Thursday, November 22, 2018

A Tempestade: pós colonialismo e o 'Brasil invisível'


Batalha da Guanabara, 1560

A adaptação de Otello, o Mouro de Veneza para a ópera por Verdi (1887 libreto de Arrigo Boito) sempre nos provoca a atenção por causa da sua abertura, que se dá em meio a uma tempestade, e essa cena, como um começo, me parece de um efeito dramático impressionante.
É bem sabido que Verdi (1813-1901) era um grande fã do bardo inglês. Tanto que, segundo consta, em sua vila, sua biblioteca se resumia a uma cópia do Lohengrin, do Wagner, e a obra completa do autor de Hamlet.
O que me chamou a atenção foi que, sabendo dessa influência do Shakespeare no compositor da La Traviata está plasmada em sua obra. Além de Otello, Verdi montou Macbeth (1847) e Falstaff (1893), sua derradeira obra, baseada nas Alegres comadres de Windsor e Henrique IV partes I e II.
Na verdade, esse nariz de cera é porque areditamos que essa abertura de Otello, fruto do libreto, foi inspirada, de certa forma, no primeiro ato de A Tempestade (1610-11).
Verdi não adaptou essa que é o canto do cisne do dramaturgo elisabetano. No entanto, dentro das possibilidades poéticas da recriação artística, dentro da teoria que Volcato (2007) chama de palimpesto, poderia estar dentro das diversas influências da peça shakespeareana, motivo de debate desde hoje.
Em sua tese, Volcato vai mais além das chamadas teorias pós-colonialistas, que observam como a escritura de A Tempestade se relaciona com uma época em que a Europa havia não apenas descoberto o novo mundo como repercutivo, através da imprensa (ou de livros) um considerável número de escritos que lidam com o imaginário da era das descobertas.
A teoria do "palimpesto" não tem o objetivo de buscar citações manifestas dentro da peça mas, sim, analisar todo o contexto histórico, tando da era dos descobrimentos, sua repercussão no Velho Mundo (textos como De orbe novo, de Erasmo, ou de Peter Marty e Montaigne, (Sobre os Canibais).
Mais do que isso, o autor pretende em sua tese preencher o que ele entende como "lacunas" que existem nos estudos sobre as influências de Shakespeare em A Tempestade. A sua teoria é a de que o autor inglês conhecia as biografias tanto de Carlos V quanto de um personagem conhecido dos brasileiros, Nicolas Durand de Villegagnon.
Villegagnon, personagem que teria sido redescoberto tardiamente pelos franceses, antes de fundar a França Antártica, em 1554, já era cavaleiro da Ordem de Malta, diplomata, almirante da Bretanha (afundado vários navios ingleses na região) e foi uma espécie de condottiere (mercenário) ao ajudar nobres católicos escoceses a resistir contra a Inglaterra, além de ser responsável pelo rapto da pequena Maria Stuart (futura mãe do rei James, fato que não passaria despercebido por Shakespeare) para a França.
Como observador de campanha, ele acompanhou Carlos V em sua vitória sobre Argel, tendo escrito um relato sobre a expedição, Carolus V Imperatoris Expeditio in Africam ad Argeriam, que foi amplamente difundida na Europa em várias linguas.
Para Volcato, muitos desses relatos sobre guerras e naufrágios dialogam com a concepção de A Tempestade, mesmo que a ilha de Próspero fique em lugar diverso (nas caraíbas).
Ele demonstra que, a despeito de que os primeiros estudos sobre a peça façam uma leitura "metalinguística" (uma peça falando da representação de uma história, algo recorrente em Shakespeare), teorias pós-colonias vêem o enredo como engendrado à todo aquele imaginário.
Caliban, por exemplo, seria anagrama de "canibal", o discurso de Gonçalo sobre uma utopia de um novo mundo ou da relação de Próspero com Ariel e Caliban, personagem que é interpretado por muitos analistas como o protótipo do autóctone irascível, Ariel é vista como o espírito do bom selvícola.
Contudo, além de tais estudos, que fazem parte do quabra-cabeças do palimpesto que está por trás de A Tempestade, Volcato entende que imagens, fatos, geografia, muitas coisas da peça estão interligadas à Carlos V e Villegagnon.
Falando em Mary Stuart, Volcato diz que, mesmo que não seja possível querer cobrir toda a cronologia. Se ela foi raptada com três anos (1545). Se somarmos dize anos, temos 1557, ano da segunda chegada de Villegagnon na França Antártica.
Quando Próspero e Miranda chegam à ilha, Ariel foi libertada depois de doze anos. Com quinze anos, Miranda pretende desposar Ferdinando, filho de Alonso, rei de Nápoles. Com a mesma idade, Mary casava com o delfim filho de Henrique II, que foi o rei que mandou Villegagnon para estreposto colonial no Brasil.
Ao mesmo tempo em que busca revelar tais indícios, o autor tenta demonstrar que Shakespeare, dentro da sua própria agenda, estava omitindo elementos do novo mundo (do Brasil ou da América como um todo) por não ver razão em descrever um novo mundo que não era inglês, embora tratem-se de especulações a respeito dessa 'invisibilidade' da América, que parece falar mais pela "ausência" no texto.
Já sobre o pequeno texto de Carolus V Imperatoris Expeditio in Africam ad Argeriam, Villegagnon observa o uso primitivo de algeirs (depois a terra de Sycorax) ou a constante utilização da palavra "tempestade" no relato.
Os cvaleiros de Malta, por sua vez, são mencionados cinco vezes, entre eles Ferrante Gonzaga, vice-rei de Nápoles. Ele, entre outros, a mando de Carlos V comandou o ataque à Argélia em 1541 e, invetido por Carlos, conquistaria o título de governante de Milão até 1554.
Passagens de Villegagnon, por sua vez, teriam similaridades com o retorno de Túnis e uma tempestade que seria aquela que Shakespeare criou no começo de A Tempestade. Ao contrário da peça, muitos pereceram nessa tempestade, e Villegagnon foi testemunha dessa efeméride.
Muitos diálogos da peça, ao mesmo tempo, parecem representações de personagens europeus, no entanto, como observa o autor, parecem falar de uma outra realidade, que ele entende que parecem inspirados pelos relatos sobre geografia, modos descritos pelo frei André Thevet, cosmógrafo do rei da França, quando em missão nas cotas brasileiras.
Já respeito de possíveis relações de nomes ou lugares em Shakespere, muitos críticos mesmo entendendo que o vate inglês não fosse muito preciso com relação à geografia (como nas alusões em Noite de Reis, por exemplo), há muitas possibilidades, no campo das cogitações, de que a ilha de Próspero, dadas as leituras do autor de Rei Lear de André Thevet e de que o protótipo da ilha de Villegagnon seja a França Antártica.
MaIs: nomes de personagens como Ferdiiando e Alonso mais parecem nomes de nobres detentores de cargos nas américas ou de reinos ou ducados da Baixa Europa, numa curiosa hibridização dos personagens em sua caracterização.
O que o autor acredita é que, desde o século XVIII até hoje, os estudos focam o imaginário do local onde a peça ocorre fica nas caraíbas, ou no Mediterrâneo, mas nenhum cogitou o Brasil.
Sobre a escravidão, Volcato entende que, na épca de Shakespeare, a prática havia sido tornada corrente naqueles tempos, mas não se desenvovera nas colônias inglesas senão de forma embrionária, pelo menos na época do bardo elizabetano. Logo, Ariel seria o tipo de "escravo" ou seja, um servo que trabalhava para um senhor por um determinado tempo.
Ao mesmo tempo, ele entende que havia, ao longo do no século XVII, um discussão a respeito de como a sociedade da época via a prática da escravidão, ora legitimada por fontes (como a Política de Aristóteles), ora quesionada pelo fato de não possuir nenhuma base legal, e essa questão estaria, de certa forma, poste em debate em A Tempestade, na figura de Caliban e Ariel.
Um exemplo que Volcato julga sintomático dessa 'invisibilidade' do que seria essa possível localização da ilha de Próspero como situada em terras sul-americanas ele busca em The Tempest Critical essays de Patrick Murphy.
Este autor liga Montaigne ao trecho de Ferdinando como um personagem cuja caracterização parece estar numa feitoria (citações de Miranda e Ferdinando sobre pilhas de madeira para consumo ou fogo), provavelmente especializada no corte e expotação de madeira (presumivalmente o pau-brasil). Do contrário, por que haveria de, no enredo, Caliban de ser tão necessário para o corte de madeira num país tropical como o Brasil (daí a razão do título da tese de Volcato).
Por fim, o que é o cerne do seu pensamento aqui é entender e problematzar, junto com possíveis paralelos históricos na esxritura da peça, essa recorrente 'sublimação' da imagem da experiência da exploração européia em terras sul-americanas, experiência que fora transcriada de forma subliminar na pena de Shakespeare (a partir de todas as possíveis fontes disponíveis na época sobre o tema dos descobrimentos, em crônicas e livros em geral, disseminados pela Europa) e da forma como essa visão européia foi, durante muito tempo e a partir dali, tratada de forma "subliminar" (como uma 'espiral de silêncio', usando uma figura da teoria de comunicação, um desagendamento temático proposital ou negligente), e que isso não pode ser mais negligenciado depois de analisar-se a figura proeminente de Villegagnon e da França Antártica nesse quebra-cabeças.
Próspero, como místico e nobre, em sua ótica parece possuir elementos do lado “negro” de Agrippa, escritor místico ligado à Carlos V, com elementos de Villegagnon em seu respectivo lado negro, como o Caim das américas (relacionado signicamente com Caliban), dado à suas polêmicas religiosas entre o catolicismo e calvinismo na França Antártica. Ambos, aliás, divididos entre credulidade e ceticismo.

