Saturday, July 21, 2018

A Guerra dos Classificados

Nos anos 70, em Porto Alegre, existia uma guerra quente entre a Caldas Júnior e a Zero Hora.

Se existe uma data específica, ela teria começado quando, num determinado momento, endividado, Mauricio Sirotsky Sobrinho decidiu vender seu jornal para Breno Caldas.

Este, sem saber o que faria com ZH em suas mãos (talvez meter o cetro em sua testa, como o faraó), teria dado um solene chá de banco em Maurício. Este, a partir de então, decidiu que ia levar o jornal até o fim.

Até o fim dos anos 70, muitas tentativas de desbancar a Companhia do Correio do Povo-Folhas deram com os burros n'água. Uma delas foi o efêmero Hoje. Planejado como um tabloide de 48 páginas, a publicação surge em 1974 visando bater a Folha da Tarde. Para tal empresa, foram contratados profissionais tanto da concorrência quanto de outras praças.

Um dos problemas imediatos foi a concorrência com a própria Zero Hora, além do fato de que a Caldas Júnior, àquela época, operava em duas frentes, da Folha da Tarde e a da Manhã, esta desde novembro de 1969.

A Folhinha, como era chamada, nasceu da costela da Folhona, a partir do caderno de esportes. Considerado como ideia de Francisco Caldas e contando com uma redação jovem e dinâmica (Geraldo Canalli, Mário Marcos de Souza, Luís Fernando Verissimo, Ivete Brandalise, Carlos Nobre, entre muitos outros), ela marcaria época no começo dos anos 70.

Acusada de "comunista" e desprestigiada até pelo próprio Breno Caldas, ela sofreu uma intervenção em 75. Muitos jornalistas foram demitidos e, em sua maioria, acabariam fundando um projeto muito mais revolucionário - o Coojornal. A "folhinha" ainda agonizaria por mais cinco anos, até ser fechada, em 1980.

A experiência do Hoje foi efêmera: apenas nove meses. Com o fim do diário, sua redação foi incorporada à Zero Hora. Ao mesmo tempo, o jornal de Maurício Sirotsky havia adquirido novas unidades em suas rotativas. Inspirado no projeto de classificados do Miami Herald, em 1978 nascia o ZH Classificados.

Nessa época, o Correião tinha os seus classificados. Contudo, eles não davam comissão para agências, e a ZH passou a dar. E diferentemente da Caldas Júnior, a equipe do jornal da Ipiranga optou por descentralizar o atendimento em diversos pontos, ao mesmo tempo em que centralizava a demanda num número só e fácil de decorar, o famoso 139.

A Zero Hora começou cobrando um terço dos preços da Caldas Júnior. Em um ano, eles conseguiram amealhar metade do mercado. Já na Folha, como diz Walter Galvani (1), a presença de Edilberto Degrazia como diretor desde 1965 impedia uma efetiva modernização do tabloide, até 77, quando Edmundo Soares toma o posto do antigo plenipotenciário, que passa a responder pelo Jurídico.

Se 78 foi o ano da ascensão de ZH com os classificados, a data representou simbolicamente o começo da longa e dolorosa decadência da Companhia Caldas Junior.

A manutenção de uma folha de pagamentos mastodôntica, somada a gastos enormes com a instalação da tevê (protelada por anos e finalmente inaugurada naquele ano) começava a fazer água nas finanças da CJCJ, embora a realidade financeira da empresa fosse assunto de economia interna.

Quando a Folhinha foi fechada, em março de 80, a redação da Folhona chegou a mais 250 pessoas, sem contar com as sucursais. Naquela data - soube-se depois, a Companhia do dr. Breno já devia, só no Banco do Estado, mais de 2 milhões de dólares (subiria para dez em 1983, quando seria finalmente executada no governo Amaral de Souza, este, um desafeto de Breno, como este conta em seu depoimento (2)).

No caso da Folha, Galvani entende que a presença de Degrazia por tanto tempo engessou a renovação do jornal, da mesma forma que, com o recrudescimento da ditadura, manteve uma linha dura editorial, diversa do que historicamente havia sido a Folha desde o começo, em 36.

A FT ainda contava com correspondentes no interior do estado - inclusive em cidades da grande Porto Alegre, como Canoas e Viamão. E mantinha cadernos regionais, publicados apenas em partes do Rio Grande.

