucault aqui comigo e
eu as cultivo como as orquídeas que eu tenho na minha sacada. Aliás,
é interessante pensar essa relação entre microfísica do poder e
fait-divers no sentido de como isso estabelece novos parâmetros
para o fazer jornalístico. Posso dizer que eu concordo e discordo de
mim, e respoderia ao pragmatismo de inspiração pierceana via
Lasswell para que possamos fazer o trajeto antroposófico de
compreender a práxis da importância da personalidade, estrutura
social e cultura na explicação dos fenômenos políticos e a forma
como a mídia catapulta e recebe isso de volta, como um bilboquê.
Como não esquecer de Odisseu, como não salientar
o fundamento epistemológico como identificador das bases teóricas?
Sim, agora vemos em
parte, mas veremos face a face. Eu
vejo essas matrizes, dimensões ou dispositivos interligados. Aliás,
que bela discussão poderia ser feita a partir da compreensão analiticamente operativa (o que não significa concreta) dos dispositivos! Não
é apenas pegar uma teoria a contrapelo. Não! Devemos tratá-la à
pires de leite, como uma gata de luxo. Devemos comprar atum para ela,
atum, não, Whiskas! É preciso pegar a semiótica e ter uma relação
de empatia com ela. Perguntar: você está bem, acordou bem hoje? Fez
a sua toalete matinal? Como está o seu coração hoje? Enfim,
seria um desafio a ser respondido pelas dimensões anteriormente
indicadas por uma pergunta. Aliás, o que problematizar ou o que
fazer é o que não nos falta nestes tempos de
incertezas e quebra de paradigmas.
Pergunta:
a semiótica teria um quê de felinamente perpectivista? Ou seria o
contrário? O que ela responderia se ela falasse sobre os contextos
políticos e suas inversões formalizantes nesse ambiente conflagrado
e por que não dizer deflagrado?
Funderburger:
acho
que nesses tempos em que vivemos na web 2.0 pós orkutianos, nessa
discussão entre apocalíticos e integrados, entre apolíneos e
dionisíacos, fausticos e prometeicos, devemos estar atentos: talvez
essa pudesse ser uma nova chave de leitura para as propostas da
Semiótica. Eu, por
exemplo, entrei no formalismo, saí do formalismo, entrei no
estruturalismo, e saí, saí da Linguística, fui, para Comunicação,
terminei o curso do Projeto Minerva nos anos 70, experimentai daime,
entrei de cabeça na Cultura Racional, estive em todos os lugares e
só me encontrei em mim mesmo. Mas hoje eu sou apenas uma cabeça, um
só campo, sou filho da terra e do céu, e sou todas as cabeças ao
mesmo tempo, sou: uma hidra semiótica.
Pergunta:
você se diz uma hidra semiótica mas, num determinado momento, você
disse que desbundou. Como foi isso?
Funderburger:
sim,
minha geração carregou cartazes dizendo “Muerte” em 1968 e
depois dançou no frenetic Dancin’ Days. Eu me cansei de
metodologia. Se eu mandar um artigo para a sua revista eles me mandam
o artigo de volta. Isso é sintomático. Mas vocês não devem levar
isso para o pessoal. Entre o pessoal que se manteve mais rigoroso, há
muito maior fidelidade a autores. Dane-se o Chomsky. Estamos em 2018
e tem gente ainda citando Adorno (risos). Essa matriz de pensamento,
esse devir dos afetos, que para mim é importante, de repente não é
tão importante para os outros.
Pergunta: esse
desbunde epistemológico, essa incontinência metafísica tu entende que depois te reabilitou quando todo mundo
resolveu entrar nessa coisa de interdisciplinaridade? Agora tudo é
imaginário, o real virou irreal e o real não existe mais, é
imaginário?
