Tuesday, August 23, 2016

Longe Demais das Capitais


Varig Experience no Boulevard Laçador


No fim dos anos 20, aqui, já existiam linhas férreas que ligavam Porto Alegre até Bagé, Uruguaiana e Passo Fundo. A navegação já era eminente a partir do porto de Rio Grande. Contudo, apesar de todo aquele surto tecnológico, nosso burgo açoriano parecia estar isolado, ou melhor, ancorado às margens do estuário do Guaíba, ou seja, longe demais das capitais.

Na década de 10, o governo Carlos Barbosa já havia dado um grande passo, com a construção da primeira etapa do hoje cognominado Cais Mauá. A obra, levada a cabo pela empresa de Rudolph Ahrons* No entanto, em magnitude, esse caminho inicial estava abaixo do que a multinacional Farquar concebera para o porto de Rio Grande. Esta multinacional, até o fim da I Guerra, teria toda a operação em suas mãos.

Já (novamente) sob o comando de Borges de Medeiros, apenas em 1917 uma lei federal autorizaria o presidente do Estado a entrar em acordo com a antiga concessionária. No ano seguinte, forma-se o Convênio de Encampação, que franqueou ao governo daqui o comando de todos os portos. A partir dali, já era possível vislumbrar um caminho para o mar: agora Porto Alegre podia finalmente receber as grandes empresas de transporte marítimo, como o Lóide Brasileiro, por exemplo. Hoje é difícil imaginar, mas, embora o primeiro passo, para uma cidade isolada — e ainda por cima capital — era como sair da caverna.

Mesmo assim, os caminhos eram poucos. Ainda não se pensava na concretização de uma ponte que ligasse Porto Alegre à Guaíba — e consequentemente ao resto do cone sul. Mesmo que existissem as barcas de navegação costeira (os "vapores", como dizia minha avó materna), tudo era muito lento, quase uma aventura. Para pegar um Ita até o sul, via lagoa dos Patos, então, o turista acabava virando um Américo Vespúcio, perdido em horas e horas de solidão fluvial.

Não é possível dizer que nosso burgo fosse a capital mais isolada de todas. Mas é notável como, por muito tempo, a cidade foi escondida por tantas barreiras naturais — problema este catalizado pela ainda incipiente malha de transportes, impedindo a sua efetiva ligação com o resto do planeta.

Talvez seja por causa desse isolamento geográfico que deu-se um wit na cabeça de parte da elite porto-alegrense. Oito anos depois da "libertação" de Rio Grande, ocorreu aqui um espetáculo aéreo com pilotos veteranos da I Guerra. Foi uma efeméride: centenas de pessoas jogavam chapéus e saudavam aqueles ases. Um daqueles pilotos, Otto Ernesto Mayer, conseguiu convencer o intendente da capital, Alberto Bins — um capitão de indústria milionário, talvez o maior magnata de seu tempo por estas paragens — a conceber uma linha aérea a partir do nosso isoladíssimo burgo.

Depois de vários encontros entre Mayer e Bins, que também era o presidente da Associação Comercial de Porto Alegre, o tal projeto maluco começa a tomar forma. Juntos, eles granjeiam centenas de assinaturas de outros visionários que, com efeito, irão acompanhá-los na formação de uma sociedade anônima sem precedentes. Até então, ninguém havia concebido uma companhia aérea nesses moldes.

Com o capital nas mãos, eles compraram um hidroavião bimotor alemão, com capacidade para nove passageiros. Na Capital Federal, ele seria batizado de "Atlântico", que foi inclusive o primeiro registro do Livro Aeronáutico Brasileiro. Aqui, até o insuspeito presidente Borges de Medeiros (e seus asseclas) foram dar uma volta no "Atlântico". Segundo escreveu um cronista, na época, o "Governo sul-riograndense foi pelos ares".

Em 7 de maio de 1927, então, foi fundada a Varig — eterna pioneira ** que, depois de tantos anos de operação e de seu fim, é uma marca imortal, sempre lembrada por quem viveu aqueles anos. De longe, é difícil imaginar outro caso de marca com um perfil com tanta vocação para a eternidade como ela. Tanto é que basta ver o enorme fluxo de pessoas que, em todos os fins de semana, vão ver (ou rever) o Douglinhas que está à exposição lá no Boulevard Laçador, perto do Aeroporto.


O "Atlântico"

Todo o aparato, que inclui até uma equipe vintage de comissários de bordo e aeromoças, provocam um refluxo ao passado e, ao mesmo tempo, ao presente. diante do cena, a visão do intrépido douglinhas — que parece pronto para decolar — cala fundo. Perplexos, todos fazem sempre as mesmas indagações: "Por que a Varig morreu?" "Por que toda aquela era de ouro da aviação nacional morreu?" "e se a Varig ainda existisse?".

Enfim, o que é admirável é que, além de ter feito história no Brasil e no mundo, e de ter sido um dos maiores empreendimentos comerciais brasileiros em todos os tempos, a Varig foi uma página importante na própria formação do nosso estado — justamente no intento de ligar o isolado burgo açoriano de Porto Alegre com o país e o com mundo. A verdade é que, a partir daquele longínquo 7 de maio de 1927, o Rio Grande do Sul passou a aparecer no mapa.


* Ahrons foi responsável, por sinal, pela quase totalidade de obras públicas de vulto na capital naquele começo de século), tendo como testa de ferro o arquiteto alemão Theodor Wiederspahn. Entre elas, podemos citar o prédio do MARGS, dos Correios (hoje o Memorial do Rio Grande do Sul), além de empreendimentos particulares, como a Cervejaria Brahma e o Edifício Ely (Tumelero).

** sobre isso, confira o belíssimo livro do Gianfranco Beting sobre a Varig, lançado pela EDIPUCRS e ainda em catálogo.



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