Tuesday, March 21, 2017

Um Homem Célebre


Bach

Tenho um professor de música que sempre diz que todos os tratados teóricos musicais são feitos a posteriori. Isso quer dizer que toda o legado histórico de epifanias de compositores que fizeram a história da teoria musical através dos tempos só pode ser elaborada de forma diacrônica. Isso implica dizer que, no caso da música, a prática sempre irá preceder a teoria, e jamais o contrário.

A prática vem antes da teoria. A prática é quem viabiliza a 'teorização'. Assim, foi preciso um longo caminho para a consolidação de práticas e experimentos em diversas épocas e momentos para que toda a teoria fosse sendo observada com vistas a uma possível sistematização.

No caso do Barroco, toda a chamada era do "baixo contínuo" formou-se desde Monteverdi e os bardistas (os primeiros músicos de corte que passaram a lidar com uma voz só mas acompanhada com um instrumento (obbligato), ao invés da tradicional polifonia dos tempos de Josquin e Palestrina) até 1750.

Quem basicamente consolidou esse tipo de música e cifrou ela foi justamente Bach. Bach não foi um inventor, não inventou uma nova forma de fazer música. Ele pegou toda a tradição do baixo contínuo e levou-a ao paroxismo. Assim como Palestrina representou o fim da polifonia (que começou lá no tempo da Ars Nova, lá no século XIV.

O baixo continuo é um produto do século XIII. Na tentativa de criar um espetáculo cênico como numa recriação da tragédia grega, eles optaram pela substituição do canto coral pela ária. O baixo contínuo seria a cama onde a voz solo deitava-se. Esse formato iria ser a base da música barroca (e que os ouvintes modernos podem reconhecer bem, ao distinguirem a forma como o baixo é tratado no Barroco com relação ao classicismo). O baixo contínuo já estava presente na ópera Orfeo, de Monteverdi, de 1607, por exemplo.

1750 foi o ano da morte de Bach. Mesmo tratando-se de uma convenção, é ponto pacífico afirmar que o Barroco morreu com ele. Afinal, em 1750, uma nova geração de músicos já havia há muito superado o baixo contínuo e produzia música de forma e temática diversas. É importante lembrar que o século XVIII é o das Luzes. Naquele momento, a música religiosa estava em desuso, como se fosse um insidioso atavismo de uma sociedade aristocrática, diferente do espírito burguês que nascia com o Iluminismo.

Quer dizer, Bach não era um inventor, não um elemento de transição dentro do estilo; ele foi o fim de um ciclo gigantesco da história da música. E quando ele morreu, ele não era ninguém. ele era um arauto de uma arte decadente. Algo como (usando de um jargão da imprensa) um dromedário do tempo da máquina de escrever, do copidesque, do folhetim e do famoso artigo de fundo, que sempre usa algum tipo de formalismo tipo "preclaro amigo" numa época de jornalismo online.

Mozart, por exemplo, quando referia-se a Bach, ele queria falar de Carl Philipp Emanuel, que era um expoente do Classicismo de sua época. Os filhos de Bach, Carl e Johann Christian, por sua vez, já eram adeptos do classicismo, um novo estilo que surgiu quando bach ainda era vivo. Para se ter uma ideia: quando Carl Philipp Emanuel convidou o velho Bach para conhecer Frederico da Prússia, ele foi introduzido ao pianoforte.

O mestre de Eisenach experimentou aquele novo tipo de teclado, porém, não gostou. Afinal de contas, passou a vida toda afinando e consertando órgãos e compondo em espinetas e cravos. Um piano era demais para ele. era como convidar alguém que passou a vida toda atrás de uma Olivetti a escrever e salvar um texto no Word (a minha comparação é esdrúxula, mas dá para ter uma ideia do que aconteceu).

