Thursday, July 19, 2018

O Relógio Parou


O poeta e escritor Omar Luiz de Barros Filho era repórter da extinta Folha da Manhã em 1975. Fã ardoroso de Jorge Mautner ele retornara de férias no Rio, quando encontrou-se com o compositor de "Maracatu Atômico".

Na redação da Folhinha, Paulo de Tarso Ricordi e Arthur Monteiro conceberam um trote: falseando um telex, eles queriam mostrar de primeira mão ao recém chegado Matico a notícia da trágica morte de Mautner, num acidente rodoviário.

Ocorre que Omar não apareceu naquela tarde. Para não perder a brincadeira tão bem armada, a dupla não resistiu. Decidiram então pregar a peça no pessoal da redação.

A história comoveu a todos: mais tocou em especial a Wladymir Ungaretti, que era redator da rádio Continental (que funcionava na época do outro lado da Alfândega, no edifício do relógio, onde também ficava a Itaí). A 1120 tinha uma produção jornalística bastante limitada. Como a Caldas Júnior tinha um excelente serviço de agências de notícias, ele batia ponto no fim de tarde ali.

Ao saber da notícia da morte do poeta maldito, que era ídolo da magrinhagem e figurinha constante na programação da Continental (o seu "O Relógio Quebrou", lançado no ano anterior, tocava na programação da  emissora na época), ele sai correndo do prédio do Correio, a ponto de conseguir entrar na próxima hora cheia do 1120 é Notícia.

Deu de cara com Paulo Acosta, redator da emissora. Avisou: O Mautner morreu numa batida fatal na Rio-Santos, bateu a 120 por hora! O boletim virou uma edição extraordinária. Com "O Relógio Quebrou", recente sucesso do poeta maldito, Bira Brasil lia um texto que romanceava o acidente.

No fim da noite, a notícia já havia se espalhado por entre a estudantada do Campus Centro. Aos poucos, eles apareciam nos bares da Esquina Maldita, o Marius, o Alaska, o Estudantil e o Copa 70. Muitos ficavam sabendo da desdita ao chegar, depois das últimas aulas na Arquitetura e demais cursos de humanas que ainda funcionavam no antigo anexo da Reitoria.

E o clima sempre festivo de começo da noite acabou parecido com o que se via do outro lado da Sarmento Leite, onde ficavam as capelas da Santa Casa: velório e ressaca total. Entre inconsolados e perplexos, muitos choravam.

No dia seguinte, Ungaretti passa a vista na Folhinha, e nada da morte de Jorge Mautner. Contudo, ao ligar a tevê no Jornal do Almoço, vê a homenagem ao compositor.

Quando ele chega para o plantão da tarde na Continental, o diretor da rádio, Fernando Westphalen pergunta sobre a história. Wladymir responde que viu o telex na redação da Folha da Manhã. O 'Judeu', como era chamado, responde que não havia acontecido absolutamente nada.

Westphalen ligou para Paulo Onofre, que trabalhava na Folhinha e na 1120. Ele explicou que houve um trote, mas não sabia dizer muito bem teria sido enfim o autor da brincadeira.

O 'Judeu' deu frouxos de riso da situação e de Ungaretti, e a coisa ficou por isso. E assim como a TV Gaúcha havia embarcado na barriga da Continental, ainda durante todo o dia seguinte, a morte de Mautner seguiu repercutindo em outras praças do interior do estado até o Rio, quando a mãe do próprio músico ficou sabendo do acidente. Quando tentou localizar o corpo do filho, ficou sabendo que era um trote, e que ele estava vivinho.

O episódio acabou fazendo com que Mautner viesse para Porto Alegre apresentar o novo trabalho no Gigantinho (numa época em que o ginásio era palco de memoráveis apresentações, nos anos 70).

Porém, fez questão de passar na rádio e saber o que aconteceu.Westphalen recepcionou o compositor, mas desconversou a respeito do ocorrido, e disse que o rolo havia sido acidentalmente apagado.

O show atraiu mais de 4 mil pessoas e Jorge Mautner preferiu acreditar que tudo não passou de um belo jogo de marketing, e tudo ficou por isso mesmo. Ele só ficaria sabendo de todos os ângulos do episódio toda quando foi entrevistado por Lúcio Haeser para o seu excelente livro sobre a Continental (*).



* HAESER, Lúcio. Continental: a rádio rebelde de Roberto Marinho. Insular, 2007 

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