O Chimango
Borges de Medeiros governou o Rio Grande por longos vinte e cinco anos. No entanto, pouco ou nada se sabe em matéria de anedótico do velho Presidente do Estado, que governou fraudando eleições à bico de pena de 1897 a 1907 e de 1912 a 1928.
Lacônico, discreto. Tido como mais fundo e fechado que baú de solteirona, Borges não era o tipo fanfarrão. A única história do Velho Chimango que entrou para os anais do folclore político ocorreu com um grande desafeto seu, o mineiro Arthur Bernardes.
Como se sabe, Borges apoiou Nilo Peçanha à Presidência em 1922, ou seja, contra Arthur. Mais tarde, a Revolução de 23 os indispôs novamente. Os maragatos forçaram uma guerra de guerrilhas no estado exigindo a intervenção federal no Rio Grande depois de outra eleição roubada.
Com o Pacto de Pedras Altas, mediante Bernardes, ocorreu a reforma da Carta de 91, impedindo o Chimango de concorrer em 28.
Por uma curiosa ironia do destino, os dois inimigos estavam na mesma trincheira quando Borges apoiou os paulistas em 32. A revolução não vingou: os dois conspiradores foram presos em Recife.
Foram obrigados a conviver na mesma cadeia. Não se falavam. Depois de muito insistir, outros presos conseguiram reconciliá-los. Os dois toparam. No entanto, havia um pacto entre ambos. Eles poderiam falar de qualquer coisa, menos de política.
E assim se deu, falavam de culinária, botânica, numismática, epicurismo, estoicismo, futebol, tomismo, escatologia, literatura, pintura pré-rafaelita, tudo, menos política.
Durante um vago e pachorrento café da manhã, estavam os dois calados, fazendo a ceia. Para quebrar o silêncio, Bernardes sorveu o último gole de café, depois raspou o açúcar que ficou no fundo da xícara e lambeu a colherinha adoçada distraidamente como se fosse um Chica Bon. Suspirou fundo, olhou para uma rachadura no teto e tentando puxar assunto, falou:
— Me lembro que, em 24...
Borges se exasperou. Pôs os olhos acusadores num surpreso Bernardes, afastou a xícara para o meio da mesa e disse:
— O senhor rompeu o pacto. Disse que não ia falar em política. Pois bem. Passe bem.
Depôs o gardanapo na mesa e foi embora.
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