Sobre questões do novo mundo e a teoria da invisibilidade do Brasil, Volcato diz que, assim sendo, se essa invisibilidade foi criada, reproduzida e perpetuada na peça, conscientizar-se desse fenômeno nos permite exorcizar esse elemento oculto. Da mesma forma, diz ele, ser capaz de reproduzir a possibilidade da existência desse Brasil invisível em A Tempeestade é perceber que temos em Shakespeare 'ecos' não apenas os primeiros americanos nativos mas os primeiros escravos afriicanos também.
Quando ao trabalho, diz o autor, além de dar conta da existência até a presente data de lacunas na percepção dos críticos e também até a respeito da nossa compreensão do processo criativo do bardo inglês e seu manejo de fontes e (seus processos criativos), relações com a realidade histórica da época ora manifestas ora ocultas e, mais especificamente, entende Volcato, sobre o nascimento de A Tempestade, sua pesquisa pode contribuir para que o Brasil “fique menos invisível para os críticos mais insignes de William Shakespeare”.


BIBLIOGRAFIA:
VOLCATO, José Carlos Marques. Pilling up logs in a brave new world: Brazilian invisibility abroad the genesis of Shakespeare's The Tempest. PortoAlegre, 2007.
SHAKESPEARE, William. A Tempestade. Tradução de Beatriz Viegas Faria. LPM, Porto Alegre, 2002.


Wednesday, November 14, 2018

Sonata de Outono



Acordo súbito de madrugada com o ruído do telefone. Achei que fosse hora de acordar, mas eram apenas duas e meia.

Pego o telefone, pronto? Era Beatriz. Me deu a dolorosa nova às duas e meia da manhã, depois de uma ligação do Antônio, soube de um nosso amigo comum: meu amigo Ricardo morreu atropelado saindo de Taquara quando vinha de surpresa para o casamento (casamento da Beatriz, marcado para o feriado), teria dito Antônio, responde Beatriz, aos prantos.

Mal conseguia falar. Ouvia ao fundo as vozes da irmã dela e da mãe, eis que o noivo dela pegou o gancho. Nervoso, tentou me contar o que ouviu que tinha ocorrido. Disse que o Ricardo parou o carro na estrada e estava tentando ajudar um homem que estava preso nas ferragens em outro acidente quando foi colhido por um caminhão bi-articulado. Teve morte instantânea, confirmada pela Polícia Rodoviária.

Me levanto me sentindo pesado, quase fora do meu corpo, do tempo e do espaço. Tento tomar café, sei que não vou mais dormir mesmo. Resolvo ligar para um amigo comum nosso mas, por um ato falho, acabo ligando para o número de Ricardo.

Ele atende. "Fala, xará (ele sempre me chama de xará, não sei o porquê). Estou na estrada, daqui a pouco eu chego". Espero amanhecer. Ato reflexo, escovo os dentes. Depois, faço espuma para a barba.

Me olho no espelho mas vejo Ricardo. Ele me ri e puxa conversa: "sabe, cara, é engraçado, Há coisa de uns dez anos atrás, eu tinha outra vida, vivia em função de futilidades, enfim, bobagens. Depois que me apaixonei, foi como se toda a minha vida anterior tivesse perdido o sentido.

Foi como se eu, depois dos trinta, tivesse virado adulto. Mas, ao mesmo tempo, me senti inseguro. Sabe? Parecia que eu estava entrando num outro mundo, onde eu queria ser uma pessoa melhor. E eu fiz de tudo para ser uma pessoa assim. Mudei de vida, joguei fora todo o peso extra daquela vida anterior. Mas tinha muito que aprender. Precisava provar para mim e para ela que eu a merecia, era uma batalha pessoal minha.

Mas nosso romance foi breve, e nós nos separamos. Em 2008, lembro que fui no casamento de um parente em Pelotas.

E eu era aquela pessoa posterior, pronta para a festa da vida, com beca e tudo, mas eu me sentia como se eu estivesse vestido como noivo para um casamento onde eu era apenas um convidado. Eu era o único sozinho naquela noite.

Mas eu estava feliz. Me sentia abençoado porque, mesmo só, ela estava dentro de mim, em meu pensamento. Eu ainda estava apaixonado. Tempos depois, eu a procurei, mas ela estava com outro. Então fui embora. Consegui um emprego em Taquara. Peguei os restos de mim. Lembrei do Rilke.
Eu até dei um exemplar para a Bia.

Ela disse que ia ler, mas não deve ter lido. Certamente emprestou o livro para alguém que nem deve ter lembrado de devolver. Você já leu o Cartas a um Jovem Poeta? Leia, é um livrinho curto, mas muito bonito.

Ele fala ao soldado coisas como ter coragem em sentir-se sozinho, de sentir o estranho que mora em nós. Algo assim, muito bonito, parecia até que ele havia escrito aquelas cartas para mim. Era como eu estava me sentindo naquela época. Lá eu li alguma coisa, um verso, onde ele diz: duro é mudares de vida. Não, não é bem isso. É algo assim... não lembro. Bom, o tempo passou, eu nem senti, eu havia mudado de vida.

Era até engraçado, não me via voltando no tempo. e se eu voltasse, a Bia estaria lá. Mas eu voltava em meus sonhos, e nós andávamos juntos nos mesmos lugares de sempre. Aqueles lugares não tinham sentido nenhum. Mas depois que andamos juntos, eles sempre me evocavam ela. Era sempre uma lembrança doce mas dolorosa, mas boa de sentir.

O tempo passou, eu me lembro de ir naquele casamento, eu era o convidado e ao mesmo tempo me sentia o noivo abandonado no altar. Sabe, xará, se quer saber, vou ser sincero com você. Eu sempre sou sincero com você. Não sinto mais nada por ela.

Sinto apenas que gostaria de sentir de novo aquela sensação avassaladora da primeira paixão. Eu não vou sentir aquilo nunca mais. Não que eu não vá conhecer outra garota e gostar dela. Mas aquela paixão pela Bia, da forma como foi, eu não vou sentir aquilo nunca mais, aquilo acontece uma vez na vida, é como uma epifania.

Termino a barba. Tive que trocar de aparelho porque o que eu peguei estava cega.
Encontrei Luiz, um amigo comum nosso, cedo pela manhã, num café, no centro. Ele sabia do casamento da Bia, falei do acidente. Ele ficou consternado. ia encontrar Ricardo amanhã, já que ele ia passar o feriado na capital. Juntos iam "relembrar os velhos tempos" do tempo da faculdade.

Falou: "como a vida é estranha, não é? De repente, um infortúnio desses acaba nos juntando. Concordei. Nos despedimos, eu fiquei na mesa do bar. Uma senhora senta na mesa ao lado com a filha.

Então chega Ricardo, senta na minha mesa.

Olha para os lados. Sorri: "eu sempre vinha com a Bia aqui. Não, na verdade, a gente veio aqui só uma vez. Ela estava terminando a monografia dela da Pedagogia. A gente marcou de ir na Eduardo Hirtz ver um filme do Bergman, o Sonata de Outono. Eu estava sem dinheiro, era um garoto perdido e pobre que tinha muito o que aprender...

Ele continua:

"Ela estudava, era bolsista, tinha conta em banco, eu tinha sido assaltado na semana anterior e estava sem documentos. Eu não era ninguém e me espelhava nela, achava ela adulta, resolvida, eu era mais velho do que ela mas tinha muito o que aprender. Ela não iria querer um cara como eu era, não é mesmo? Não tinha dinheiro nenhum mas dei o Rilke para ela de presente, foi aqui mesmo, nesse bar. Faz tanto tempo!

Lembro que antes a entrada era por ali e tinha uma máquina registradora daquelas antigas (aponta para o balcão)...sabe, ela pagou o meu café. Me senti envergonhado. Se me virassem de ponta-cabeça, só cairia o óculos. Mas estava tão feliz de estar com ela.

Depois, voltei muitas vezes aqui sozinho, só para lembrar daquele momento. Depois daquele dia, este é um dos lugares mais bonitos do mundo...".

Paguei o café e fui descendo a Andradas. Entusiasmado, Ricardo continuava explicando os lugares onde eles iam juntos, o sebo, a casa de cultura, o museu, a praça.

Antônio me deixa recado no telefone. Retorno o contato, ele me liga. Diz que o enterro vai ser no São Miguel às cinco da tarde. Por deus, que fim! Subo para o expediente da manhã mas souberam da história e me mandam para casa, não estava em condições de trabalhar mesmo.

Olhei o relógio. Eram apenas dez da manhã, um mormaço de novembro. Não sabia o que fazer com aquele dia pesando nas minhas costas. Entrei no Tuim, e fiquei bebendo até o meio-dia. Tinha bebido demais para um dia de semana, fazia um calor insuportável, mas estava me sentindo leve.

Subi a Andrade Neves até a Duque, estava procurando outro lugar para beber cerveja. Àquela altura da manhã, o centro estava repleto de gente, filas, ambulantes, tráfego.

Ricardo me disse que, dois anos depois, eles haviam retornado contato mas, depois que Bia se formou, era como se ela tivesse estabelecido outras prioridades. Achou que era uma fase dela, porém Bia foi se afastando, mas ele custou a entender, se tivesse entendido, não teria sofrido tanto, mas, como ele disse, ele a amava como um amor pueril, e foi um caminho sem volta, não iriam se falar nunca mais.

