Saturday, February 12, 2011

O Rei se Diverte

Estava a ouvir o Rigoletto, do Verdi. Quem leu À sombra das Chuteiras Imortais, do Nelson Rodrigues, deve se lembrar de uma expressão recorrente nas célebres crônicas esportivas do escritor pernambucano: "Fazia um mau tempo de quinto ato do Rigoletto".

Ora, prá quem não sabe, a expressão é um delírio literário do Nelson. Não existe nem mau tempo na ópera e muito menos um quinto ato.

Vocês naturalmente conhecem a ária mais famosa, o La Donna É Mobile. O que vocês não sabem — acho eu, é que a ópera romântica tinha um papel na sociedade do começo do Século XIX, dado a sua popularização quando ao papel preponderante das casas de música na sociedade burguesa do Romantismo.


Ou seja, um operista como Verdi compunha uma ópera como quem hoje produz um longa-metragem.

Por exemplo, Rigoletto é, na verdade, uma adaptação do Rei se Diverte, do Victor Hugo. A peça foi um fracasso porque muitos acharam que ela fosse uma afronta ao rei francês Luis Felipe. a peça foi banida.

Verdi como perista tinha que entregar o libreto para a Censura, que na época era austríaca no norte da Itália (que não era ainda unificada). E a Igreja ia cair em cima.

A peça é um retrato sem retoques do hedonismo espúrio da corte francesa do rei Felipe I (e não Luís Felipe).

a história mastra uma corte corrompida numa vida de fofocas, de prevaricação e gente podre. E a cirte gira em torno de um bufão, Treboulet, que Verdi passou a chamá-lo Rigoletto.



Ele é um sujeito mais podre por dentro do que por fora. Sempre procura algo ou alguém para descontar o fato de que ele é feio e corcurda. A corte real é uma alcatéia de títeres onde ele a todos maneja, sem escrúpulos.

O libreto do Piave, seguindo conselhor do Verdi, que não queria deixar de adaptar a peça do Hugo, teve a habilidade de mudar a ação no tempo e no espço: Rogoletto se passa, então, na Itália do século XVI, em Mântua. O título original, A Maldição, foi também mudado para evitar problemas com a Igreja, que o acusaria de usar uma expressão funesta.

Ou seja, a quaztro mãos, eles habilmente mudaram a história mas não mudaram a essência.

Verdi soube também caracterizar os dois oponentes, o Duque, o canalha, e Rogoletto, o seu oponente. A música é leve para contrastar com o enredo sombrio e de final trágico.

Rogeletto é mais feio por dentro do que por fora, mas tem uma bela filha (bella figlia del amore). O Duque então, fantasiado de estudante, a seduz, por pura crueldade. Ela é raptada, o bufão consegue resgatá-la. Mas planeja matar o Duque e encomenda um matador de aluguel...

Mas a coisa não termina como ele esperava. O matador resolve matar o primeiro que ver na frente e não sabe que Gilda, travestida de homem para fugir de seus malfeitores, procura Rigoletto. O homem joga o cadáver da garota num saco.

Quando Rigoletto vai tirar o corpo do "Duque" do saco para finalmente jogar o cadáver num rio, ouve o próprio Duque a cantar e se saracotear a sua La Donna É Mobile. Então se depara com Gilda morta em seus braços.

Se Hugo teve problemas com sua peça, Verdi conheceu amplo sucesso mundial, a partir de 1851. É, com efeito, sua obra mais representada de todos os tempos.


Agora silêncio e parem de apupar, porque a orquestra vai tocar.

Desculpem o spoiler.


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