Friday, February 04, 2011

Un patacone bucato

Dia desses, eu ouvi uma história de um gaudério que tomava café no boteco dos motoristas, aqui na Rodoviária de Porto Alegre.

O boteco dos motoristas é aquele que fica defronte ao setor de desembarque, e que vende um pastel e um copo de suco de laranja a R$ 1,50. O gaúcho estava solenemente pilhchado e escorado no balcão, equilibrando a mala de garupa à tiracolo enquanto soprava o cefezinho num daqueles copinhos de cachaça.

Baixo, voz estrídula, metido em largas bombachas gris, chapéu de barbicacho, botas de sanfona com grandes chilenas. Parecia forçar o sotaque e de vez em quando soltava um "chô mico". Fazia menção de sorver um gole, assoprava a bebida e punha o copinho de volta no balcão. E falava pelos cotovelos.

Então ele contou a história de um bandoleiro que era o terror de Uruguaiana, o Black Jack da fronteira, em priscas eras. "Pues vacês já ouviram falar do Zé Viau?". quando todos mugiram um distraído "não" em uníssono, ele começou:

— O Viau era um filho de china com estrangeiro. Desgarrado, com quinze anos, o diacho já havia matado um homem. Com vinte, ele já tinha umas sete mortes no lombo. Um dia, ele matou uma figura importante em Uruguaiana. Acabou se bandeando para os lados da Argentina — disse. — Os parentes do tal figurão da cidade então juraram vingança: não iriam descansar enquanto não metessem o tal Zé Viau numa cova rasa.

Deu um gole (o primeiro) no café. Levou o copo em riste, apontando giratoriamente para todos que o circundavam:

— Pues vacês não sabem que quando a gente coloca uma moeda furada na boca de um defunto que foi assassinado, o facínora acaba voltando ao lugar onde ele cometeu o crime? Sabem?

— Não — disse um motorista da Planalto Itaqui-Porto Alegre, com a vista turva de olheiras de mais de oito horas de viagem já meio arregalada.

— Pues então — continuou o gaúcho — puseram um patacão furado na língua do morto (uns 900 réis, mais ou menos). Cerca de dois meses depois, não é que o Zé Viau apareceu num bolicho lá de Uruguaiana? O dono do bolicho gelou. Cerrou os punhos e suou frio, como se estivesse diante do Abominável Homem das Neves. Não conseguia balbuciar palavra.

— Vacê tá vendo algum fantasma, patrício? — quis saber o Black Jack da fronteira.

Todo cagado, o bolicheiro contou a tal história do patacão furado na boca do defunto.

— O quê? — empertigou-se o facínora, que tirou o pito da boca, cuspiu no chão entre as botas embarradas e tornou a olhar nos olhos do bolicheiro que, àquela altura, estava com a cara branca como quiejo caseiro. — Vacê tá querendo me dizer que enterraram aquele sarnento com uma pataca na goela?

O bolicheiro fez um "sim" com a cabeça, olhos arregalados e a boca aberta de pavor.

— Me espere — respondeu Zé Viau.

E foi embora.

Uma hora depois, o facínora voltou. Chegou até o balcão, meteu a mão no bolso e, com violência, espalmou a mão na mesa. recolheu o braço, olhou para o bolicheiro, apontou para uma moeda furada em cima do balcão e disse, depois de um silêncio que sustentava olhando nos olhos do perplexo atendente do estabelecimento:

— Me vê um patacão de cachaça, patrício.

O bolicheiro desmaiou.


Se non é vero...






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