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Creedence Clearwater Revival |
Creedence é a banda da galera. Não tem quem não
goste, não tem som melhor para se escutar na estrada, não existe coisa melhor
para tocar em banda de garagem – ou até mesmo em violão solo, conhecendo os
acordes básicos de rockabilly. É
possível brincar desde com os gavetões básicos até os complexos porém
simplificados arranjos de John Fogerty.
Não tem bandeca de garagem que não tenha pelo menos “Bad Moon Rising” em
sua set list. É a feira básica: bateria, guitarra, base acústica, sem trucagens
de estúdio, sem orquestrações de fundo – é rock de buteco. Ali está o começo do
gênero, passado a limpo e num corpus de álbuns capaz de ombrear com os grandes
nomes do rock.
E pensar que eles levaram anos para fazer sucesso da
noite para o dia. Porém, enquanto eles eram os Golliwogs, a banda teve uma
carreira, mas se formos ouvir aquelas gravações, eles na verdade pareciam como
todos aqueles conjuntos americanos que queriam imitar as bandas britânicas e,
no fim, se passavam apenas como mais uma. O compacto “Brown Eyed Girl” (nada a
ver com a canção do Van Morrison), parece o mais puro decalque do Them, mais
precisamente, de “Gloria”. Como Golliwogs, eles eram um quarteto fadado a ser
mais outro daqueles que iria durar por um compacto ou outro, e ser esquecido
com o tempo.
O mais curioso na história deles foi a inusitada
mudança no estado das coisas. Em 1967, a
Fantasy Records topou que eles gravassem um disco. Era a época em que selos de
rock investiam em bandas que investissem em álbuns de rock. O CCR ia se
apresentar com uma banda atrás de um disco, não uma banda de garagem com um
single obscuro, disposto a focar somente num público local, como uma Chocolate
Watchband, Nazz, Premiers, etc. Bandas enfim que chegaram a chartear nas
paradas, mas morriam em um ou outro compacto.
No primeiro disco, já com o nome de Creedence
Crearwater Revival (Golliwogs soava racial demais, por referir-se à uma
personagem de quadrinhos tipo blackface). Como novo nome, no entanto, o CCR não
quis se firmar como as bandas ianques que pontificavam na época, com trucagens de estúdio, mistura com ragas
indianos e cítaras nem faixas experimentais, como o Dead ou o Love. A transa
deveria ser rock básico, mas num approach mais autêntico: fazer canções de três
minutos, mas não à moda bubblegum que se insurgia no final dos anos 60. Era rock
básico mas para um público pretensamente cabeça.
Outra questão fundamental para a identidade do CCR
foi, a despeito de ser uma banda da região de San Francisco, então em alta a
partir de 1966, mas com uma persona diferente: queriam ser como uma banda do
sul, tanto que foram rotuladas como de swamp rock: um misto de country caipira
com Bakersfield Sound e jugbands mas numa moldura de rock. E misturando com um
pouco de R&B e soul.
E fazendo rock de três minutos, de fácil deglutição.
O resultado foi uma forte e intensa identificação por parte do público, comparável
aos Beatles. Como banda de álbum, o CCR acertou quase sempre na mosca, e
principalmente no começo, o que para a fixação de sua imagem na mídia, foi algo
fundamental.
E tudo isso sendo da cena californiana, e totalmente
distante dela. Doug Clifford fala que eles assistiam à maioria das bandas da
região, quando se apresentavam no Fillmore. Eles viam aqueles conjuntos tocando
desafinado, afundados em ácido e perdidos em solos malucos de vinte, trinta
minutos (a alusão à “Dark Star” do Grateful Dead é inevitável aqui). O som
deles poderia ser comparado a pares, como os Byrds ou a The Band, por exemplo.
Contudo, no caso do Creedence, parece que o som deles era bem menos
pretencioso, vendido em larga escala sem parecer comercial demais, e
extremamente acessível.
E dentro do espírito da época. Enquanto muitas
bandas pareciam reticentes ou pouco à vontade para falar de política ou do Vietnã
em suas músicas (como no caso das britânicas), o CCR ia direto na medula.
Falava de desigualdade social, de alienação, da realidade da guerra, do medo
dos jovens perante os alistamentos à força, numa época em que a maioria da
opinião pública estadunidense rejeitava a intervenção na Indochina, após o horror
da ofensiva do Tet em 1968, apresentada aos perplexos telespectadores
norte-americanos, que viam seus receptores de tevê derramando sangue ao vivo e
a cores pela primeira vez.
Mesmo que falando para freaks, doidões e loucos de
pedra, eles não tinham a menor intenção de posar de desbundados: o próprio
Clifford, na entrevista, fala que o seu quarteto queria ser o oposto daquela
viagem típica das bandas californianas da época. Tanto que eles não transavam
drogas e álcool, pelo menos na escala industrial que a maioria delas costumava
consumir.
Esse fator é curioso: mesmo surfando na onda da
contracultura, o Creedence tinha momentos de convergência com o movimento e, em
outros, de estranhamento. Um episódio que ilustra bem isso, e que sempre é
relembrada por John Fogerty foi a participação deles em Woodstock. O CCR foi
inicialmente escolhido como headliner do evento, já que era a banda mais darling
da galera em 1969, com três discos estourados nas paradas e escolhida justamente
para puxar outras para o festival que, no seu começo de divulgação, não era
nada ainda.
Porém, na hora H, o Creedence se viu no meio de um
público freak e cercado de bandas, de certa forma, idem.
E nesse paradoxo de
ser uma banda careta tocando para doidões, eles estavam no meio do circo que
eles começaram mas que, no fim das contas não se identificavam de todo. Para piorar a situação, eles foram escalados
para tocar depois do Gratetul Dead, num dia de shows onde tudo se atrasou por
causa da demora das demais bandas escaladas em chegar no local ou por causa da
chuva intermitente desde o começo da tarde de sábado. No fim, subiram no palco
na madrugada, depois que, segundo Fogerty, o Dead colocou todo mundo para
dormir com seus números soporíferos. O resultado não agradou à ele quando eles
ouviram o tape da performance. John implicou tanto com a gravação que pediu
para que eles fossem limados tanto do documentário quanto do disco. E isso que
o CCR fora, no começo, os artistas que puxaram Woodstock. Escutando o show
deles hoje, fica, pelo menos para mim, a impressão que foi besteira dele.
Afinal, quem não estava chapado no palco de
Woodstock, estava nervoso. Se fôssemos usar o critério má performance como
critério para limar, pouca coisa serviria para ser usado. E sabemos que em
vários casos, como nos registros do Crosby, Stills e Nash ou John Sebastian, muita
coisa foi refeita depois para o disco ou o filme. Então, seria mais fácil entender
a negaça do Fogerty como implicância e cabeça dura mesmo, algo que era típico
dele, e que desaguaria no fim da banda, três anos depois. Implicância essa que,
por sua vez, se voltou contra seus ex-bandmates. Ele nunca mais quis tocar com
eles, nem em pesadelos.
Enfim, a despeito de diferenças e convergências com
seus pares e público, eles souberam, como poucas, falar a linguagem dos jovens
da época e, mesmo pertencendo àquele zeitgeist, os valores e a estética de suas
canções não embarangaram com o tempo. Muito pelo contrário, o CRR nunca saiu de
moda e é sempre a melhor pedida.
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