Só com o fim da Folhinha que a sua remanescente irmã mais velha inaugurou o seu caderno de classificados, isso cerca de dois anos depois do pulo do gato dos Sirotsky. "havíamos perdido o domínio dos pequenos anúncios para a Zero Hora", diz Galvani em seu livro. "A tentativa de reconquistá-la era imprimi-los no Correio e na Folha".

Na tentativa se olhar para o futuro, porém, a Folha espelhava-se no seu passado. Junto com o chamado classificado Dose Dupla, decidiu retornar com a Folha Esportiva, jogando derradeiras fichas no futebol, enquanto apostava num folhetim. A despeito do relativo sucesso, parecia mais uma solução romântica, que seria explicável nos tempos da Última Hora, com a A Vida como Ela É, no começo dos anos 50.

Mas nos 80, era difícil concorrer com a televisão e achar que um folhetim fosse virar o jogo aos 49 do segundo tempo, e sem que os editores soubessem, de fato, o que estava acontecendo com a Caldas Júnior, pelo menos a ponto de, juntos com Breno, apontar uma solução efetiva.

Esse episódio pode mostrar, à título de comparação, a distância que havia entre um modelo de jornal e outro.

E falando em tevê, quando Breno anunciou que iria lançar a TV 2, recebeu contato de Roberto Marinho, que estava interessado em transformar a Guaíba como retransmissora da Globo. Desfraldando a bandeira da "tevê nossa para nossa gente", o todo poderoso da CJ não quis fazer a parceria, protelando a inauguração para o fim da década, quando o dono da Globo já havia casado seu projeto justamente com quem? Maurício Sirotsky...

Imagine que Breno viu a cavalo passar encilhado duas vezes: quando podia esmagar a cabeça da hidra que era a Zero Hora e, na segunda vez, associar-se à Globo, ao invés da TV Gaúcha.

Em 16 de junho de 1984 (dia do Maracanazo), a Folha desaparecia com a Companhia Jornalística Caldas Júnior. O Correio retornaria em 86, sob a batuta de Renato Ribeiro, porém, depois de um período como standard, ficaria restrito ao formato tabloide. E, por sinal, agora aplicando as lições dos classificados de sua antiga rival, a Zero Hora.

Não deixava de ser curioso que, dez anos antes, a ZH tentava competir com a Caldas Júnior sem saber que, a partir daquele momento, a cultura do standard estava desaparecendo em favor do tabloide, justamente o formato que a Folha introduzira, quase meio seculo antes, influenciado pelas gazetas portenhas. O formato grande agonizava em matéria de apreço, no sul, depois do Diário de Notícias e, agora, com o CP, era como se os leitores fossem desaprendendo a ler no standard...

Diferente de outras praças brasileiras, que até hoje fazem questão do formato jornalão, no rio Grande, venceu o modelo tabloide. Ou seja, a Folha é pai e mãe da ZH que, por sua vez, herdara o formato da Última Hora que, a despeito de já apresentar o formato menor, a verdade é que ela havia nascido 15 anos depois da Folha da Tarde.

Porém, a primazia não contou quando o problema era evoluir, pelo menos do ponto-de-vista empresarial. Enquanto a CJCJ encastelava-se no pensamento autárquico de Breno, a ZH, mesmo com alguns erros de cálculo, como a quase venda do jornal até o advento do malfadado Hoje (afinal, até aquele momento, a Caldas Júnior era um inimigo intransponível), e a empresa de Maurício Sirotsky havia mudado  a tempo o modelo de gestão (que, como é possível ver no livro de Lauro Schirmer (3), sempre foi o inverso da Caldas Júnior, desde os tempos da rádio Gaúcha, nos anos 50), e o momento decisivo pode ter sido a vitória na querela dos classificados (cujo projeto seria depois copiado pela Folha, A Tarde e o El País): a partir dali, a trajetória dos dois jornais mudaria para sempre.


NOTAS;

(1) GALVANI, Walter. Olha a Folha. Sulina, 1996.

(2) PINHEIRO MACHADO, José Antônio. Breno Caldas: meio século de Correio do Povo - Glória e agonia de um grande jornal. LPM, 1988.

(3) SCHIRMER,  Lauro. RBS: da Voz do Poste à Multimídia. LPM, 2002.

1 comment:

Anonymous said...

E hoje a RBS é a nova Caldas Júnior e a Zero Hora é o velho Correio, ambos fragilizados por um novo concorrente: a internet. E, convenhamos, hoje a RBS é uma sombra do que foi. O cenário é totalmente propício para um concorrente superar os Sirotsky, falta dinheiro na praça para isso. Os bispos da Record/Universal poderiam fazê-lo, se não fossem... bispos.