Era difícil de acreditar, diz ele, falando para mim mas como quem quisesse convencer a um interlocutor que era, na verdade, ele mesmo.  "É assim que as coisas são, não é? Se não, então como haveria de ser? Todo vínculo, disse ele, é um caminho para o sofrimento".

Admirei-me do seu novo espírito metódico. Ricardo havia mudado, trabalhava, sentia-se responsável, independente, e sempre dizia que foi a Bia quem mudou ele e ele era muito grato à ela. Porém sofria, porque o rompimento deles havia sido um ponto sem retorno e o tempo os havia afastado definitivamente.

Dizendo isso, ele parecia exorcizar os fantasmas dele, e isso me deixava feliz por Ricardo; mas eu sabia que ele não havia mudado. Ele queria um dia encontrar uma oportunidade de revê-la, como amigo, e contar essas coisas, e dizer o quando ela foi importante para ele. Então o casamento da Beatriz seria o momento oportuno, pegou a estrada para Porto Alegre, a fim de fazer uma surpresa.

Resolvi não ir ao enterro. Nada fazia sentido naquela hora do dia.  Eu estava cada vez confuso e aterrado, e fazia muito calor. Desci a João Pessoa e vi que tinha sessão no cinema universitário. Era um ciclo do Bergman. Ia passar o Sonata de Outono. Pensei: dane-se, vu ficar aqui e vou ver o filme.

Depois de muita demora, e muito calor, muito embaraçado, o senhor da projeção explica que o ar condicionado da sala estragou, então a sessão teria que ser adiada
.
Mais confuso, voltei à rua, atravessei a João Pessoa. Vi o Van Gogh aberto.  Entrei e, na penumbra, no fundo do salão, longe do estéril turbilhão da rua, pedi outra cerveja. No meio da garrafa, toca o telefone. Era o Luiz, do velório: "cadê você, cara? Tá todo mundo aqui!". Eu: "estou chegando". Agora eu teria que ir.

Saio até a calçada, com o peso do dia nas costas, olho para o curso da avenida, até a cordilheira do morro da Polícia contra o azul fatigado da tarde. Fui até a fila dos táxis,


Ali estava Ricardo à minha espera.

Parecia mudado: mais jovem, alegre, muito bem penteado, muito bem trajado, com um avoengo terno preto e uma flor branca na lapela, como um Proust santo. A corrida foi breve.
No caminho, tentou lembrar de algo como um trecho do Rilke enquanto a Redenção corria devagar do meu lado da janela.

"Por que não pensar que a nossa divindade não é aquilo que está por vir, o que se encontra... não não é isso". Pensou. E tentou novamente: "o que impede de projetar o nosso nascimento nos tempos que estão por vir, de modo a que pensemos a viver a nossa vida como um hino, ou um dia quente e doloroso na história de uma grande gravidez? Tudo o que acontece conosco é um grande começo".

Então chegamos. Luiz tinha razão. Ricardo tinha muitos amigos, estavam todos ai, foi muito comovente.
Ficamos ambos olhando tudo em silêncio. Então perguntei:

- Para onde você vai?
- Vou dormir. E você?
- Não sei - respondi-lhe.
- Adeus, então, xará (mal tentava eu disfarçar as lágrimas).

Porém, antes de partir, estalou os dedos.
- Ah, lembrei daquela citação completa do Rilke.
- Qual é?
- Na verdade, é do Torso Arcaico. É assim: "se não fosse assim, seria pedra e não mera pele de fera, seus limites não encontraria desmedida, como estrela, pois ponto ali não há, que não te mire. Força é mudares de vida".


Sunday, November 11, 2018

Helter Skelter





Fazendo uma clipagem do que saiu sobre o relançamento do White Album. Duas coisas me chamaram a atenção.

Uma foi a repercussão de entrevista do Giles Martin tentando refutar a tese que os Beatles estavam separados durante o processo de produção do disco.

A outra é um texto do Rob Sheffild na Rolling Stone desse mês sobre uma epifania que ele teria tido ao ouvir a versão embrionária de "Good Night"

Martin disse que, ao ouvir todo o material, ficou com a impressão de que, a despeito de brigas entre os quatro, que ele entende que ocorreram, o resultado é um trabalho rico, que seria pouco possível num clima de guerra no estúdio.

Sheffild, ao ouvir o outtake da última faixa do álbum, que John Lennon compôs para Ringo, entende que a canção era, na verdade, uma berceuse para seu filho Julian. O processo de separação dele com a primeira esposa e a união com Yoko era público e notório.

Para Rob, John fez a música para o filho, mas sentia-se fragilizado em tocar ou cantar nela. O processo de elaboração do arranjo, diz ele, mostra, como diz Giles, um momento de união da banda, principalmente no momento em que todos fazem vocalizações juntos.

Claro que, num momento de celebração como este, não convém mexer em velhas feridas. Além do mais, a gente sabe que uma união num conjunto de rock não é um mar de rosas.

Mas é interessante voltar a Abbey Road em 68 lendo, por exemplo, o Complete Recording Sessions, do Mark Lewisohn que, ao contrário da maioria dos biógrafos, resolveu passar o dia-a-dia do quarteto a contrapelo.

É curioso notar que havia tanto otimismo quando eles decidiram embarcar para a Índia. Mesmo que musicalmente produtivo - eles compuseram quase a totalidade do repertório dos próximos discos, o corolário não foi bom, a começar pela comida, que provocou a deserção de Ringo.

Ringo que seria o pivô de uma separação da banda no meio da urdidura do Álbum Branco, mas a sua deserção do estúdio foi, na verdade, o cúmulo e um processo lento que, como mostra Lewisohn ao entrevistar o staff do estúdio naqueles tempos.

Na verdade, ele não foi o primeiro. No começo das sessões, o pai de Giles coordenava a banda mas, com o tempo, viu que eles eram indomáveis. Resolveu sair em férias, e deixou instruções para Geoff Emerick que, em pouco tempo, também largou o projeto.

Nesse meio tempo, por causa de demandas dos Beatles proteladas pela EMI, entre elas uma mesa melhor, fez com que eles, segundo Lewisohn acabassem, mesmo que sem querer, descontando no pessoal da produção. Ou seja, se havia briga entre os quatro, havia ali um cúmulo de situações estressantes - além do lançamento do selo Apple, no meio do ano.

Como qualquer baterista, Ringo era o músico mais requisitado (e sobrecarregado) de quase toda banda. Esse foi um fator de disensão entre ele e os quatro (embora, no Anthology, todos acreditassem que cada um deles, respectivamente, estava sendo subestimado pelos demais).

Ou ele era obrigado a trabalhar de maneira incessante ou, na parte de mixagem, ele realmente não tinha o que fazer nos estúdios. Ao mesmo tempo, o uso contínuo e constante de overdubs fragmentava o trabalho em grupos. Não era uma banda em estúdio, como nos velhos tempos mas, sim, grupos de trabalho enxertando tapes o tempo todo.

O próprio Eric Clapton, quando foi fazer sua parte em "While My Guitar Gently Wheeps", estranhou que, ao contrário do Cream, os Beatles passassem tanto tempo enfurnados gravando. Clapton dizia que ele e seu trio ensaiavam constantemente fora,  gastando pouco tempo em estúdio, como nas velhas bandas de jazz, que gravavam elepês sem mixagens ou ensaios, matando a sessão em poucas horas.

O processo de escolha de George em colocá-lo como músico de estúdio foi, também, como forma de fazer com que John e Paul prestasse atenção em suas canções. Como aconteceria novamente, quando ele convidou Billy Preston, a banda resolveu comportar-se bem.

A maioria das faixas mostra quem eram os produtores. Se Martin trabalhou com eles, sua participação data de 23 de agosto, justamente quando Ringo foi comprar cigarros e não voltou. Nesse meio tempo, tiveram que revezar-se em faixas como "Back in USSR". Ele retorna justamente na noite em que a banda apresenta-se no programa David Frost, e grava os promos de "Revolution" e "Hey Jude".

Por outro lado, se havia brigas entre os quatro, esse processo de compartimentação de trabalho protelou o que seriam as sessões do documentário Get Back, que foram a gota d'água do que vinha acontecendo há meses.

Ken Scott, que ficou encarregado de tomar conta dos rapazes com a defeção branca do politiburo da produção, diz que, quando ficou a sós ao ser apresentado à Paul McCartney, ele respondeu: "é você quem vai ficar conosco? Então tudo bem mas, se não quiser ficar, então foda-se".

Com os Beatles no comando, o disco ficou menos "refinado" se comparado às produções de Martin. Na filosofia deles, parecia haver sempre um ponto de não retorno. O próximo disco não poderia ser igual ao anterior.

A própria capa é a ausência de significação ou parece ser a significação pela ausência de algo ou "algos", isso algo que fica em aberto para o ouvinte (quando discos tinham capas e havia arte nelas, enfim).

Com isso, o restante das sessões foi cada vez mais autoral, mas as faixas parecem ser o tempo todo paródias ("Back In USSR") ou auto-paródias ("Glass Onion") humor negro dylanesco ("The Continuing Story of Bungalow Bill", "Happiness is a Warm Gun") ou imitação de outros estilos, como vaudeville ("Martha My Dear", "Honey Pie"), english blues ("Yer Blues", um gênero que passou ao largo da carreira dos Beatles) e hard rock (Helter Skelter"), quando não John imitando Paul em "Good Night" ou o contrário ("Why Don't we Do It on the Road?), talking blues ("Rocky Racoon"), folk ("Blackbird") e experimentalismo com música concreta ,ou seja, um disco liricamente ao avesso de tudo o que eles haviam feito.

 como que um prelúdio à carreira solo dos quatro. John compondo coisas cada vez com a cara dele, como "Yer Blues", "Julia" e "Dear Prudence" e Paul tentando ser o "one man band", George com seu lirismo indiano e Ringo entronado como um crooner.  Suas colaborações aqui pareciam já desenhar o que eles fariam com o fim da banda.

