Wednesday, August 03, 2016

O Baú de D. Francisca


Simões Lopes Neto


Mês passado ocorreu a lembrança do centenário da morte do Simões Lopes Neto. Eu, para variar, lembrei do Carlos Reverbel (que, aliás, sempre assombra as postagens daqui) que foi um dos primeiros biógrafos do autor de "Contos Gauchescos".

O Dom Carlos dizia que, em vida, o escritor pelotense frequentemente anunciava obras das quais revelavam apenas o título. Entre elas, o criador do Blau Nunes disse ter escrito dois romances regionalistas, "Peona e Dona" e "Jango Jorge". Se ele os escreveu, ou destruiu os originais ou, na hipótese de Reverbel, jamais os escreveu.

Em 1945, Carlos esteve em Pelotas comissionado pela Editora Globo justamente para fazer uma varredura sobre Simões. Para tanto, o grande desafio era conseguir entrevistar a viúva do autor, Francisca Meireles Simões Lopes (ou D. Velha, para os íntimos). Porém, cedo ele descobriu que não seria tarefa simples. Quando ele foi procurá-la em casa, ela foi esquiva e, de acordo com ele, só faltou bater a porta na cara.

Então ele soube que D. Francisca usava de precaução porque já havia sido vítima de gente que, se declarando como pesquisadores ou admiradores, sumiram com originais do marido. Com a recusa, ele não teve outra alternativa a não ser seguir á procura de informações em outras fontes.

Foi quando ele encontrou um certo Francisco Cardoso. Amigo de Simões Lopes, o levou ao sótão de um casarão abandonado. Ali, no meio de farto material, ele teve a sorte de encontrar um volume encadernado do extinto Correio Mercantil. Na coleção ele reconheceu um folhetim em 21 capítulos, publicado a partir de junho de 1914, o texto completo dos "Casos do Romualdo".

Conforma Francisca havia dito à Carlos, os originais haviam sido extraviados por um tal Pinto da Rocha, que incumbira-se de prefaciar a obra. Rocha havia prometido levar o material até a Capital Federal, a fim de prefaciar os "Casos", encaminhar a um editor. Desde então, nunca mais se teve notícia do homem.

Reverbel passou todo o romance à limpo à máquina e voltou à casa de D. Velha. Perguntou se ela não tinha notícia de um certo folhetim de Simões Lopes que fora publicado no Correio há uns 30 anos atrás, etc e tal. Ela respondeu que não existia nenhum "Casos do Romualdo", e voltou a reclamar para ele de gente que a espoliava querendo material do marido. Ele puxou o texto datilografado e mostrou a ela. E disse:


— Talvez então a senhora tenha deixado de acompanhar a vida literária de seu marido por, talvez, não reconhecer seu talento como escritor durante o tempo em que viveram juntos.

Perplexa, ela folheava o material. Voltando-se para os fundos da sala, ela disse:


— Firmina, traga o baú!

Assim, foi confiado à Reverbel um velho e preciosíssimo baú em que Dona Francisca guardara literalmente a sete chaves tudo que havia restado do escritor pelotense — inclusive as suas "Recordações de Infância" que parecia o esboço de um livro de memórias mas, na verdade, eram as primeiras páginas de um romance.

Já quanto aos Causos, eles seriam publicados em 1952, pela Editora Globo.

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