Friday, August 05, 2016

Maneirismo no rock


Mike Leander levou um exemplar do
Aftermath para os Beatles durante os
ensaios de Revolver (1966)



Tenho um amigo que acompanhou os Beatles na época em que eles fizeram sucesso, nos anos 60. Ele tem uma tese peculiar sobre o quarteto. Ele diz que a banda realmente revolucionou a música quando reelaborou o rock americano, atualizando o seu som, amalgamando com elementos de Do Wop, Motown e elementos da cultura Mod, principalmente no segundo disco deles. Ou seja, os Beatles revolucionários eram, com efeito, os do tempo da ingênua e delirante beatlemania.

Para ele, aquela foi a síntese que, ao mesmo tempo em que atualizou a música e mudou o modo de ver da cultura jovem — até então enquadrada pelo estabilishment num formato domesticado, eles deram um novo direcionamento para o próprio mercado da música.

No entanto, para ele, o álbum Revolver — que faz 50 anos hoje, foi o começo do fim. Ou, na verdade, o fim. Lembrei dessa teoria quando recentemente li uma entrevista do Keith Richards criticando a forma como os Fab Four apresentavam-se ao vivo. Para ele, e lembro que ele havia dito isso ao próprio John, como ele diz na sua autobiografia Life, eles tinham "muito rock e nenhum roll". Por fim, para o guitarrista dos Rolling Stones, o fim do grupo de Liverpool foi quando eles resolveram fazer a tal Meditação Transcendental.

Por seu turno, isso me lembrou dos Beach Boys. Acho que, pegando essas teses, as duas bandas realmente tiveram uma gigantesca influência no sentido de revolução na música dos anos 60 mas, como entende meu amigo, os Beatles começaram a falsificar-se sob a persona do rock psicodélico. Para ele (e coincidentemente para Richards), o Pepper's é uma bela porcaria.

É claro que esse tipo de manifestação impressiona e revolta tanto os fãs quanto até mesmo a crítica (especializada ou não). Afinal, é ponto pacífico entre todos que a fase mais criativa dos Beatles começa justamente a partir de Revolver. E, comparadas as duas fases, parece comum afirmar que aquele rock dos tempos do Cavern era imberbe, pueril e, como disse anos mais tarde Paul McCartney, era muitas vezes propositalmente endereçado ao público feminino deles.

Infelizmente eu não teria como explicar com minhas palavras o que ele quer dizer com isso. É mais ou me nos isso. Ao contrário da maioria dos músicos, os Cavaleiros de sua Majestade esconderam-se em montagens de estúdio, experimentações, loops, overdubs, principalmente no Sgt Pepper's que, a rigor, é um divertido simulacro travestido de suíte musical, misturando desde vaudeville até raga rock, enfeixado com a alcunha de álbum conceitual. para onde o rock estava indo?

Como diz um professor é complicado, para não dizer impossível, investir contra os mitos. O passo seguinte é o ostracismo. E, de fato, eu rejeitei por anos essa teoria desse meu amigo. Ao mesmo tempo, lembrei de um tio. Ele tinha todos os elepês dos Beatles até o Rubber Soul. Dali em diante ele, que na verdade é fã da Jovem Guarda e arredores, é provavelmente um daqueles fãs dos anos 60 que não entenderam a banda depois de 1966.

Aliás, é curioso perceber que, á medida em que o grupo sofisticava-se em estúdio, parindo coisas como "Tomorrow Never Knows" e "A Day In the Life", era evidente que aquilo era um ponto sem retorno. Até porque, se olharmos em retrospectiva, toda a música de John, Paul George e Ringo dos primeiros discos era coverizada no Brasil. Quando Revolver surgiu, todos devem ter ficado beastificados. Não havia como fazer versões de "Eleanor Rigby" ou "I'm Only Sleeping". E o resto do disco é incoverizável em termos de Jovem Guarda — tanto que, a partir dali, a maioria dos artistas aqui teve que valer-se de outras fontes genéricas para abastecer o seus discos.

Em termos, eu achava que essa tese (ou "tese") de meu amigo fosse mero ressentimento. Afinal, ele também era um daqueles que curtia a banda do tempo dos Reis do Iê Iê Iê. Mas o conhecimento do assunto é maior do que esse mero reducionismo. Até que, para ele, quem realmente pegou a tocha e poderia ser chamado de revolucionário no rock era o Frank Zappa que, por sinal, como ele diz: "não se escondia atrás de wall of sound ou ouverdubs, Aditional Double Tracking e todas essas coisas que os Beatles digeriam junto com LSD quando fizeram o Revolver".

No fim, como ele diz, todo o pernosticismo retórico do rock psicodélico acabou virando uma corrida do ouro em busca do álbum perfeito, e todo esse perfeccionismo em torno de artistas, produtores e de bandas provocou o advento do progressivo que, mal comparando, foi o gênero mais incensado no começo dos 70 e que hoje poderia ser chamado de maneirismo do rock. Ou, por outra, foi o tempo em que todo guitarrista/tecladista de progressivo achava que era um Hector Berlioz.


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Mas eu não sei por que mas, detratores dessa (pretensa) segunda fase dos Beatles oferecem essa segunda visão. A partir delas, eu não consegui ouvir os Beatles da mesma maneira. E talvez ouça-os de forma melhor do que antes. Acho inclusive até que ela faz todo o sentido. Até mesmo quando, para alimentar essa polêmica, eu descobri na Internet uma resenha do Revolver feita pelo líder dos Kinks, Ray Davies, na revista Disc and Music Echo.

Extinta em 1972, a revista havia começado naquele ano. No lançamento do disco, os editores convidaram Davies a comentar o sétimo disco dos Beatles faixa a faixa. As respostas dele são de fazer qualquer fã roxo da banda montar num porco e pedir a cabeça de Ray. No entanto, mesmo hoje, pensando no que o disco representou na época, o que ele viria a representar depois e sobre como tentar entender, dentro daquele contexto, tudo o que estava acontecendo dentro do universo da música pop nesse momento. O momento mais sintomático é quando Davies comenta que "Love Yo To" é um raga e era algo que ele fazia dois anos antes (provavelmente referindo-se a "See My Friends") e que naquele momento, ele estava compondo mais ou menos como os Beatles faziam "há dois anos atrás".


"Taxman": Parece uma mistura de música do Batman com The Who. É um pouquinho limitada, mas os Beatles parecem superar isso pelo vocal dobrado sexy. É incrível como vocais dobrados fazem a voz ficar melhor".

"Eleanor Rigby": "Eu comprei um disco do Haydn outro dia e isso parece como aquilo. É aquele tipo de coisa de quarteto de câmara que soa como se eles quisessem agradar professores de música clássica em escola primária. Posso imaginar John dizendo: "vou compor esta para minha velha professora de música. Parece bem comercial, mesmo assim"

"I'm Only Sleeping" é a mais bonita. Mais legal que 'Eleanor Rigby'. Parece algo alegre a antigo, realmente, e definitivamente a melhor do disco".

"Love You To": George parece agora ter uma influência muito grande sobre a banda, agora. Essa é o tipo de canção que estava fazendo há dois anos atrás. Agora eu estou fazendo o que os Beatles faziam há dois anos atrás. Não é uma música ruim. é bem interpretada e é realmente uma faixa dos Beatles".

"Here There and Everywhere": "Esta mostra que os Beatles tem boas lembranças....porque há aqui um monte de acordes complexos. É ótima, como um instrumento com a voz e, de repente, a guitarra aparece. A terceira melhor do disco.


"Yellow Submarine"; "Isso é uma bosta. eu pego o microfone e faço no piano coisas melhores do que isso. Eu acho que eles sabem que isso não é bom.

"She Said She Said" "Essa tem algo que restaura a velha crença nas antigas canções dos Beatles, apenas isso".

"Good Day Sunshine": Essa parece ser épica. Não te força a nada, mas está no estilo de 'I'm Only Sleeping'. Essa faz a gente voltar aos Beatles da antiga. Só não acredito muito que os fãs irão topar essas novas coisas eletrônicas deles. Os Bestles sempre pareceram ser algo como o garoto do lado, porém melhor".

"And Your Bird Can Sing": "Não gostei. A música parece muito óbvia. Não parece uma canção dos Beatles".

"For No One": "Esta vai ser bastante regravada. É bem melhor do que 'Eleanor Rigby', e o trompete francês tem um efeito bacana".

"Dr. Robert" É boa, tem um efeito bacana de 12 compassos e algumas coisas são bem inteligentes nela. Não é do meu tipo, porém".

"I Want To Tell You": "Essa é uma que salva o disco. Não parece ser o tipo de cânone dos Beatles".

"Got To Get You Into My Life" : "Um fundo de jazz e isso parece mostrar que músicos de jazz ingleses não sabem suingar. Paul parece cantar muito melhor do que os músicos costumam fazer e isso faz parecer absurdo quando dizem que jazz e pop são diferentes. Paul parece o Little Richard cantando. De longe, parece a mais velha das faixas do disco">


"Tomorrow Never Knows": Ouça esses sons estranhos! Isso vai ser coqueluche em discotecas. Posso imaginar que eles amarraram George Martin em algum poste quando eles fizeram isso".

O fecho da matéria do Disc and Music Echo

"Assim, após ouvir a cada uma das faixas três ou quatro vezes, o veredito de Ray Davies é: "esse é o primeiro disco dos Beatles que eu escutei inteiro mas devo dizer que há músicas melhores no "Rubber Soul". Mesmo assim, acho 'I'm Only Sleeping' ótima, 'Good Day Sunshine' é a segunda e 'Here, There and Everywhere.' a terceira. Mas não quero depreciar as demais. O equilíbrio da técina de gravação do disco é o melhor possível".

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