Scott fala que eles reclamavam constantemente do equipamento dos estúdios, o que os fazia requisitar o Trident, que tinha, na época, uma mesa melhor. Em dado momento, John teria descontado a raiva no staff mas, depois, voltou a si e completou: "desculpe, não e como você, é com eles (o pessoal da EMI).

A despeito do clima aparentemente alegre em Esher, quando da gravação dos demos do White Album, parece que ao entrar em Abbey Road, o estresse era realmente constante.

O que não quer dizer que não existissem afetos entre eles, como nas sessões de "Birthday", quando tudo virou celebração, com direito a drogas lícitas, ilícitas e muita loucura ou nas conhecidas fotos do Mad Day Out, a sessão de fotos (de junho de 68) que mostra os Beatles quatro meninos felizes por estarem juntos, como no começo da carreira, talvez pela última vez.

O Mad Day Out parece, na carreira deles,  um exemplo sintomático que, se havia amizade entre eles, havia a certeza que aquela era da inocência estava morrendo e eles não podiam fazer nada contra isso, a não ser, encarar a vida adulta. É possível que isso, no campo das conjecturas, fosse esse motivo inconsciente de cisão, um reencontro que era, na verdade, uma despedida.

Quando eles retornaram para fazer seu último trabalho, tanto os quatro quanto George Martin e Emerick estavam ali como que comissionados do que como um grupo.

Dessa vez, eles não eram a outra banda, a do Sargento Pimenta, mas estavam fantasiados de Beatles para seu canto de cisne.

Claro que é um processo triste que ocorreu na vida de todos eles, de todos os envolvidos no processo. E como disse acima, a celebração do meio século do disco não seria o momento propício para comentar desses 'baixos'. Mas, ao contrário, isso de certa forma nos conforta, pois mostra o quanto eles eram humanos e tão próximos da gente. Que venha outros 50 anos.


PS: o box irá agradar aos fãs em geral porque muita coisa que aparece como outtake era desconhecido até pelos bootlegers mais empedernidos. Outros fãs, mais roxos, irão estranhar mudanças deliberadas em certas faixas do disco original, como os mixes de "Wild Honey Pie" e de "Long, Long, Long". 

Thursday, September 20, 2018

Invadindo o Éter

Wolfman Jack


Quem assistiu ao filme American Grafitti, ou “Loucuras de Verão”, (1973) clássico da New Hollywood e primeiro grande êxito de George Lucas, travou conhecimento com um personagem que, mesmo sendo secundário na trama, vale por quase um filme, que é Wolfman Jack.
Aliás, consta que o futuro diretor de Guerra nas Estrelas havia concebido como projeto inicial a realização de um documentário sobre ele. Assim como muitos adolescentes do começo dos anos 60 que viviam na Costa Leste americana, era impossível não ser jovem sem conhecer e ouvir o programa de Wolfman que, durante 1962 e 1964, inicialmente, era transmitido pela mexicana XERB.
Por sinal, o filme brinca também com a lenda de Wolfman Jack. Todos escutavam o programa, mas ninguém sabia quem era. Na história, podemos saber que os pais dos adolescentes americanos execravam o disk-jockey, alegando que fosse negro (talvez pela ênfase no rock ou no rhythm’n blues).
Em geral, o protótipo do DJ ideal aos olhos dos papais e mamães deveria ser algo como Dick Clark e a música respectivamente um água morna como Frankie Avalon ou Johnny Tilotson. E ainda nos anos 60, Wolfman insistia naquele rock da década anterior, tão execrado e jogado no índex. Além disso, não as sabia a partir de onde Jack transmitia. O sinal de sua rádio era tão forte que era difícil deduzir.
Daí decorria toda a sorte de hipóteses, e uma é levantada no American Grafitti, que é a de que o programa fosse transmitido de um avião que voava em círculos. A tese é divertida, tanto que, por muito tempo, realmente muitos ouvintes deveriam acreditar nesses disparates.
A verdade é que a XERB era situada na fronteira do México com o Texas. Ao contrário do que se poderia pensar, não era uma rádio pirata; ou seja, ela operava de acordo com a lei.
A questão é que, situada em determinado país, ela tinha outro por alvo. Um exemplo clássico é a extinta rádio Luxemburgo. Situada na Europa Continental, ela visava as ilhas britânicas numa época em que todo o serviço de rádio era estatal. Com mais de mil kilowatts, ela extrapolava a área de atuação, transmitindo para todo o continente. Ela era o magno exemplo do que em inglês se intitulava de “border blaster”, a explode-fronteiras.
A Luxemburgo teve o auge nos anos 60, por transmitir programas para o público jovem, inclusive, nos anos 50, retransmitindo gravações do DJ Alan Freed. Sua influência durou o tempo que o AM teve o seu auge na Europa (o FM levou mais tempo para florescer na Inglaterra do que nos Estados Unidos, por exemplo, quando começaram as primeiras transmissões experimentais na faixa, de forma comercial, ainda em 1967.
Mesmo que a Luxemburgo fosse uma rádio legal, para os britânicos ela era pirata, pois a emissora extrapolava um nicho que era eminentemente estatal, como nas transmissões de domingo. O problema é que além dela, havia outras, como a Andorra, a Monte Carlo, junto com outras que, por sua vez, eram piratas mesmo, como a Caroline, que irradiava a partir de um navio fora de águas territoriais.
O caso da fronteira dos Estados Unidos com México é outro problema de disputa. Mesmo legalizadas no México, elas transmitiam para o território ianque. Mesmo que o governo americano as repudiasse, muitos políticos e igrejas americanas usavam border blasters para atingir o público de língua inglesa.
O que tanto o Reino Unido quanto Washington conseguiram com o tempo foi restringir a prática de retransmissão de sinal produzido dentro de seus próprios respectivos domínios: assim, era proibido usar qualquer estúdio autóctone com link para uma estação estrangeira retransmiti-la.
Além disso, mesmo que, de forma manifesta, o público-alvo fosse estrangeiro, no entanto, essas emissoras vendiam o peixe como se o alvo fosse a audiência do próprio país de origem.
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caso de Wolfman Jack é notório não apenas por aparecer como uma espécie de moldura no enredo de Loucuras de Verão como ao demonstrar a influência dessas rádios de fronteira na cultura jovem do começo dos anos 60. Uma emissora como a XERB, situada em Ciudad Alcuña, é o típico exemplo de border blaster.
Ela tinha uma potência monstruosa, 250 kw — capaz de rachar na época na União Soviética de noite, e cobrir toda a Costa Oeste americana até o Canadá. Para se ter uma ideia, se uma emissora de Montevidéo transmitisse nessa potência em onda média, ela seria audível no Rio de Janeiro ou arredores sem problema algum.
Ela funcionava com horários locados, ou seja, não havia preocupação de uma programação específica. Poderia o ouvinte escutar um programa religioso (com direito a pastores pedindo dinheiro aos fiéis via correio) e, depois, algum DJ tocando rock (sob a chancela de todo o tipo de produtos estilo placebo, prometendo desde corrigir disfunção erétil quanto emagrecimento progressivo ou combate a caspa ou queda de cabelos).
Mas certamente o mais exótico da experiência de ouvir as borders era o amálgama de estilos numa playlist que ia de Hank Williams até John Lee Hooker, passando por Huey Smith, Joe Tex, rockabilly para todos os gostos e doo ups como Del Vikings, Elegants, Regents, Platters (a própria trilha sonora do filme é uma quase experiência de ouvir um programa do Wolfman Jack com as suas hilariantes intervenções ao telefone), tudo vindo pelo éter de uma rádio de outro país. Não havia limites, rabo preso e payola no sentido de direcionar a programação para o sucesso. Era preciso uma emissora de fora, com um DJ americano, para transmitir a “verdadeira” música jovem ianque numa época em que a separação racial e o preconceito musical dividia o dial norte-americano.
Wolfman, e outros disc-jockeys como Dr. B ou Huggy Boy dividiam a XERB com todo o tipo de apresentadores: feiticeiros, pastores, cartomantes, todos vendendo produtos, crucifixos, poções. Jack vivia dos anúncios, e podia então tocar nas pick ups o que lhe desse na veneta. Desta forma, tanto eles quando ele mesmo ficaram milionários explorando as border blasters.
Claro que muitas dessas rádios ainda existem, embora muita coisa tenha mudado. A lei mexicana baniu praticamente todo o serviço religioso não católico no dial, ao passo que as blasters hoje buscam mais o público chicano nessa região dos EUA (mais de 10 milhões de pessoas) nos Estados Unidos do que a garotada ianque que, há tempos já havia migrado tanto para o FM quanto para a MTV.
Por isso, a XERB, hoje XPRS, saiu das fronteiras do rock em favor de um cardápio musical mais a rigor, com mariachi e arredores para o público das cidades grandes da Califórnia, como Los Angeles, onde a programação é gravada e transmitida desde o México para aquele estado americano. Esse público é o alvo das remanescentes blasters da região de Tijuana, cerca de nove em onda média e cinco Fms. Ao invés de vender elixir para queda de cabelas, eles anunciam desde Seven Up até Mc Donald’s. Outros tempos.
Nos de Wolfman Jack, as autoridades mexicanas eram bem permissivas quanto à qualidade do conteúdo dos programas: segundo ele, para você bastava pagar as taxas e transmitir os programas estatais; em contrapartida, você podia fazer o que quiser diante do microfone. Isso também significava relevar qualquer serviço público ou até mesmo os ouvintes da região de transmissão. Afinal, o alvo era ianque ou até além. 