Bach morreu e toda uma época desapareceu com ele, desapareceu sem vestígios. Mozart foi um músico de transição já dentro do classicismo. Bach pai foi um músico do fim do Barroco, que foi esquecido, como uma herança de um passado que não valia a pena ser relembrado. Bach pai só seria redescoberto dois anos depois da morte de Beethoven, em 1829, já no começo do Romantismo. Como se sabe, uma das características do Romantismo é esse retorno ao passado.

A redescoberta valeu a pena, mesmo que a música religiosa não fosse uma coisa muito em voga em meados do século XIX. Mesmo assim, Mendelsohn apresentou a um novo público a Paixão segundo São Mateus, de Bach, e a cantata causou grande espanto. A partir dali, Bach pai se transformaria num símbolo da música alemã e influenciaria toda a segunda geração de músicos do estilo - mesmo que, durante essa 'idade das trevas' de esquecimento da arte de Johann Sebastian, ele fosse ainda um "músico dos músicos". sua música não era executada em público, mas algumas de suas partituras não eram desconhecidas de compositores que antecederam essa renascença bachiana.

Quando Bach escreveu suas maiores obras, a Missa em Si Menor, a Oferenda Musical e a Arte da Fuga, ninguém queria mas saber daquele tipo de música. O curioso é que, mesmo sabendo que, a rigor, essas peças eram formalmente impossíveis de serem executadas (A Missa em Si era católica, e não luterana), ao contrário do que era comum durante a sua vida, ele não compôs sob encomenda de nenhum príncipe ou margrave: escreveu-as para ele mesmo (assim como Mozart escreveu o Requiem e as duas últimas sinfonias para si).

E Bach, ao contrário de Vivaldi, não se tornou popular porque não escreveu óperas. e por que Bach não escreveu óperas? Ele não gostava? Não, não era bem por isso. Na verdade, isso se deu justamente porque ele vivia pregado no trabalho de mestre de capela nas cidades onde viveu (muitas vezes, isso exigia dedicação exclusiva) e, em geral, essas cidades (Kothen, Weimar, Leipzig) não tinham casas de ópera. Leipzig chegou a ter um teatro, mas ele foi demolido pela municipalidade anos antes de Bach mudar-se para lá, em 1723.

Vivaldi viveu em Veneza, Viena, empresário musical, como Haendel, que foi para a Inglaterra; Bach viveu naquele mundo pequeno da Turíngia. Bach vivia andando pelo sul da Alemanha, de lá para cá. se formos ver, Arnstadt, Mühlhausen, Weimar, Leipzig, ele viajava muito, contudo, não saia dos mesmos lugares.

Mas, mesmo assim, Bach sabia de tudo o que tava acontecendo na Europa daquele tempo e conhecia a obra do Vivaldi, por exemplo. Inclusive, Bach transcriou vários concertos do mestre vienense, curioso que era, sempre queria saber o que estava acontecendo pelo mundo da música de seu tempo.

Aliás, Bach compôs em vários estilos, gêneros, porém não escreveu óperas, mas chegou perto. havia um café em Leipzig, chamado Zimmerman. Para o dono, ele escreveu cantatas profanas. Que, na verdade, não eram bem cantatas (embora formalmente tivessem a estrutura típica de ária-recitativo, mas não tinham coros). Eram, na verdade, variações baseadas pelo modelo da cantata barroca, mas por serem profanas, a generalização delas é algo sempre em disputa. Para muitos, tratam-se de operetas. Hoje elas são pouco conhecidas (não estão entre os temas mais conhecidos do mestre de Eisenach), mas são bem interessantes.

Aí alguém vai me dizer: "o religioso Bach escreveu...operetas??". Sim. Aqui está:



Naquele tempo, o café estava na moda por lá, era ainda uma iguaria rara, difícil de achar na Europa de meados do século XVIII. A história é simples: de um pai desesperado porque quer que a filha case mas não quer que ela tome café (ela é viciada na coffea arabica). Ela, contudo, só topa o consórcio se o futuro noivo aceite o seu hábito de tomar café.

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