A vez primeira em que eu ouvi falar desse
documentário Get Back, produzido pelos Beatles e remodelado por Peter Jackson a
partir do copião original do filme do Michael Lindsay Hogg, achei que seria um
grande embuste.
Para começar, achava estranho o fato da produção de
1970 nunca ter sido relançada oficialmente em DVD ou o que for que o valha. É
mais do que notória a história da controvérsia em torno do resultado do
documentário – assim como a do álbum Let It Be, certamente um dos discos mais
controversos da história do rock por razões que não pretendo elencar aqui, pois
todos sabem.
Get Back surprendeendeu não só a mim mas a todo
mundo. Se jogarmos com o filme – parto do princípio que, bom o mal, o trabalho
de Lindsay Hogg deve ser considerado e contraposto, algo que muitos não são
hoje talvez capazes de discernir, porquanto a produção original não é conhecida
do grande público e não teve a visibilidade da de Peter Jackson.
Os Beatles usaram o tempo ao seu favor. De fato, foi
uma boa idéia ter deixado Let it Be na geladeira por todos esses anos.
Restaurada, a nova versão ganhou uma nova cara. Mas mais do que isso, comparado
ao produto final de Lindsay Hogg, Get Back curiosamente faz jus ao nome. O que
deve ser passado pela cabeça de todos é: como esse material foi negligenciado
dessa maneira por tanto tempo? Perfazer as filmagens de forma cronológica a
contextualizada, além de mostrar uma outra (verdadeira?) cara para o que
acontecem naquelas sessões de gravação, vai obrigar muita gente a reeescrever o
que disse sobre as filmagens.
A nova produção parece um documentário sobre o filme
original. Também consegue mostrar todo o work in progress de uma banda sob
pressão de gravar um disco em um mês do nada. Isso sem contar que, de junho a
novembro os Beatles estavam gravando o Álbum Branco. Hoje isso parece
inconcebível – fazer música quase em escala fordista. Os artistas em geral eram
muito mais exigidos naquela época. O quarteto lançou em novembro um trabalho e,
no começo de janeiro do ano seguinte, estavam na obrigação de soltar mais um
disco no mercado. Isso explica o habitus de um artista como Paul McCartney, que
tirou “Get Back” do nada, escovando o baixo à guisa de violão diante dos
bocejantes Ringo e George, enquanto esperavam John aparecer. Essa cena, que é
um dos grandes momentos do novo documentário, incrivelmente passou despercebida
de lindsey Hogg, que foi o diretor original, diga-se de passagem.
Jackson também não passou longe da famosa discussão
entre Paul e George, do filme original. Aliás, ele redimensionou a cena.
A rusga era antiga e chegou ao paroxismo quando
Harrison decide levar sua cólera para longe das gélidas sessões do Twickenham.
Como Aquiles na Ilíada, ele deixou o campo de batalha para não voltar mais.
Porém, ao contrário da epopéia homérica, a embaixada para demovê-lo de sua ira
acabou dando certo. Enfim, quem vê os
bastidores das sessões do Get Back está vendo o que acontece em qualquer banda
de rock, brigas, batalha de egos, todo mundo querendo deixar o amplificador
mais alto que o outro, etc. Talvez essa seja a fascinação de Get Back: nunca os
Beatles foram tão demasiadamente humanos sendo eles mesmos. Não são eles
lembrando do passado, mas eles sendo eles mesmos, uma grande família às turras
mas que, no fim das contas, sempre era salva pela magia da música e da arte.
Os Rolling Stones voltaram à estrada mês passado mas
tudo o que se falava no mundo da música no final de 2021 eram os Beatles. Mesmo
defuntos desde 1970, como o Cid Campereador eles continuam vencendo batalhas e
voltando às paradas de sucesso.
3 comments:
Olá, vi que eras ouvinte contumaz do Voo do Morcego do Nilo Cruz na Ipanema FM, gostaria de uma ajuda sua para identificar uma música a muito perdida e esquecida e talvez possas ajudar. Poderias? Grato!
Oi, como posso identificar?
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