Wolfman Jack conta que, em noites frias, bastava molhar as antenas a fim de obter mais magnetização, e era possível chegar rachando no som em Chicago (Motown, Chess) ou na antiga União Soviética, algo notável para uma época quando não havia internet e a onda curta, além de como se sabe ter uma recepção tributária do dia, da hora e da posição do sol, ela em geral na esfera dos governos, dever manter uma programação mais controlada e voltada para formação (?) dos seus ouvintes.
As borders começaram com o surgimento da rádio comercial, nos anos 30. Porém, foi com a eclosão do rock, nos anos 50, que elas passaram a ganhar espaço por buscarem o público jovem. Nesse momento, elas tornaram-se ao mesmo tempo outsiders e mainstream. Mais do que isso, enquanto rádios “brancas” empurravam Pat Boone para a patota, ela podia ligar nas emissoras X e encontrar R&B. O próprio pessoal de Chicago, que paradoxalmente tinha seus discos banidos da programação local, ouviam Muddy Waters e Marvin Gaye de noite por conta das border blasters. O próprio ecletismo dessas históricas transmissões acabaram influenciando tanto o gosto da audiência quanto o estilo das bandas que surgiriam naquela região, misturando tex-mex com blues, hillybily e a aurora do rock, quando o gênero ainda estava identificado com a cultura jovem.
Enfim, eram DJ que agiam como lobos solitários, não tinham respaldo de grandes anunciantes, não militavam em grandes rádios, mas tinham considerável autonomia na programação e influência decisiva em vastas regiões dos Estados Unidos. No caso de Wolfman Jack, mesmo que não declaradamente, ele era o anti-Dick Clark, o anti-estabilishment, o anti-bunda-molice; mesmo antes de alguém usar o termo contracultura. 

Thursday, August 16, 2018

Gricel

A musa de Contursi



Antes um parêntese: eu comecei a ouvir tango meio de brincadeira. Lembro de um tio que tinha uma discoteca gigante e diversificada, e ele tinha alguns discos de música platina que eram, por assim dizer, álbuns brasileiros que mais pareciam aquela visão que as pessoas em geral têm do tango: algo muito associado à dança, e sempre calcado nos temas mais conhecidos. Talvez por conta disso, eu sempre achei um estilo chato e desinteressante.

Uma dessas bolachas, porém, me chamou a atenção. Era uma coletânea de 8 rotações da orquestra do uruguaio Francisco Canaro, pioneiro da história do disco, o músico granjeou fama e catalisou toda uma geração de jovens músicos e cantores nos anos 30 a 50 que é possível chamá-lo de o maestro do período clássico do tango.

Claro que tudo isso eu soube muito depois. Antes, contudo,  havia esse disco, com uma capa engraçada, um bandoneón com dois olhos. A coletânea era curiosa, porque as chapas originais eram de 78 rotações e o álbum foi relançado até meados dos anos 70 pela antiga Odeon.

Não ouvi o disco até que, num desses movimentos curiosos, eu acabei ganhando um lote, que ia de sambas até quase todos os Roberto dos anos 70 e, por incrível que pareça, aquele disco do Canaro.

Muitos daqueles vinis eu acabei passando adiante. Mas, por conta da oportunidade de poder finalmente matar a curiosidade e escutar o disco me fez ficar com ele. E a verdadeira experiência da audição é aquela quando nós colocamos o disco ou o CD na vitrola e ouvimos por conta própria. A audição passiva - típica do ouvinte de rádio, por exemplo, não sedimenta essa relação do ouvinte com o artista.

Lembro que pus o Canaro na vitrola e achei aquilo muito engraçado. Tinha um som muito antigo, disfarçando o mono de gravações de mais de três décadas num falso estéreo muito mal feito, mas eram as chapas originais.

O divertido é que, naquele tempo da Guarda Velha, os temas eram apresentados como nas orquestras tipo Toomy Dorsey: uma longa introdução instrumental e o cantor entrava quase no final, fazendo com que, muitas vezes, a letra do tango não fosse cantada inteira. Ao mesmo tempo, os crooners ainda tinham aquele atavismo do canto lírico, sempre forçando um pouco os vibratos, algo que Gardel não fazia muito, o que o transformava, na minha opinião, num cantor moderno mesmo que ele fosse inclusive anterior àquelas gravações do Canaro (entenda-se aquelas do disco, porquanto sua carreira começou com o disco, ainda nos anos 10).

De tanto ouvir aquele disco, eu comecei a procurar em sebos outros álbuns do tipo. Tudo muito difícil. A grande produção daqueles tempos do Canaro na Odeon foi sendo relançado em coletâneas pelo Cone Sul mas, aqui, no Brasil, à medida em que nos afastávamos historicamente daquela relação com a cultura platina, a indústria fonográfica no Brasil passou a se desinteressar em relançar esse catálogo antigo.

Diferente da relação 'platina' com o tango, onde os audiófilos se relacionam bastante com o catálogo antigo, aqui optou-se por aquilo que expus acima: discos que exploram, à feição do ouvinte brasileiro moderno, em álbuns que são meras arapucas.

Á medida em que fui realmente entrando nesse mundo do tango gravado (a Guarda Velha, antes do Piazolla), eu fui me interessando tanto como ouvinte audiófilo especificamente do tango como ouvinte "platino", nem como um nostálgico do tempo dos meus avós, quando a cultura platina vicejava em Porto Alegre, influenciando o esporte (turfe), a música (tango, milonga) e até a imprensa (o tablóide).

Ou seja, não se trata de saudosismo mas, sim, a necessidade de tentar entender onde acabou essa integração da nossa região sul com os outros países e por que o Brasil resolveu ficar de costas para o Prata. Poderíamos dizer que a necessidade de integração nacional, operando em vários níveis mas mais em nível político e, num segundo momento, com a urgência de uma indústria cultural onde toda a produção acabou sendo, em tese, estandartizada em todo o Brasil, de tal forma que, de uma forma mais sintomática, houve uma 'separação' entre as duas partes.

Essa questão é mais sintomática ainda quando o Vítor Ramil publicou a 'Estética do Frio' (2) e que fala um pouco disso (embora não fale exatamente disso). O manifesto, que não é exatamente um manifesto (publicado no primeiro Nós os Gaúchos), como ele mesmo pontifica, mais do que tematizar a respeito de uma cultura própria a partir do Prata, o texto pode dar pistas para que possamos entender esse atavismo platino e da forma como isso se perdeu - e quando ele teve o epifania ao observar, fora do sul, de como ele estava mais distante do do que estava, ao analisar a questão a partir do centro do país.

O que eles consideravam o fim do mundo era o começo de um outro pólo cultural, com uma linguagem comum, e como se esse estranhamento nosso residisse num erro de perspectiva, ainda mais dificultado pela barreiras de língua e fronteira. Porém, como entende Adriana Dorfman num interessante ensaio sobre a literatura de fronteira e representações (3), essas manifestações se enquadrariam no que poderíamos chamar de comarca cultural do pampa, como uma negação da congruência entre cultura e nacionalismo, onde a fronteira nacional delimitaria práticas culturais e língua.

Contudo, no caso gaúcho, observa Adriana, a fronteira é o marcador, o símbolo de uma cultura, uma especificidade em relação ao Brasil. A partir daí, ela infere que a literatura, e poderíamos sinalizar, a produção cultural como um todo, e esse é o ponto de contato com a observação de Ramil em sua 'estética', carrega a ambiguidade de ser transnacional, compartilhada por Uruguai e Argentina.

Tudo isso seria eu olhando em retrospectiva ao reouvir aquele mesmo disco do Canaro: de como que eu, ao ouvir esse tipo de música, me torno deslocado, por que deslocado? Por que nós nos desinteressamos em ouvir tango como se ouvia antigamente? Claro que, falando a partir de Porto Alegre, hoje, ainda mais para quem vive na fronteira, não existe lá muito estranhamento.

Mas acho que a questão mais curiosa é que historicamente houve uma relação cultural que se perdeu, e esse hábito de ouvir tango passa por isso. Porque, fora desse âmbito, o tango é música de turista brasileiro em Buenos Aires. E a impressão que eu tenho é que esse esse é um sintoma dessa falta de perspectiva.

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Agora sim, de saco para mala:


O disco de tango em questão é Adiós Pampa Mia. O álbum é uma coletânea muito provavelmente dos anos 60, lançado em capa-sanduíche, que era um formato muito comum da gravadora naqueles tempos. Eu confesso que sempre achei bizarro demais aqueles vocais, depois eu descobri que aquilo era o estilo de época, o crooner, embora sempre muito expressivo, vinha sempre depois do diretor de orquestra (paradigma que seria quebrado pelo Sinatra ainda nos anos 40). Mas fui me acostumando e procurando outras dessas coletâneas.

A maioria dos 78 dessas compilações foram registradas entre 1939 e 1950 e, raras exceções, já eram regravações que Canaro havia feito antes mas que, devido à tecnologia precária dos primeiros tempos do disco, isso fez com que o maestro regravasse muita coisa, como "El Entrerriano" por exemplo.

Lógico que tudo isso eu fui saber depois de descobrir livros especializados, escritos por audiófilos como José Lino Grunewald (1) e depois do advento da Internet, que me fez também descobrir o nome daqueles cantores dos bolachões do Canaro. Isso para ver o que havia de informação a respeito das gravações, e que muitas vezes eram sonegadas ainda que de forma involuntária, nessas coletâneas, feitas sumariamente para vender.

