Thursday, February 24, 2011

A Carta


Chopin, "Minha Dor"


Esses dias eu fui pegar uma caixa de papelão no topo do meu armário de discos e caiu um livro com um cartão dentro. Era um cartão com um marca-páginas e uma dedicatória de um ex-rabicho. De repente eu esqueci a caixa e fiquei contemplando o envelope, abri e reli. Ela diz coisas como "seja feliz", "estou sempre pronta", coisa assim (não vou pegá-la de novo, óbvio).

Aquilo me causou um fluxo de consciência de ter sido raptado por uma memória involuntária. E de repente eu estava com ela enquanto eu lia a sua letrinha miúda e o neu nome do envelope.

Eu não sei porque tudo acabou mas era mais forte do que eu. Eu me apaixonei de uma forma catártica. Quando eu me dei conta, eu estava totalmente enfeitiçado. Mesmo que permenecêssemos apenas amigos, era como se aquela dedicação com que eu me oferercia para ela era como se me fizesse sair de dentro de meu egoísmo e conhecer alguém, como se ela houvesse se tornado uma depositária de todo o meu afeto.

E ficava pensando como era bom estar enamorado. E como era bom eu ficar quieto no meu canto no catre sonhando com ela. Então eu me dei conta de que eu não era assim e, de uma hora para outra, eu ficava triste e suspirando de saudades. Era pura mágica. Eu leio coisas gentis que eu escrevi para ela, coisas que eu também nem mandei. E fiquei com saudade de quando éramos quase jovens e saudade de estar apaixonado. Era algo idílico e sublime como o primeiro ato do La Bohème: talor dal mio forziere...

Falando nisso, Chopin se correspondeu com a mãe de uma garota, Maria Wodzinska, com quem ele estava enamorado. A família, no entanto, foi contra o casamento, talvez devido ao estado de saúde do compositor polonês (ele era tísico), e ele sabia que fora discriminado.


Então recebeu toda a sua correspondência de volta. Pôs tudo num envelope e escreveu, Moja Bieda (Minha Dor).

A carta dela foi quando nos encontramos pela última vez. Me lembro que eu tinha pensado milhões de vezes em por essa carta fora, mas não consegui. E guardei uma foto juntos. Não gosto da foto. Não ficou bem batida.

Barthes quando escreveu sobre fotografia falava do lado suybjetivo de quem vê. Retratos guardados são mais do que registros do real, falam a quem ficou sozinho num tempo posterior. Fala de um passado como o marco de algo que existiu e acaba criando uma nova realidade perdida no tempo e no espaço.


A foto é um registro do que não estpa. Agora, quanto mais leio, mais ela se parece real. Imagino ela se ruborizando, me olhando com seus olhos chineses de repente e pegando em minha mão, enquanto o ar era límpido de um céu muito lavado e longínquo de uma tarde antiga na faculdade...

Tentei esquecê-la; inútil. Mas é um amor que se cristalizou e faz parte apenas de algo que interessa apenas e tão somente a mim. E que, tão mágico e inesquecível, eu prefiro deixar morrer comigo. Já me odiei por sentir isso depois de tanto tempo. Mas deveria agradecê-la por tudo e por nada. Ela fez eu querer ser uma pessoa melhor. Mais: ela me libertou. Fez isso e me deixou, e me fez cativo do seu amor.

Inexplicável como as pessoas mudam. Como disse alguém, mesmo em casos fadados ao desenlace, existe sempre uma ambivalência no rompimento definitivo.

Se alguém quer estar certo de romper numa relação e não voltar de forma alguma a ela, é sempre levada a uma sensação de crueldade que, no fim, mostra sempre que, a despeito de qualquer ódio superficial, o amor ainda existe.

Peguei o envelope e joguei com estrépito para o topo do velho armário, de onde ele não deveria ter saído.

No comments: