Tuesday, March 07, 2017

100 anos de "Livery Stable Blues"



O começo do jazz há um século

Se o ponto de partida do samba foi a primeira gravação de “Pelo Telefone”, lançado nas festas de Momo de 1917, o Jazz como gênero também possui a sua respectiva certidão de nascimento, exatamente na mesma época: o lançamento de “Livery Stable Blues”, interpretada pela Original Dixieland Jass Band, há exatos 100 anos, no dia 7 de março de 1917. 
 
é curioso ver que muitas são as semelhanças entre os dois gêneros. Claro que, como no caso de “Pelo Telefone”, a importância da data de lançamento de “Livery Stable Blues” serve mais como uma referência. Assim como ocorreu com o samba, o jazz foi um processo que começou ainda no final do Século XIX. Como no caso brasileiro, quando Bahiano registrou o samba coletivo, porém atribuído à Donga e Mauro de Almeida (gravado por Bahiano) coube à Original Dixieland Jass Band a primazia de pontificar no primeiro disco do gênero.
 
 A Original Dixieland Jass (ainda com dois esses) Band tava a chance de gravar um disco porque, à época, eles faziam muito sucesso divulgando a música de Nova Orleãs em Chicago e principalmente em Nova Iorque. Por conta disso, eles foram responsáveis pela popularização do gênero dixieland pelo país afora, mesmo que muito antes de podermos falar em Indústria Cultural.
 
 Aproveitando a grande chance em Nova Iorque, depois de uma audição frustrada na Columbia, a Original Dixieland Jass Band fechou contrato para um 78 rotações pela Victor, que interessou-se pelo progressivo interesse do público pelo jazz. Em 26 de fevereiro de 17, eles gravaram “Livery Stable Blues” no lado A, com “Dixieland Jass Band One-Step”. O disco fez grande sucesso. É possível que a disco tenha sido a primeira gravação comercial a atingir o marco de 20 mil cópias vendidas, a sete centavos de dólar cada. Nem Enrico Caruso, com toda sua glória e reputação, conseguira vender tanto com apenas um disco. 
 
Em 1914, Freddie Keppard viajou à Los Angeles para tocar jazz na Costa Oeste, com um sexteto chamado The Original Creole Orchestra. Em pouco tempo, o trompetista iria tornar-se uma lenda, tocando em espetáculos de vaudeville por todo o país. Contudo, ele tinha medo que outros músicos o copiassam. Tanto que, a fim de ‘esconder’ seu estilo, ele cobria as mãos com um lenço durante as apresentações no palco. 
 
Na mesma Victor que, três anos depois gravaria “Livery Stable Blues”, em dezembro de 1915, quando a Creole estava em Nova Iorque, ele declinou de um convite para gravar um disco. Keppard tinha tanto medo que roubassem seu estilo ouvindo os discos que ele deixou passar a grande chance. 
 
Por ironia do destino, coube a um grupo branco a tal primazia de gravar o primeiro disco de jazz. Ao contrário de Keppard, o filho de italianos Nicky LaRocca, líder da Original Dixieland Jass Band era obstinado, excêntrico e ambicioso o suficiente para fazer qualquer coisa para não desperdiçar uma chance dessas. As duas faixas escolhidas para a sessão de fevereiro de 1917, “Livery Stable Blues” e “Dixieland Jass Band One-Step”, já eram bastante conhecidas em Nova Orleãs.

Boa parte do sucesso de “Livery Stable Blues” está no caráter cômico da gravação, onde os instrumentos de sopro imitam sons de animais: LaRocca fazia a corneta parecer uma galinha e Larry Shields fazia a clarineta soar como um galo. Foi a primeira vez que grande parte dos americanos travaram conhecimento com o jazz. O sucesso foi tão grande que o quinteto acabou realizando uma grande turnê pela Inglaterra. 
 
Mas como acontece com as melhores famílias, todo o estrondoso e surpreendente sucesso da Original Dixieland Jass Band não foi suficiente para que a banda resistisse por muito tempo. Quatro anos depois, ela estava oficialmente desfeita. 
 
Ainda em paralelo com “Pelo Telefone”. Assim como aconteceu com o samba amaxixado que nasceu na casa da Tia Ciata, a gravação de“Livery Stable Blues” também está metida em polêmicas. Inclusive, a sua importância na história do jazz está na querela em torno da opinião de Nicky LaRocca a respeito de sua música. 
 
Até o fim, de forma disparatada o líder do quinteto auto-proclamava-se o criador do jazz. Até aí, tudo bem; afinal, Jelly Roll Morton também morreu jurando que ele era o inventor do estilo.
Mas, como se não bastasse, LaRocca asseverava que o gênero era uma “criação exclusiva de brancos”. “Os negros”, dizia ele, “não tinham nada a ver com o processo”. Pelo contrário, Nicky ainda por cima defendia que os negros, segundo ele, aprenderam o jazz com os brancos. “Os negros não fizeram nenhum tipo de músicas que se assemelharam ao que os brancos fizeram em nenhum momento”, afirmou.

Outro paralelo com a primeira gravação do samba: O lado B de “Livery Stable Blues” foi acusada de ser plágio de “That Teasin’ Rag”, de Joe Jordan. Para escapar de processo, LaRocca publicou a partitura com outro nome, e aí então descaradamente com o seu nome como autor.

Já a Columbia, que não se interessou pela Original Dixieland Jass Band com medo que o disco encalhasse, com o êxito sem precedentes de “Livery Stable Blues”, resolveu chamá-los de volta, para que gravassem mais um disco. Dessa vez, para livrar-se problemas com direito autoral, o selo pegou duas músicas do Tim Pan Alley, a rua das editoras musicas de Nova Iorque: “Home Again in Indiana” e “At the Darktown Strutters Ball”.

Mesmo assim, o disco faz com que o estilo se tornasse popular o suficiente para que Nova Iorque e Chicago virassem celeiros de conjuntos oriundos de Nova Orleãs, provocando uma diáspora — justamente num momento crucial: No final dos anos 10, o mercado do jazz por lá estava totalmente saturado.

Em 1918, King Oliver era um dos emigrantes que deixava o sul para a Cidade dos Ventos, para fazer história, com sua Creole Jazz (já sem os dois esses) Band — tanto no meio-oeste quando em Los Angeles com sua corneta. Quatro anos depois, ele levaria para Chicago um protegido seu, um certo Louis Armstrong. E o resto é história.

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