Depois descobri que muitos dos temas daquele disco eram clássicos, como "Envídia", "Una Lagrima Tuya", "Confessión" e duas que me chamavam a atenção: "Gricel" "en esta Tarde Gris".

O livro do Grunewald tinha uma função de ser um dicionário para neófitos no assunto. O problema é que, quando ele saiu, aquelas gravações, mais especificamente as do Gardel, eram inalcançáveis. Assim como o Canaro, com muita dificuldade era possível achar alguma compilação do Morocho do Abasto já que a produção dele é anterior ao long-play. O que existia estava já esgotado e nas mãos de colecionadores. Isso dificultava e dificultou, por muito tempo, que fosse possível conhecer essas gravações.

O fascinante em tangos é que tudo vira assunto. Uma rua, um bairro, um gato de porcelana. E muita dor-de-cotovelo. Aliás, uma das provas dessa atávica integração entre platinos e gaúchos está na lírica de um Lupicínio Rodrigues.  Enquanto a música é samba-canção, a letra dele é de tango. É um caso a ser estudado, a de um cancionista brasileiro gaúcho que misturou, de forma singular, sambas com letras de tango.

Entre muitas histórias,"Gricel", por exemplo, é um tango que tem uma história que valeria por si só um post inteiro. A música é uma espécie de, mal comparando, uma "Layla" portenha. É uma história de amor eternizada como tango.

O compositor José María Contursi conheceu Susana Gricel em 1935. Ela viva em Córdoba na época e foi à Buenos Aires assistir a uma apresentação de Nelly Omar, amiga dela, na rádio Stentor. O locutor da emissora na época era Contursi (também filho de Pascual Contursi, autor de "Mi Noche Triste", que inaugurou o tango-canção quando Gardel a interpretou no Teatro Empire, em 1915) que, apaixonou-se por ela instantaneamente. Porém, ele já era casado e tinha uma filha. A paixão foi correspondida, mas ela acabou voltando para sua cidade natal.

Eles mantiveram contato por cartas. Tempos depois, com problemas de saúde, Contursi foi tratar-se numa estação em Córdoba. Nelly, a amiga de Susana, ao saber do estado de saúde precário de Contursi (tinha febre intestinal numa época sem antibióticos e o médico ordenou-lhe que mudasse de ares). Ela o procurou e disse: "lembra de Gricel? Os pais dela tem uma estação de águas em Córdoba".  O idílio durou até que ele pôde recuperar-se e voltar para a capital.

A separação aparentemente definitiva fez com que Catunga definhasse em tangos que se tornariam clássicos, como "Sin Lágrimas":

 Ya ves, mis ojos no han llorado
Para qué llorar lo que he perdido
Pero en mi pecho desgarrado, sin latidos, destrozado
Va muriendo el corazón

"En Esta Tarde Gris", com parceria de Mariano Mores na música, que inclusive toca magistralmente na versão de Canaro:

Qué ganas de llorar
En esta tarde gris,
En su repiquetear
La lluvia habla de ti.
Remordimiento de saber
Que, por mi culpa, nunca,
Vida, nunca te veré.
Mis ojos al cerrar
Te ven igual que ayer,
Temblando al implorar
De nuevo mi querer.
Y hoy es tu voz que vuelve a mí


A mesma parceria gerou em 42 "Gricel", que transformou susana na "moça do tango".


No debí pensar jamás
En lograr tu corazón
Y sin embargo te busqué
Hasta que un día te encontré
Y con mis besos te aturdí
Sin importarme que eras buena
Tu ilusión fue de cristal
Se rompió cuando partí
Pues nunca nunca más volví
¡Qué amarga fue tu pena!”.


A paixão de Contursi valeu uma ciranda de tangos inspirados por Susana: "Garras", "La Noche Que te Fuíste", "Cristal",  "Sombras Nada Más" (que viraria sucesso com Javier Solis no México anos depois) e "Cada Vez Que Me Reuerdes".

A história ganhou mundo. Porém, enquanto ele se desesperava, Gricel viu-se forçada a casar com um certo Jorge Camba, em 49. O casamento (só no civil) durou pouco, dado às saídas dounjuanescas dele, que logo acabou abandonando Susana com uma filha.

Muitos anos depois, Gricel soube da ruína de Contursi, através de Ciríaco Ortiz, quando passava por Córdoba: viúvo há anos, acabava-se bebendo hectolitros na confeitaria El Molino.

Foi lá que Susana encontrou Catunga, vestindo gris e entornando parati. A partir dali, ela ia constantemente a Buenos Aires, a fim de mantê-lo longe da bebida. Mas para que ficassem juntos, ele disse a ele: "nós vamos subir para Córdoba mas o uísque fica aqui". Em 67 eles finalmente se casaram, ele com 56 anos e ela com 47. A união durou até a morte dele, em 72.


Notas:


(1) GRUNEWALD, José Lino. Carlos Gardel, lunfardo e tango. Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1994.
(2) GONZAGA, Sergius (vários). Nós, os gaúchos. Ed. da Universidade/UFRGS, 1998.

(3) DORFMAN, Adriana. Representações, normas e lugares: contos de contrabando da fronteira gaúcha. Revista Para Onde? Programa de Pós-Graduação em Geografia UFRGS. Volume 6, número 2, 2012 

Tuesday, August 07, 2018

Maria Fumaça


Estação de Pedro Osório-RS



Tem um artigo da Wikipedia em inglês que lista músicas cuja temática de trem.
Por exemplo: "Orange Blossom Special", imortalizada por Johnny Cash; "Tuesday's Gone", do Lynyrd Skynyrd. Outras: "The Ballad of Casey Jones", "Hey Porter", "Rock Island Line", "The Night They Drove Old Dixie Down", "Love In Vain", "Take This Hammer", "Night Train", e muitas outras tantas.

Ou seja, é um tema recorrente no repertório americano, dado que este meio de transporte se mistura com a própria formação e a história daquele país.

Basta lembrar que o tema aparece na literatura também. Não preciso lembrar de Jack Kerouac que, como seu amigo Cody/Dean, trabalhou como guarda-freios na Califórnia e, como a maioria dos vagabundos e os desesperados okies do livro do Steinbeck da primeira metade do século passado, pegava carona em vagões vazios, uma cena também recorrente em toda a sua obra. Ou seja, o trem faz parte da paisagem e do imaginário americanos mais especificamente.

Por isso que no Brasil, que é um país sem trens, usá-lo como tema causa certo estranhamento. Por exemplo, quando ouvimos "Sob um Céu de Blues" ou "Expresso do Blues (quem lembra dessa?). Ela fala sobre alguém que foi abandonado numa estação de trem, uma coisa bem "Love In Vain". Grande licença poética, porquanto é o cenário perfeito, mesmo que seja difícil ambientar uma cena dessas por aqui. Porque não tem trem.

Como se sabe, a ditadura sucateou a rede ferroviária federal nos anos 70 para pavimentar o caminho para as empreiteiras transformarem o Brasil no país do asfalto. Então não dá pra fazer música de trem porque não tem trem, é algo ligeiramente anacrônico.

O que restou da malha hoje está cedida a empresas particulares.

Se o leitor for à Cruz Alta, e espero que vá, irá conhecer a estação de trem da cidade (fica atrás do museu Erico Verissimo). É como voltar no tempo. A estação está lá, muito bem conservada, mas só para visitação. Os trens são todos da América Latina Logística (ALL). Uma estação de trem na Europa é uma estação de trem. Aqui, é pura nostalgia ou saudade de um tempo que muitos viveram no passado, mas que nós não vivemos.

"Sob Um Céu de Blues", por exemplo, pode ser considerada anacrônica, já que foi engravatada numa temática típica do rock, mas num ambiente fora do tempo. Mas existem canções de trens do tempo que andávamos sobre trilhos. Por exemplo, lembrei-me de "Maria Fumaça", que é do primeiro disco da dupla Kleiton  & Kledir.

Lembrei dela por acaso e, ao mesmo tempo, lembro também da minha infância, quando tínhamos o disco gravado numa fita Philips (na verdade uma miscelânea dos dois primeiros álbuns, feita com carinho com um amigo nosso que era fã de música regionalista) e sempre ouvíamos os primeiros discos do Kleiton e Kledir nas nossas viagens e passeios de carro. Sempre que eu ouço "Maria Fumaça", lembro das longas vigileaturas entre Curitiba e Porto Alegre.

Ela tem todos os elementos da canção de trem, a começar pelo ritmo que mimetiza o andar da locomotiva. A música conta, como um crônica não sem uma boa dose de humor e nostalgia (para nós) as atribulações de um noivo que vai de Porto Alegre a Pedro Osório para casar antes que o padre resolve colocar outro em seu lugar, como diz a letra. No fim, achando que não vai chegar à tempo, perora que vai querer indenização da Rede Ferroviária Federal (RFFSA).

A letra faz menção à linha que ligava Rio Grande a Bagé, e que existiram até pelo menos 1980 (época de lançamento do disco). Também fala de um passageiro que seria de Canguçu - onde havia um histórico ramal que ligava Pelotas até Santa Maria, até os anos 60.  Já a citada linha de Pedro Osório continuaria ativa até o começo dos anos 90.

Já a RFFSA citada em "Maria Fumaça", representou a união de todas as linhas do país, e existiu por meio século, até a sua extinção, em 2007, há pouco menos de uma década. Contudo, nessa época, o transporte ferroviário de passageiros formalmente já não existia há décadas no país. Quando o governo federal concedeu as linhas públicas à iniciativa privada, as empresas não se interessaram pelo transporte de passageiros.

