Friday, March 10, 2017

Chinaski

No Carnaval eu estava cuidando da casa de um amigo enquanto ele viajava.

Minha tarefa diária era mais ou menos colocar o pastor alemão dele na entrada no começo da noite e abastecê-lo de ração, que ele faria o resto, latindo para os passantes.

Porém, nesse meio tempo, notei que era comum entrar na casa 1 quase sempre sorrateiramente, pela janela, um gato amarelo malhado.

Na verdade, quando o cachorro ficava no pátio da casa, durante o dia, o gato aparecia. na verdade, ele não aparecia: ele miava. E era um miado longo e langoroso de tão triste. Era um miado triste, como um suspiro. Achei que fosse fome. E, de fato, ele era um gato bastante magro. quase não tinha culotes. Porém, ele não parecia ser um bicho de rua. Cogitei que fosse de algum vizinho.

Todo dia, ele dava o ar da graça. Passava pelo jardim da frente. quando eu ouvia o miado, corria para a janela. Mas não sabia o que fazer. eu só tinha a comida de cachorro para lhe oferecer. Ele rondava a entrada da casa, sempre com aquele miado triste. e ia embora.

Isso se dava esporadicamente, porém. eu nem podia notar, já que cuidava da casa penas durante o começo da manhã e à noite. Uma noite, eu trouxe comida da rua. Quando ele apareceu, eu ofereci. Deixei no jardim. O bichano apareceu, cheirou a comida (era batata doce picada com arroz). Porém não quis saber. Me correu a vista de baixo para cima, soltou aquele miado característico dele e foi embora.

Duas semanas depois, o sogro do meu amigo apareceu. Tirou o pastor para os fundos e foi buscá-los no aeroporto. Fiquei naquele sábado na casa. Antes, porém, saí para comprar alguma coisa no mercado. quando voltei, ouvi os miados do gatinho, do jardim. sentei-me no sofá da sala e fiquei lendo. De repente, notei que o choro do bicho estava perto demais.

Quando me dei conta, o gato estava dentro de casa! Fiquei surpreso, tentei chamá-lo, mas ele era impassível. Parecia avesso a qualquer comando. Entrou e foi andando pela casa, pelos aposentos, sala de estar, cozinha...cozinha! Lembrei que havia deixado o postigo da porta da cozinha aberto quando foi colocar as roupas para estender lá fora! O pastor podia ver o animalzinho e atacá-lo impiedosamente.

Fui correndo tentar impedir o encontro fatal. Quando chego, o gato e o cachorro estão se olhando — um de cada lado do postigo. O pastor abanava o rabo. O gato deu outro daqueles miados, e o cachorro sorria com o rabo. Isso durou cerca de um minuto. Então o gato voltou calmamente para a sala; de lá, para a janela e, dali, para o jardim, ganhando a rua.

Depois que meu amigo chegou, eu perguntei: "por acaso você conhece um gato assim, assim?". Ele respondeu: "ah, ele é o Chinaski". Diante da minha cara de espanto, ele explicou:

— Quando minha cachorra morreu, há algum tempo atrás, lembro que ela sempre me esperava na entrada da garagem, um pouco antes da escada que sobe para os fundos. Ela sempre me esperava ali. Quando ela partiu, eu fiquei pensando: sempre que eu chegar, não mais a verei ali. E, sempre que eu passar por ali, eu vou me recordar dela. Pois não é que, uma semana depois que minha cachorra morreu, esse gato apareceu do nada. E, do nada, ele me esperava sempre no mesmo lugar onde ele costumava me esperar — sempre no pé das escadas.

Eu ouvia. Então ele prosseguiu:

— Há coisa de um ano e meio atrás, meu sogro salvou de um incêndio esse pastor que eu tenho agora. Ele era um dos filhotes numa casa onde a proprietária morreu a o imóvel ficou á própria sorte, com os animais todos trancados, passando fome. Os bichos acabaram sendo salvos, todos foram doados, e eu fiquei com esse pastor. Ele era bem pequenininho. Então eu o deixei aqui no pátio. Porém, nessa época, eu tinha o gato. O Chinaski praticamente adotou o filhotinho. e, por meses, os dois viveram juntos, aqui. Até que o cão cresceu, e o gato deixou a casa. Vejo que ele sempre aparece por aqui, mas é muito raro. Na verdade, há meses que eu não tinha notícias dele — até que você me falou dele.

Depois ele foi até o quarto e me mostrou uma foto. Era o Chinaski com o pastor, ainda filhotes: os dois brincavam como dois irmãozinhos. Fiquei pensando que devia haver algo de espiritual nisso tudo. O gato parecia um espírito que abençoava alguma coisa, e ele meio que representou um ciclo na vida de todos ali.


Fui embora pensando em perdas e em grandes amizades.

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