Thursday, May 07, 2020

It Isn't a Pity?

Capa do Mirror, repercutindo o anúncio do fim da banda, em março de 1970




Vejo um vídeo com o John Lennon tocando “John Sinclair” no Reelin’ in the Years. Sei que muita gente não gosta do disco Some Time In New York City. Acho que, naquele momento, como se sabe, aquela parceria dele com a Yoko tava meio que no fim naquele momento histórico. Penso nisso aleatoriamente enquanto vejo a mídia relembrar amanhã os 50 anos do disco Let It Be. 

Sabe,  eu, que sempre tive dificuldade com a carreira-solo dos Beatles, poderia contar nos dedos quantas vezes eu ouvi esse disco. Acho que foi o Rodrigo Merheb, no o Som da Revolução, que repercutiu uma fala do John, dizendo que essa fase do Some Time foi uma bola fora total dele.
Minha impressão sobre os Beatles solo será sempre a mesma que eu tenho quando re-ouço o McCartney, de 1970. É um trabalho de expressão, é um despertar depois da experiência dos Beatles, é a cara do Paul, um cara experimental, que não vê problema algum em ser, inclusive, solo dentro da própria carreira solo, como no curioso projeto do Fireman, e nos dois discos McCartney.

Mas a minha impressão, a minha verdadeira impressão e que, naturalmente, é apenas a minha opinião, é a que faltam os outros três. Aqueles mesmos três que George apresenta, na capa do seu seminal All Things Must Pass, como 3 duendes de jardim. John ficou puto com essa referência, o que não o impediu de recrutar seu amigo para as sessões do disco Imagine. “It Isn’t a Pity”, e isso é um dos motivos pelos quais eu acho sempre uma experiência meio dolorosa voltar a esses álbuns, sempre me pareceu um réquiem para os Beatles. 

Não era essa a intenção de George, porquanto ele havia escrito a letra muito antes do fim da banda. Mas aquele final, com uma lembrança do coro de “Hey Jude” foi o toque final na canção, e deu o tom do disco, um réquém ao extinto quarteto.

Vendo o movimento dos Beatles no fim da banda: George, depois, em seu álbum triplo, deu a entender que ele tinha muito a dizer. Ou seja, também minha impressão: era outra libertação. Ele disse que muito do que saiu nesse disco foi vetado pelos Beatles. Coisas que, quando eu ouço, eu posso entender o porquê. Até mesmo no caso de “Cold Turkey”, de John, e que ele queria lançar com a banda.

O que fica evidente, e que soube-se depois, é que a produção individual dos quatro não cabia sequer na proposta dos Beatles. Ao mesmo tempo, as respetivas experiências em estúdio deles, cada vez mais individuais, potencializadas pelo uso de overdubs, o que. desobrigava que ensaiassem ao vivo juntos, serviu para esse isolamento recíproco. Quando eles tentaram voltar a ensaiar juntos, não havia mais química: eles pareciam haver se desmamado uns dos outros. A carência da figura de um produtor só piorou isso.

A separação era iminente e o impacto na vida deles seria exasperadora. Infelizmente ou não, marcou muito esse começo da produção solo. Cada um juntou a sua turma, cada um pôde enfim dar vazão ao que eles queriam fazer mas os Beatles haviam se transformado numa franchise maldita para esses projetos. Essa separação se refletiu de várias formas nesses primeiros trabalhos: faixas muito experimentais(John, Paul,George), ou muito confessionais (John), sub-produções (Paul) ou digressões além do universo do rock (Ringo).

Coisas que eles podiam matar no peito pelo fato de que eles haviam juntado bastante capital simbólico com os Beatles. Mas acho que essa pretensão esbarrava no fato de que eles estavam sem esse guarda-chuva também simbólico (os Beatles) e precisavam arranjar resultado, fazer dinheiro, e isso também significava fazer músicas comerciais e ganhar dinheiro indo para a estrada. 

Quando fez os Wings, Paul queria ser uma espécie de Incredible String Band e tocar para universitários. Muito tempo depois é que ele viu que deveria assumir o status de uma verdadeira banda de rock, nos moldes dos anos 70.