O restante da malha ativa pertenceu depois à America Latina Logística, que é o logo que vemos nos vagões da empresa quando vamos visitar a estação de Cruz Alta. Chega a ser curiosamente fantasmagórico quando, de madrugada, é possível ouvir apitos de trem pela noite da pequena cidade do noroeste gaúcho.

Acabou o trem e acabou a poesia, só temos agora a infinita highway...

Monday, July 30, 2018

Festim Diabólico

Se você voltasse à Porto Alegre de 1864 então se espantaria em perceber que a cidade ia da ponta do Gasômetro até a Santa Casa. Ali ficava um muro, que fora reformado na época dos Farrapos. A antiga Independência era uma estrada descampada onde, à esquerda de quem sobe, ficava a chácara da Brigadeira, e que se estendia até as margens do Guaíba.

No burgo açoriano, pois ficava restrito praticamente à península, e isso antes dos primeiros aterros, a área era bem menor. Enquanto a elite municipal encastelou-se basicamente na Duque de Caxias, então, rua da Igreja, o lado pobre da cidade era a que margeava o rio, pulava a ponte e seguia pelo antigo Areal da Baronesa, hoje o prolongamento do Pão dos Pobres.

Se você descesse pelo antigo Beco do Oitavo (por causa do Batalhão dos Caçadores, que ficava na boca da rua, nos portões da cidade, hoje a Des. André da Rocha) e chegasse além da Cel. Fernando Machado naquele tempo, ia cruzar por suas calçadas fétidas, onde o esgoto e a água das calhas e misturava em miasmas pela rua afora.

Se fosse perfazer o trajeto à noite, iria cruzar com uma cena caligaresca: trechos mal iluminados, muitas casas de pensão e lupanares. Muitos escravos-de-ganho eram jogados na prostituição por seus amos. O sexo era fácil a a violência gratuita.

A pior parte era atrás da Matriz. Como havia um cemitério onde hoje fica a Cúria, aquele entorno era desvalorizado. Segundo cronistas como Sérgio da Costa Franco, era comum no local desenterramentos causados pela chuva, com direito a caveiras se misturando ao lixo do curso.

Sair à noite era considerado loucura. Era cada um por sua conta e risco. Você podia tanto ver um crime, um assalto, uma curra, uma degola, ou ser vítima disso. Pior: você poderia encontrar com um certo José Ramos. Ele poderia te convidar para cear à casa dele, ali, no Arvoredo e, sem que você pudesse pestanejar, era morto a machadadas e finalmente transformado em carne para linguiça.

Os crimes da rua do Arvoredo, como ficaram conhecidos os incidentes que ocorreram nesse período, naturalmente foram matéria que foi apagada pela memória oficial na mesma proporção em que tornava-se lenda. Ao virar lenda, a maioria das pessoas que mencionava essa efeméride não sabia quem foram os autores dos assassinatos, muito menos a data. Sabiam que, durante certo tempo, Porto Alegre, que já era uma cidadela rude e caótica, foi uma cidade antropófaga.

Eu particularmente sabia da história mal contada pelo Renato Maciel de Sá Júnior, nos seus anedotários. Mas era preciso que houvesse algum indício histórico, para que fosse possível referir-se aos crimes como algo dentro do tempo.

Quem desenterrou essa tenebrosa página foi Décio Freitas. Lembro que assisti a uma palestra dele na Famecos na época que ele lançou o seu livro O Maior Crime da Terra, em 1997 (1). Ali, ele pegava das teorias darwinistas (aliás, o autor da Origem das Espécies tomou conhecimento da antropofagia porto-alegrense) para dizer que, à Zola, o homem falhou como ser humano e o seu atavismo animalesco falava mais alto. Cada homem traz o chacal dentro de si.

Décio falou que, quando ele era repórter do Diário de Notícias, em 1960, resolveu publicar os crimes do Arvoredo a partir de fontes, que eram os autos dos julgamentos. Foram três ao todo, sendo que, salvo em fotocópias que ele conservou quando pesquisou sobre o assunto, e que posteriormente boa parte do material foi misteriosamente extraviado do Arquivo Histórico.

Ao mesmo tempo, a redação do Diário passou a receber ligações anônimas e de grupos religiosos, pedindo para que a série de reportagens fosse suspensa. Por pressão de mãos invisíveis (possivelmente irmãs daquelas que sumiram com boa parte dos autos dos crimes), existia algo que queria pôr uma pedra sobre o assunto.

Foram quase 130 anos até que surgisse uma publicação que desse conta do assunto sem que fosse pelo viés pitoresco e lendário.

A história começa pelo meio. José Ramos foi preso acusado da morte de duas pessoas: José Ignacio de Souza Ávila e Januário Martins Ramos da Silva. A partir daí, foram acusados ele e sua esposa, Catarina Pulse, uma alemã húngara, muito jovem à época (quando saiu da cadeia, tinha apenas 41 anos). Muitos dos imigrantes alemães que vieram com ela teriam sido originários daquela região da Europa.

O grande problema é que Ramos era um rábula a serviço da polícia. Então havia uma relação entre ele e a Justiça, isso complicava as coisas para a polícia, na medida em que "facilitava para ele".

Ambos foram julgados e condenados. Porém, havia mais. Tudo mudou quando, anos depois, Catarina resolveu contar o começo de tudo. Ela e Ramos, mais Carlos Claussner, açougueiro na rua da Ponte, e mais um grupo de alemães vizinhos deles, faziam parte de uma quadrilha responsável por uma série impressionante de assassinatos sem precedentes aqui.

Só que, se no caso do primeiro julgamento, os dois comerciantes assassinados foram mortos e tiveram seus cadáveres ocultados, havia um outro grupo de vítimas, em geral, pessoas desconhecidas na capital ou de passagem, que foram mortas a mando de José Ramos, e tanto Claussner e Catarina (e pelo menos mais duas pessoas) foram cúmplices do que foi o açougue.

Depois de degolados (2), tinham a carne do corpo triturada (por Ramos e Claussner) e transformada em linguiça, fartamente vendida, por puro prazer de Ramos que, por sua vez, tinha uma ascendência enorme entre aqueles alemães, para grandes luminares da capital que, como Tiestes (da outra lenda), foram canibais involuntários...

Do ponto-de-vista legal, ao que parece, observa Freitas, havia primeiro o dilema de Ramos estar ligado à Justiça, pois era informante e tinha um "foro privilegiado", ou melhor, dangerous liaisons" entre a polícia e o criminoso. Por outro, havia um certo temor, por parte dos edis da cidade, em imbricar um grupo de alemães ao crime - o que, de fato, ocorreu, por conta de um certo antigermanismo que existia em Porto Alegre (e que iria desaguar na questão dos Mukers, esta, também, omitida por muito tempo).

Ainda em 1862, diz Décio no livro, o Deutsche Zeitung, hebdomanário produzido por alemães na capital, quase foi empastelado e seus donos linchados depois de um artigo de fundo que se colocava do lado dos ingleses na Questão Christie. A polêmica quase descambou num outro incidente diplomático, e tudo isso ocorreu numa cidade perdida no mapa.

Ora, imagine o que iria acontecer se os crimes fossem finalmente revelados, da forma como ocorreram, e ao acusarem-se um "grupo de alemães antropófagos" como os autores? Assim, seguiu-se praticamente a lógica perversa da peça do Ibsen, O Inimigo do Povo: às vezes, para o bem geral da nação, é melhor que a verdade não seja dita.

O dilema da polícia era, com efeito, associar os crimes à comunidade alemã: isso poderia ir contra todo o programa de imigração que era promovido pelo Império.

Décio Freitas explica que, mesmo depois de condenada e solta, ela resolveu finalmente contar tudo à polícia. Segundo ela, por puro descargo de consciência. Porém, a sua versão mudou o curso do que se sabia sobre o caso: de que era uma espécie de  folie en famille de uma quadrilha que vivia em função da figura de José Ramos (na sua vizinhança, no Arvoredo)  que, à época da confissão de sua companheira, também já estava mais fora da cadeia do que dentro. Era enfermeiro na Santa Casa.

Por esse e tantos outros fatores, a história foi sendo apagada, até virar lenda, sem indicação de nomes e de datas. Tanto que, até pouco tempo atrás, existia um sobrado verde (que ficou muitos anos fechado, até foi finalmente demolido, nos anos 2000) atrás da Cúria, onde muitos vizinhos na Fernando Machado diziam ter certeza de que aquela era a casa dos crimes.

O que não poderia ser: a Porto Alegre de 1864 não existe mais no mapa de hoje, exceto com relação a alguns prédios públicos, como o Solar do Gen. Câmara e a antiga Assembléia. O centro atual é uma cidade em cima daquela cidade.

Na verdade, Ramos, mesmo acobertado por cúmplices que preferiram calar, teria cometido o crime perfeito. O assassinato dos dois comerciantes, (mais um menino e um cachorro) foram, por assim dizer, o ato falho dos crimes (o assassino sempre "se entrega" inconscientemente, diria a corrente freudiana), e o que levou-os ao patíbulo.

Claussner, que havia sido listado como uma das vítimas, por sua vez, era o cúmplice nº 1. Ele é que era o verdadeiro açougueiro: a carne dos assassinados eram transportados em baús, do Arvoredo até o açougue da Riachuelo, que ficava atrás das Dores, numa época em que a entrada da igreja se dava pela Riachuelo, o que tornava o estabelecimento bastante conhecido pela população. Em sua confissão, Cataria disse que chegou a provar da carne (pode ter consumido em larga escala já que ela mesma disse que, em tempos de fome total, na Transilvânia, parte do povo recorria ao extremo do canibalismo).

