Thursday, August 11, 2011

Macumba em Parceria


O pobre diabo até que vinha tentando se lançar na carreira, mas sem sucesso. Não vingava nem no baixo clero da bola. Era apenas e tão somente um professor de educação física bem falante, pragmático. Chamavam-no o "papagaio de fraque". Foi quando resolveu procurar um bom pai-de-santo. Já tinha ouvido falar no homem, lhe disseram que era careiro, mas o caboclo dele era forte. Então, o treinador foi ter com ele. O mandingueiro deu uma lista de compras para o homem. Ao todo, pediu que ele comprasse umas velas pretas na flora, perfume de alfazema na farmácia, um galo preto mo mercadão, umas fitas azuis no armarinho e charutos na tabacaria. Feito o acordo, lá foram os dois para uma esquina.

Tempos depois, a carreira do cliente ia de vento em "polpa", como diria a Wanessa Camargo. De cara, ele pegou um time do interior do estado, e conseguiu levar um bando de pernetas às semifinais do regional. Logo, foi solicitado para atuar num clube também do interior, porém um pouco mais conhecido. Virou sensação do milênio! Só faltou matéria na Placar.

As coisas iam bem, só que no afã das vitórias, o nosso herói se esqueceu de pagar o pai-de-santo. Ele foi reclamar com o técnico. Este enrolou, enrolou, até que o outro se enfureceu. Os dois brigaram aos berros, um jurou o outro de morte. O técnico, irritado, decidiu que não ia pagar mais nada. Crispado de raiva, o homem do sortilégio decidiu se vingar: ia voltar todo o trabalho conta o treinador. Ia ser trabalho sujo, do grosso, pesado. Por essas tantas, ele já era entronizado pela imprensa especializada. Depois de classificar um inexpressivo clube à beira de fechar as portas para a Série B, foi contratado por outro que, novamente, chegou às portas das finais de outro regional. Saiu de lá coberto de glórias para disputar uma Copa do Brasil. Em quatro rodadas, ele fez o nome em todo o país.

Foi quando nosso herói sentiu o golpe. A macumba era forte e fez fez efeito, e ele começou a decair. Quando ia se consagrar, caiu do cavalo. Demitiram-no, sem explicação. Foi parar noutro time, nos cafundós do Judas. Porém, o tal técnico, que era um crente, tinha um não sei quê, um santo forte, ou uma legião de anjos da guarda. Teve tempo de pegar um clube grande. Um desses clubes grandes que, refestelados no meio de velhos troféus e louros de glórias do passado, acham que a sorte está com eles, aponto de deixar a política de futebol andar ao sabor dos ventos da Fortuna. Por algum motivo, os dirigentes desse clube resolveram apostar no "professor"(como ele já era chamado). Festejado como o "salvador da pátria" do clube, ele afundou em dois ou três jogos. Os tais dirigentes resolveram metê-lo no cadafalso, e escapar das críticas da torcida. O tal treinador estava fora.

Porém, nosso demissionário herói descobriu que alguma coisa estava acontecendo de bom no meio dessa maré de azar. Ao cair do comando no clube anterior, ele pôde receber meses e meses de salário por conta da recisão de contrato. Na entressafra entre um emprego e outro, ele pôde fazer o seu marketing: dava entrevistas, era simpático com repórteres, dava palestras um tanto pragmáticas aqui e ali, Certa feita, até descolou uma vaguinha de comentarista de tevê, numa dessas emissoras da vida. Não tinha levantado taça nenhuma, mas tinha um obscuro vice-campeonazito acolá que lhe investia de uma aura de genialidade e de lenda.

No campo do sobrenatural, era o armagedom do cangerê do pai-de-santo contra as peripécias do treinador, que ganhava de lavada.

Nessa vida de malabarista, o treinador virou um mito da bola. No primeiro semestre, sempre havia um clube interessado em seus serviços, a fim de ganhar algum clássico ou cumprir tabela no regional, com certa dignidade e com a estrela de tão afamado profissional. Já no segundo semestre, ele era solicitado para a incumbência de salvar algum time da segunda ou da terceira divisão. Nessa tarefa, ele atingiu o grau de mestre: já era pentacampeão em salvar desafortunadas agremiações do inferno da segundona ou da terceirona. Não ganhava certame algum, mas era requisitado. E se porventura não conseguisse salvar de todo, era demitido e ganhava um troco interessante pela recisão, e ainda tinha copa franca com a torcida, é claro. Era realista: só cobrava alto por clubes que pudessem pagar. Clubes que gostam de errar no futebol e depois chamar técnicos mágicos para salvar o ano e emendar sonetos de pé quebrado. Ah, e curioso é que times não faltavam para ele. E o mercado hoje nunca lhe foi tão favorável. Diplomata, tratava com mesura a muito cabotinismo a tudo e a todos. Se saía de um clube, cuidava para deixar o caminho aberta para retornar.

E o tal pai-de-santo? Coitado. Cansou de fazer macumba contra o técnico caloteiro e atacá-lo com entidades e caboclos. E o técnico, aliás, hoje nada em dinheiro por conta de contratos de recisão de clubes mal administrados e que torram dinheiro em favor de verdadeiros vigaristas de porta de vestiário. O "professor" enriquece coma recisão num time qualquer e acaba ganhando o dobro do salário num venturoso novo contrato. Em pouco tempo, empregado ou não, será sempre lembrado, e reinará na capelinha dos argutos de ocasião. E enquanto está fora do mercado, fatura com a grana da multa recisória enquanto mostra toda a sua cultura e salomônica sabedoria nos microfones do rádio e da tevê, em programas esportivos. Nosso herói está espantado. Ri a toa. A razão é tão simples: a sorte dele é o "azar" dos outros, e o "azar" dele, na verdade, não é azar. No fim, ele é quem virou uma espécie de macumbeiro do futebol, e quem mistifica e entroniza certos técnicos são os dirigentes medíocres. E não é só coisa do futebol. Mas aí, quem quiser que bote a carapuça.

O divertido nisso tudo é que o nosso treinador até que poderia pagar ao pobre do macumbeiro em dobro que ele ainda lhe deve para lhe desfazer o tal quebranto. Mas pagar para quê?

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