Depois da egotrip do grito primal, com seu debut pós-Beatles, John misturava sua devoção quase filial a Yoko à petardos de azedume, rancor e deboche contra Paul. Algo que eu acho que vai contra o disco. havia um prazer especial em espezinhar McCartney. Na época. Por isso que Imagine, nesses momentos me soa datado. E acho que John, assim como renegou coisas dos Beatles, hoje teria outra v
isão sobre essas cantigas de maldizer...

O menino George juntou uma congregação para fazer uma segunda The Band. Ringo queria ser um cantor de vaudeville, interpretando canções que já tinham suas respectivas versões definitivas. E Paul, como eu citei acima, queria viajar de Kombi pelo interior da Grã-Bretanha com a família e fumar maconha.

O menino John levou a militância até seu paroxismo, já em Nova Iorque, encheu o saco daquela vida a dois e resolveu ‘volver a los 17’. Acho que o seu melhor período foi quando ele desmamou da relação amor e ódio Paul e Yoko e caiu na vida. Infelizmente, sem os Beatles, e até mesmo sem o rigor de Paul com relação aos três, John era aquele garoto bêbado em Woolton, cantando coisas ad-lib e com um violão desafinado.

Ou essa atitude era um atavismo, algo que só Freud explicaria, um ato de rebeldia, ou ele não havia aprendido nada com as lições de Brian Epstein no começo dos Beatles.A realidade é que ele sempre me pareceu um músico naif (não que isso seja algo depreciativo)  e que, durante algum tempo, com os Beatles, mantinha um controle sobre sua carreira. Sozinho, John se ressentia de sua ex-banda e inconscientemente, da falta dela .

Tanto que, minha opinião, claro, o grande momento de John solo é o encontro com Bowie e Elton John, e “Whenever Gets You Through The Night”, esta, sim, uma canção livre  daquele bolor dos primeiros discos, sem Paul ou Yoko no horizonte mental, e pensando em fazer sucesso à moda de um artista (um, não, dois) que era a cara dos anos 70, década que ele parecia não ter entrado.

George deu um salto monstro com All Things Must Pass,diz-se. Muitos consideram esse não apenas o seu grande momento mas, também, e essa é uma opinião sob disputa, poderia ser considerado o melhor trabalho solo dos quatro em todos os tempos. Foram dois petardos (ou duas granadas sonoras, como diria Big Boy), o All Things Must Pass e o Concert for Bangladesh. Mas o seu problema era a continuidade.

E muitos que exaltam esses dois álbuns triplos não têm a mesma impressão da seqüência. E até mesmo a própria EMI/Capitol que, quando lançou a primeira coletânea de Harrison (aquela do calhambeque), colocou no lado A os grandes momentos de George nos...Beatles.

Acho que George foi vítima do primeiro solo pós-quarteto de Liverpool. Isto é, ele ficou com a obrigação de matar um leão todo ano, enfim, lançar um “My Sweet Lord” a cada disco. E, o que era muito importante nos anos 70, cair na estrada. E esse foi justamente o motivo pelo qual ele quase saiu dos Beatles. 

A banda não voltou a excursionar por causa dele, que, reiteradamente, impôs sua permanência com essa posição, a de não retornar aos palcos. Nos anos 70, ele naturalmente foi convidado a rever essa opinião. Chegou a excursionar na época do Dark Horse, mas seria outra decepção. George nunca mais se adaptou à vida ao vivo – algo que foi de suma importância para a gestação dos Beatles e a própria permanência não só deles quanto de qualquer banda pop, no cenário musical.

Em sua autobiografia, Eric Clapton, seu grande amigo, disse que, quando convidou George a sair do eterno casulo e voltar a fazer shows, a experiência foi negativa. Segundo Eric, Harrison, naqueles shows no Japão, onde ele era a estrela, estava presente apenas em corpo, a alma estava muito longe dali. E se despirmos nossa armadura de fã, ao ouvir as gravações, até podemos perceber essa ausência espiritual de George. Seria injusto dizer que seu êxito solo se resumiria a All Things Must Pass. Mas a verdade é que, ao longo de sua trajetória solo, tudo é muito lacunar. E a resistência em ser uma figura pública apenas conforma isso.