Ramos resolveu matar Claussner porque acreditava que este fosse entregá-lo caso chegasse ileso a Montevideu, e então contaria dos primeiros crimes. Antes de qualquer certeza, deu cabo da vida de seu parceiro. E aquela pessoa que ele imaginou que não iria contar toda a história, Catarina, foi quem acabou contando.



NOTAS

(1) FREITAS, Décio. O Maior crime da Terra: o açougue humano da rua do Arvoredo. Sulina, Porto Alegre, 1997. 

(2) A degola era por aqui uma prática comum (algo como torcer um pescoço da galinha do almoço, diriam alguns), usada para crimes em geral e na guerra. Ou seja, muito mais comum do que pode parecer. Décio iria além num livro posterior, O Homem que Inventou a Ditadura no Brasil (2002), ao descrever como a degola era uma segunda natureza dos combatentes da Revolução Federalista de 1893, descrevendo com requinte de detalhes, como inimigos e prisioneiros (e populares) eram mortos dessa forma. Uma prática que estaria atavicamente ligada à história das guerras de fronteira no Prata, e que seguiu por aqui, até na Revolução de 23, a última que separaria chimangos e maragatos. 

Saturday, July 21, 2018

A Guerra dos Classificados

Nos anos 70, em Porto Alegre, existia uma guerra quente entre a Caldas Júnior e a Zero Hora.

Se existe uma data específica, ela teria começado quando, num determinado momento, endividado, Mauricio Sirotsky Sobrinho decidiu vender seu jornal para Breno Caldas.

Este, sem saber o que faria com ZH em suas mãos (talvez meter o cetro em sua testa, como o faraó), teria dado um solene chá de banco em Maurício. Este, a partir de então, decidiu que ia levar o jornal até o fim.

Até o fim dos anos 70, muitas tentativas de desbancar a Companhia do Correio do Povo-Folhas deram com os burros n'água. Uma delas foi o efêmero Hoje. Planejado como um tabloide de 48 páginas, a publicação surge em 1974 visando bater a Folha da Tarde. Para tal empresa, foram contratados profissionais tanto da concorrência quanto de outras praças.

Um dos problemas imediatos foi a concorrência com a própria Zero Hora, além do fato de que a Caldas Júnior, àquela época, operava em duas frentes, da Folha da Tarde e a da Manhã, esta desde novembro de 1969.

A Folhinha, como era chamada, nasceu da costela da Folhona, a partir do caderno de esportes. Considerado como ideia de Francisco Caldas e contando com uma redação jovem e dinâmica (Geraldo Canalli, Mário Marcos de Souza, Luís Fernando Verissimo, Ivete Brandalise, Carlos Nobre, entre muitos outros), ela marcaria época no começo dos anos 70.

Acusada de "comunista" e desprestigiada até pelo próprio Breno Caldas, ela sofreu uma intervenção em 75. Muitos jornalistas foram demitidos e, em sua maioria, acabariam fundando um projeto muito mais revolucionário - o Coojornal. A "folhinha" ainda agonizaria por mais cinco anos, até ser fechada, em 1980.

A experiência do Hoje foi efêmera: apenas nove meses. Com o fim do diário, sua redação foi incorporada à Zero Hora. Ao mesmo tempo, o jornal de Maurício Sirotsky havia adquirido novas unidades em suas rotativas. Inspirado no projeto de classificados do Miami Herald, em 1978 nascia o ZH Classificados.

Nessa época, o Correião tinha os seus classificados. Contudo, eles não davam comissão para agências, e a ZH passou a dar. E diferentemente da Caldas Júnior, a equipe do jornal da Ipiranga optou por descentralizar o atendimento em diversos pontos, ao mesmo tempo em que centralizava a demanda num número só e fácil de decorar, o famoso 139.

A Zero Hora começou cobrando um terço dos preços da Caldas Júnior. Em um ano, eles conseguiram amealhar metade do mercado. Já na Folha, como diz Walter Galvani (1), a presença de Edilberto Degrazia como diretor desde 1965 impedia uma efetiva modernização do tabloide, até 77, quando Edmundo Soares toma o posto do antigo plenipotenciário, que passa a responder pelo Jurídico.

Se 78 foi o ano da ascensão de ZH com os classificados, a data representou simbolicamente o começo da longa e dolorosa decadência da Companhia Caldas Junior.

A manutenção de uma folha de pagamentos mastodôntica, somada a gastos enormes com a instalação da tevê (protelada por anos e finalmente inaugurada naquele ano) começava a fazer água nas finanças da CJCJ, embora a realidade financeira da empresa fosse assunto de economia interna.

Quando a Folhinha foi fechada, em março de 80, a redação da Folhona chegou a mais 250 pessoas, sem contar com as sucursais. Naquela data - soube-se depois, a Companhia do dr. Breno já devia, só no Banco do Estado, mais de 2 milhões de dólares (subiria para dez em 1983, quando seria finalmente executada no governo Amaral de Souza, este, um desafeto de Breno, como este conta em seu depoimento (2)).

No caso da Folha, Galvani entende que a presença de Degrazia por tanto tempo engessou a renovação do jornal, da mesma forma que, com o recrudescimento da ditadura, manteve uma linha dura editorial, diversa do que historicamente havia sido a Folha desde o começo, em 36.

A FT ainda contava com correspondentes no interior do estado - inclusive em cidades da grande Porto Alegre, como Canoas e Viamão. E mantinha cadernos regionais, publicados apenas em partes do Rio Grande.

Só com o fim da Folhinha que a sua remanescente irmã mais velha inaugurou o seu caderno de classificados, isso cerca de dois anos depois do pulo do gato dos Sirotsky. "havíamos perdido o domínio dos pequenos anúncios para a Zero Hora", diz Galvani em seu livro. "A tentativa de reconquistá-la era imprimi-los no Correio e na Folha".

Na tentativa se olhar para o futuro, porém, a Folha espelhava-se no seu passado. Junto com o chamado classificado Dose Dupla, decidiu retornar com a Folha Esportiva, jogando derradeiras fichas no futebol, enquanto apostava num folhetim. A despeito do relativo sucesso, parecia mais uma solução romântica, que seria explicável nos tempos da Última Hora, com a A Vida como Ela É, no começo dos anos 50.

Mas nos 80, era difícil concorrer com a televisão e achar que um folhetim fosse virar o jogo aos 49 do segundo tempo, e sem que os editores soubessem, de fato, o que estava acontecendo com a Caldas Júnior, pelo menos a ponto de, juntos com Breno, apontar uma solução efetiva.

Esse episódio pode mostrar, à título de comparação, a distância que havia entre um modelo de jornal e outro.

E falando em tevê, quando Breno anunciou que iria lançar a TV 2, recebeu contato de Roberto Marinho, que estava interessado em transformar a Guaíba como retransmissora da Globo. Desfraldando a bandeira da "tevê nossa para nossa gente", o todo poderoso da CJ não quis fazer a parceria, protelando a inauguração para o fim da década, quando o dono da Globo já havia casado seu projeto justamente com quem? Maurício Sirotsky...

Imagine que Breno viu a cavalo passar encilhado duas vezes: quando podia esmagar a cabeça da hidra que era a Zero Hora e, na segunda vez, associar-se à Globo, ao invés da TV Gaúcha.

Em 16 de junho de 1984 (dia do Maracanazo), a Folha desaparecia com a Companhia Jornalística Caldas Júnior. O Correio retornaria em 86, sob a batuta de Renato Ribeiro, porém, depois de um período como standard, ficaria restrito ao formato tabloide. E, por sinal, agora aplicando as lições dos classificados de sua antiga rival, a Zero Hora.

Não deixava de ser curioso que, dez anos antes, a ZH tentava competir com a Caldas Júnior sem saber que, a partir daquele momento, a cultura do standard estava desaparecendo em favor do tabloide, justamente o formato que a Folha introduzira, quase meio seculo antes, influenciado pelas gazetas portenhas. O formato grande agonizava em matéria de apreço, no sul, depois do Diário de Notícias e, agora, com o CP, era como se os leitores fossem desaprendendo a ler no standard...

Diferente de outras praças brasileiras, que até hoje fazem questão do formato jornalão, no rio Grande, venceu o modelo tabloide. Ou seja, a Folha é pai e mãe da ZH que, por sua vez, herdara o formato da Última Hora que, a despeito de já apresentar o formato menor, a verdade é que ela havia nascido 15 anos depois da Folha da Tarde.

Porém, a primazia não contou quando o problema era evoluir, pelo menos do ponto-de-vista empresarial. Enquanto a CJCJ encastelava-se no pensamento autárquico de Breno, a ZH, mesmo com alguns erros de cálculo, como a quase venda do jornal até o advento do malfadado Hoje (afinal, até aquele momento, a Caldas Júnior era um inimigo intransponível), e a empresa de Maurício Sirotsky havia mudado  a tempo o modelo de gestão (que, como é possível ver no livro de Lauro Schirmer (3), sempre foi o inverso da Caldas Júnior, desde os tempos da rádio Gaúcha, nos anos 50), e o momento decisivo pode ter sido a vitória na querela dos classificados (cujo projeto seria depois copiado pela Folha, A Tarde e o El País): a partir dali, a trajetória dos dois jornais mudaria para sempre.


NOTAS;

(1) GALVANI, Walter. Olha a Folha. Sulina, 1996.

(2) PINHEIRO MACHADO, José Antônio. Breno Caldas: meio século de Correio do Povo - Glória e agonia de um grande jornal. LPM, 1988.

(3) SCHIRMER,  Lauro. RBS: da Voz do Poste à Multimídia. LPM, 2002.