Funderburger:
com
toda a certeza. Eu não tenho dúvida de que existe o real. Eu aceito
que haja uma discussão sobre o estatuto da realidade, mas assim como
há quem não creia no real, e isso é lícito, eu também acredito
que também é legítimo acreditar no real. Existem várias camadas
de realidade, como uma torta fria. Existem camadas que eu chamaria de
camadas primárias da realidade, que me parecem indiscutíveis: uma
mesa é uma mesa, uma cadeira é uma cadeira, quando tem Sol, tem
Sol. Uma coisa meio pré-socrática. O que é, é. O que não é, não é. Que será, será, whatever will be, will be. Essas coisas as
pessoas tendem a ver, a enxergar, a aceitar, da mesma maneira. Isso
para mim é o real. O resto é vórtex.
Pergunta:
Qual
roteiro metodológico que poderia abarcar os estudos dessas
camadas da realidade?
Funderburger:
creio
que é tudo uma questão de internalizar essa volubilidade da
episteme. Eu trabalho mais com a perspectiva de metodologias
qualitativas que vão para a sociologia compreensiva, também usada
por Maffessoli, e essa questão do devir afetivo como uma proposta,
ou melhor, uma falsa meia proposta, de
rever o conceito de sistema-potência-violência-força
e as clássicas dicotomias saussureanas, simples
assim. Reconheço
relações de dependência entre os elementos de um sistema, mas pode
haver ruído ou acaso que o altere, em previsões, portanto, ou sem
recurso a um reconhecido sistema. Aí
então eu negocio um exemplo ao inverso e auto-explicativo, já
agregando possíveis dialéticas até mesmo quando a supressão da
ideia é, por si só, um preconceito filosófico que perturba os
empirismos da decantação da língua no dualismo força-violência.
Tipo, como um dia de chuva. Um dia de chuva, um sapato furado, um
banho de um carro quando passa numa poça e nos molha até os
cueiros. Quando tudo parece dar errado, isso é capaz de alterar todo
o sistema, como uma tempestade solar. Uma conexão que, à guisa de
perspectiva teórica, se escalona em dialéticas linguísticas. Por
exemplo: eu falo “eu vou ao supermercado” e o mundo conspira a
seu favor. Mas não se deve abusar da fortuna. Você sabe que não
pode ir com fome a um supermercado, etc. A
língua é viva. São essas rupturas que criam as novidades.
Obviamente, e fixo até
com vergonha de aqui proclamar o óbvio, mas eu não
sou contra o modo de produção aisático, a hipótese causal hidráulica, o modelo de
Lasswell ou força-violência,
mas sou a favor das potencialidades do sistema mais abertos à
título de desbunde metafísico
e de uma complexidade que não seja entendida, digo,
resumida a um preto no branco, um, vamos assim dizer, um raciocínio
de calculadora dismac, como
“aqui tá raso, aqui
tá fundo, aqui tá raso, aqui tá fundo”,
mas como um olhar que contemple justamente essa complexidade
shakespeareana e
alforria
dos sistemas. Pois, afinal, quem não
é complicado e na hora agá não diz “ai meu Deus, se foi o boi
com a corda”. Nesse
sentido, já não
existem mais sistemas, não existe mais preto no branco, não existe
mais metafísica, não existe antroposofia, seichonoiê, revista
Nosso Amiguinho, modo de produção asiático ou
whatever:
tudo é
transdisciplinar. Escapa-se da discussão
do que seja ou não inter, multi ou pluri-disciplinaridade. Aceita-se
que o teu problema requer, invoca outras áreas para que mais se
saiba sobre ele, ou para que mais tentativas de respostas sejam
alcançadas. Agora tudo é quantitativo. O que fazer, para onde ir?
Quais os ganhos? Como não esterilizar este potencial conceito pela
visão de que pessoas de diferentes credos e idiosincrassias,
crenças, afetos, se devam reunir e aportar sua contribuição? Por
que não reconhecer o valor da quebra da disciplinaridade como uma
queda adãmica secular, em vez de interpretá-la como ‘coisa
coletiva de pessoas que querem
trocar’ tribal e afetivamente. Ou seja, as coisas são assim mas
poderiam ser diferentes. E se fossem diferentes. Apenas intuo que
pode ser muito bom e diferente.
Pergunta:
obrigado pela entrevista.
Funderburger:
de nada.
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