Monday, March 20, 2017

Bye Bye, Johnny


Chuck no documentário Jazz on a Summer's Day, de 59.

Chuck Berry não apenas influenciou como determinou a existência de uma geração de músicos após ele.

Muitos sequer se deem conta, mas Chuck foi o primeiro grande letrista do rock. “School Days” é um dos primeiros hinos da juventude transviada. É um blues, mas a temática é diversa: o jovem que sai da opressão da sala de aula, chega no snack bar, e bota moedas na jukebox para dançar. Ninguém tinha pensado nisso. Chuck era o cronista dos rebeldes sem causa. “Sweet Little Sixteen” conta a febre do rock avassalando a costa leste da América e uma menina implorando aos pais para que eles a deixar ver o show. “Rock’n Roll Music” é um comentário bem humorado e irônico sobre alguém que quer colocar o rock no meio de outros gêneros musicais e conquistar o seu lugar ao sol.

Esses exemplos mostram que Berry soube ser o letrista da boa nova do rock, tematizando o novo ritmo com inteligência. Claro que isso não iria passar batido pela geração de jovens músicos britânicos que, depois que a onda americana morreu, em 1959, resolveram helenizar a boa nova de Chuck para o mundo.

Mais: invadiram a América anos depois tocando “Roll Over Beethoven”. Centenas de milhares de garotos ingleses que resolveram montar conjuntos depois de ouvir e ouvir aqueles disquinhos da Chess com clássicos imediatos como “Carol”, “Maybeline”, “Reelin’ And Rockin’”. Chuck podia soar como se suas canções fossem nada menos do que variações sobre o mesmo tema. Porém, eles sabiam que essas músicas eram feitas para eles. Berry falava a linguagem desses garotos, eis a identificação. Irresitível.

Chuck como letrista ia além daquele esquema “garoto ama garota”. Duas que eu mais aprecio dele vão além do tema. Uma é “Memphis Tenesssee”, onde ele conta as desventuras de um pai em busca da filha, cuja esposa levou-a para longe do desesperado progenitor. Essa era uma das favoritas de John Lennon, que fazia questão de ser o lead vocal nos show dos Beatles — e que a gravou várias vezes, contudo nenhuma realmente para um disco oficial.

Outra é “Promised Land”. Essa ele compôs na cadeia. E imaginou um garoto do leste americano tentando a sorte pegando a estrada para a Califórnia. A música ele criou usando um mapa rodoviário dos Estados Unidos para roteirizar a intrépida viagem do rapaz, até quando ele chega na Terra Prometida e, de brincadeira, liga para os seus, do outro lado do país. Elvis fez uma versão definitiva desse que é um clássico subestimado de Chuck.

Chuck foi o primeiro guitar hero. Pelo menos, se não em virtuososmo, certo que sim em matéria de proeminência. Ele sabia que não precisava ser mais do que ele era, porque ele tinha as qualidades suficientes para um guitar hero: inteligência, talento e, além de tocar, ele interpretava todas as suas canções. Por isso todos os meninos ingleses queriam ser como ele.

Keith Richards disse no livro Life que roubou todos os licks e riffs possíveis do Chuck. Na verdade, isso é apenas uma confissão. Afinal de contas, todo mundo sempre soube disso. Quem não sabe, então conhece os Stones mas nunca ouviu Chuck Berry na vida. Aliás, a primeira gravação dos Stones na Decca foi, justamente, um sucesso então recente de Chuck, “Come On” (de 1962, quando retomava sua carreira). Do primeiro disco, eles gravaram “Carol” e inspiraram-se na versão de Berry para “Route 66” (originalmente um tema de Nat King Cole dos seus tempos de pianista de jazz).

Falando em Keith Richards como grande admirador de Chuck, ele sabia que seu ídolo tinha um “irmão” — Johnnie Johnson. Aliás, mais do que um irmão. Foi Johnson quem catou Chuck para seu trio de jazz, assim que o solista original, um sax-tenor chamado Alvin Bennett, teve que sair do grupo por problemas médicos.

Foi Berry quem mudou o estilo da banda, ao ponto de pegar um tema deles, “Ida Red”, e transformá-la em “Maybeline”. A Chess gostou do som e assinou com eles. “Wee Wee Hours”, instrumental de Johnson também ganhou letra e a marca registrada de Chuck. Como tempo, o “trio” virou a banda de apoio de Chuck quando este tornou-se o primeiro da lista.

Berry e Johnson então firmaram uma parceria de quase duas décadas compondo e gravando juntos, além de criarem clássicos tanto da carreira de Chuck quanto da história da música ocidental do Século XX, “Reelin’ and Rockin’”, “Rock ‘n Roll Music”, “Sweet Little Sixteen”.”Carol”, “Nadine”, “Johnny B Goode” e a citada “School Days”.

Johnny era o verdadeiro “Johnny B. Goode” da letra (na verdade, “be good”, como que “comporte-se”). Johnson tinha sérios problemas de bebida (só largou o trago nos anos 90, depois de quase cair duro no palco) , e isso Chuck não tolerava. Inclusive, não queria que ninguém bebesse durante suas turnês. Esse foi um dos fatores que acabou separando a grande dupla.

Johnson desapareceu com a poeira do tempo, e virou motorista de ônibus em St. Louis por anos, até que o guitarrista dos Stones conseguiu acabar com o racha entre ambos, e pôs Johnnie como pianista no documentário Hail! Hail! Rock’n Roll, de 1987. De repente, o parceiro de Berry estava de volta ao mundo do show-biz.

Keith não existiria sem Berry, John Lennon também. é possível imaginar um mundo sem Berry, Beatles e Stones? É como imaginar a evolução da música ocidental sem Bach. O que iria resultar dessas ausências?

Voltando ao começo. Um exemplo da interferência recorrente de Berry no som dos Stones é é “Star, Star”, que é uma transcriação do som do Berry. Assim como “Subterranean Homesick Blues”, de Bob Dylan, é “Too Much Monkey Bussiness”, “Surfin’ USA” é totalmente decalcada de “Sweet Little Sixteen”, “Come Togheter” é inspirada em “You Can Catch Me” e o baixo de “Talkin’ Bout You” é o começo de “I Saw Her Standing There”, dos Beatles.

Se não fosse por Chuck, todo mundo hoje estaria tocando guitarra como se toca violão. Ele foi o profeta e evangelista da guitarra, Até quem nunca ouviu ele foi influenciado por Chuck Berry e não sabe (“Cigarretes And Alcohol, do primeiro do Oasis, é inspirada em Bang a Gong, do T. Rex que, por sua vez, é decalcada de… “Little Queenie”). Assim como um pianista para considerar-se como tal deve conhecer bem pelo menos todos os prelúdios e estudos de Chopin, um guitarrista não existe sem conhecer os riffs e licks de Chuck Berry.

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