E o que dizer do menino Paul?  Ele enfim chegou a conclusão de que estava jogando o seu talento pela janela da Kombi pregando no deserto com um hippie fora de época. E decidiu transformar os Wings num cavalo de batalha. Acho que, independente de querer escolher qual dos quatro solos é o melhor ou o que vendeu mais, creio que McCartney foi o único que encarou a realidade de ser um artista dos anos 70 e em diante. Que o diga a sua carreira, célere e contínua, que segue até hoje, com altos e baixos, como acontece com gente de carreira longa. Mas é o preço de uma carreira longa. 


Acho que ele foi o único que, em parte, conseguiu contornar aquelas pendengas existenciais do fim dos Beatles e assinar novamente o seu contrato com o show-biz. Tirando aquele hiato dos anos 80, quando democraticamente toda a turma dos anos 60 viveu a sua midlife crisis, A partir de 1990, com o revival dos Beatles (agora em CD!) e um novo disco solo (Flowers In the Dirt), Paul partiu para as suas terceiras boas vindas, e aqui está ele.

E John? Bem, uma coisa que eu acho que foi um marco para os quatro é que o contrato que eles assinaram em 1962 previa que eles produzissem até 1975 (isso está na contracapa do Please Please Me, lembra?). 

Então, acho que esse foi o grande teste para os Beatles em carreira solo. Era a metáfora do copo cheio e do copo vazio. Ou você enxerga esse prazo para cumprir tabela ou como laboratório para decolar. Na minha opinião bem de papo de mesa de calçada, enquanto John e George, em determinado momento, principalmente no fim do contrato, não estavam mais interessados em gravar. John voltou para Yoko com sua escova de dentes, depois de ficar, como diria George, num disco que muitos entusiastas de All Things... desconhece, “tired of midnight blue”.

Quando George submeteu o seu Somewhere In England para os executivos da Warner, eles vetaram o trabalho, alegando que ele não era comercial. E ele teve que fazer concessões, a despeito de ser ele, George Harrison, não o garoto do começo da carreira (Clapton passaria por isso também, no Behind the Sun). O disco acabou fazendo sucesso com “All Those Years Ago”, mas, mesmo assim, ele resolveu dar uma pausa, por se sentir desiludido com a indústria da música.

Contudo, creio que era mais fácil entender que os tempos mudaram, que ele não poderia relaxadamente fazer algo tão autoral e subestimar uma gravadora numa época o que mais valia uma canção de sucesso do que um álbum experimental, como o que ele fazia nos tempos do Álbum Branco. Esse desencanto com a “indústria”, de certa forma, não deixava de refletir esse momento na sua carreira, a sua própria personalidade e postura diante da criação musical e o descompasso entre um artista e sua época – já pós disco e que havia retomado o gosto pelo single, e não mais por álbuns conceituais que tanto notabilizou sua geração.

John já tinha dado uma pausa na carreira. Quando retornou, disse que os anos 70 foram uma droga. 
Double Fantasy parece limpo de tudo aquilo que ele passou naquela década que findava e que, na verdade, parecia ser uma longa preparação, um longo aprendizado de como viver sozinho depois dos Beatles, depois das revoltas contra o fim, contra todos os excessos. John confessou que, mesmo depois de toda a tarimba como compositor, se sentia inseguro.

Não sabia se ainda o queriam, se ele tinha a mágica. “Just Like (Starting Over)” me soa como um belo canto de cisne. Tem muito de permanente que havia em sua alma, citações a doo wops e a Beach Boys. É como na canção de Elton John em sua homenagem: John é aquele velho jardineiro que, um dia, sabíamos que ele existia, viva perto de nós, e deixou um jardim devastado e que sua melhor jardinagem havia sido há tempos idos. Aquele seu misterioso vizinho era, há décadas atrás, tocava guitarra numa banda.

O disco, bastante maduro e reflexivo.  A despeito de que, como eu disse, nunca fui um entusiasta de todo de suas respectivas carreiras solo. Platonicamente falando, sempre me parece que falta a parte que completa. Porém, o que parecia um recomeço acabou tragicamente se transformando no fim. O que ele faria depois? Nunca iremos saber. Para mim, o Double Fantasy é um belo momento que permanece eterno, uma doce eternidade, é a sua hierofania, quem sabe o seu trabalho mais autêntico.

Paul fez McCartney II em 1980, disco que poucos entenderam, embora John tenha curtido “Comin’ Up”. A aprovação de John a esse trabalho de Paul sempre me deixou assombrado, como se eles passassem a voltar a reparar no outro, não que isso tivesse acabado de todo. Mas depois de tudo o que eles tiveram que passar? Esse foi um dos mtivos pelo qual nos “anos 70 foram um saco”. Mas John havia gostado do disco, o que era um bom sinal, já que, anos antes, ele havia dito que a única coisa que seu parceiro havia sido “Yesterday”. Pelo visto, as mágoas eram agora águas passadas. E o futuro finalmente apontava para um reencontro. Isso não é uma pena (1)?



(1) Eu falava de it Isn’t a Pity e a música, que saiu no solo do George, havia sido composta anos antes, mais precisamente em 1966 e, por pelo menos quatro anos ela foi rejeitada pela banda para sair em disco. Na verdade, acho que os quatro funcionavam como um filtro, como um superego na hora de gravar alguma idéia nova. Por exemplo, para começar, muita música Lennon-McCartney ficou de fora dos primeiros discos por vários motivos. E a gente fica se perguntando o porquê,visto que muitas delas eram boas para os Beatles, como “A World Without Love” ou “I’ll Be On My Way”. Mas aí ou eles haviam cansado da canção ou implicavam com algum verso. Num segundo momento, havia as tentativas de George e coisas do Paul e do John que passavam pelo filtro. Coisas como “It’s Only Love”, “What You’re Doing”, por exemplo, são músicas que eles confessaram serem’filler songs’ e, com exceção dos fãs, não acham nada delas. Mas foram gravadas. Depois de 66, a produção deles aumenta consideravelmente. Há a possibilidade de repassar muita coisa para outros artistas, como “Sour Milk Sea” (que eu não gosto) ou ”Step Inside Love” (que poderia ter saído no Álbum Branco). Mas a verdade é que sobrava material para os discos. Há quem diga que eles tinham material para ocupar o lugar de Revolution 9, mas isso é assunto para outra oportunidade, minha opinião é a favor dela. Mas o episódio da rejeição de It Isn’t a Pity me faz perceber que, de fato, havia um tipo de música para ser do corpus dos Beatles, e outras não, mesmo que muita coisa gravada sob sua chancela tenha sido desmerecida posteriormente por eles ou pelos fãs.  “Child of Nature”, depois “Jealous Guy”, certamente foi cortada porque já havia uma concorrente similar, “Mother Nature Son”. O George crítico ácido do White Album tinha uma assinatura, dentro do espírito de galhofa do disco, e It Isn’t a Pity, se formos ver, tem um tom confessional e triste que não caberia nos Beatles. Não imagino ela nos discos deles. Mas ela coube perfeitamente no espírito do All Things Must Pass. Assim como muita coisa que eles fizeram na época da banda, foi deixada de lado e encontrou espaço perfeito nos trabalhos solo posteriores deles. Ao mesmo tempo, é possível ver que, dentro do crivo dos Beatles, muita coisa abaixo do nívelda banda podia ser “aprovada” justamente porque têm o espírito deles, mesmo que fosse depois desconsiderada por algum deles ou pelos subestimada pelos ouvintes (não vou falar fãs, porque esses, a gente sabe, gosta de tudo e não tem discussão), coisas como “Hey Bulldog”  “The Inner Light” ou “Baby, You’re a Rich Man” (todas geniais, e clássicos, em minha opinião), canções que, inclusive, encontraram seu caminho como lados B de singles. Um detrator delas, Lennon, dizia que muitas vezes eram trechos de esboços de músicas que foram fundidas, e no fim das contas, não tinham muito o que dizer.  Porém, como se sabe, dentro do espírito de uma canção, querer dizer algo não era lá um critério muito importante. Importante seria o que a canção significa a partir do que ela passa a ser, seja lá como for.  E, afinal de contas, debaixo do guarda-chuva dos Beatles, muita coisa dentro do espírito do Álbum Branco não faz sentido algum, a não ser pelo fato de dialogar com todo o nonsense que ronda o disco. 
   

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