Thursday, June 16, 2011

Paixões de Fla-Flu


O livro

À primeira vista, um livro tratando da discussão bizantina a respeito da rivalidade entre Beatles e Rolling Stones é algo que não vai trazer nada de novo. Além do mais, nenhum fã ardoroso de cada uma das bandas não vai ceder um milímetro sequer de sua devoção em favor do grupo arqui-rival.

O problema é que essa eterno debate ganha essa dimensão porque os respectivos fanáticos de cada um dos dois conjuntos nutre uma cega paixão de fla-flu, muito embora existam aqueles que gostam tanto do quarteto de Liverpool quanto do quinteto londrino.

Já que o assunto soa batido, os editores do livro The Beatles vs. The Rolling Stones - A Grande Rivalidade do Rock'n'roll (Globo, 192 páginas) tiveram uma idéia diferente: repassar toda a trajetória dos cavaleiros de Sua Majestade Britânica e a do séquito de Sua Majestade Satânica e repassá-la, em detalhes, no ponto de vista de dois jornalistas musicais sob a forma de um diálogo contínuo.


A idéia de fazer um livro nesse estilo também não é lá muito nova. Afinal de contas, os diálogos de Sócrates, lá na Grécia Antiga, foram compilados por Platão, sob a mesma natureza.

É daí que surge o diferencial do livro: ao lermos suas páginas, Greg Kot (beatlemaníaco e stonemaníaco enrustido) e Jim Derogatis (Stonemaníaco e beatlemaníaco idem) contam como descobriram as duas bandas, cada um tem uma preferência clubística e o livro é todo um debate continuo, um diálogo corrido, tipo uma entrevista gravada ou um bate-papo ode boteco.


A diferença é que, nutridos de vasta informação complementar com relação à citações de outros livros de referência no assunto e contando cada um com seu respectivo vasto conhecimento musical, Jim e Kot travam um duelo inteligente, falando desde as influências das duas bandas, passando pela estética dos Beatles com relação aos Stones, o apeeal promocional. O estilo de cada integrante de cada banda é comparado: Paul e Bill, Ringo e Charlie, George e Keith, e por aí vai.


Os dois mandam muito bem e graças a Deus, não levam nenhuma das duas bandas prá compadre e mostram que gostam e sabem apontar coisas que eles consideram baixos na carreira das duas bandas. Ou seja, se não sobram polêmicas entre si (ambos concordam e discordam m tempo todo, ao mesmo tempo em que o leitor ri e concorda e discorda da mesma maneira, numa divertida esgrima a três, onde a vontade de meter o dedo na conversa é inevitável.

Ambos acreditam, na comparação entre os seus respectivos discos duplos, Exile e White Album, por exemplo, que, ao contrário do segundo, o álbum de 1972 possui um feixe, uma coesão textual e um conceito sólido cinzelado pela maestria de Keith Richards. Ao mesmo tempo, o Álbum Branco, na ótica deles, mais parece uma colcha de retalhos, tentando fazer um rescolta de canções sem um vetor comum.

Ao mesmo tempo, os dois autores entendem que o trabalho acústico tanto da pré-proodução do disco dos Beatles quanto de vários momentos do trabalho são o ponto alto. Ao mesmo tempo, Derogatis entende que a falta de coesão no acabamento final do White Album é análogo à alegada inconsistência dos projetos stonianos posteriores ao próprio Exile (nesse ponto, eu é que discordo dele com relação a isso).

No meio de críticas, eles defendem, com unhas e dentes, a excelência dos dois bateristas na ótica de musicisistas, Charlie e Ringo, com argumentos interessantíssimos. Tanto pelo estilo cool de Watts como uma espécie de falso pusilânime, em tocar como um jazzmen, sem saliências, sem ergueras baquetas além dos pulsos, mas se impor na banda, tanto ao enfrentar Jagger ao ser chamado por seu frontman de "o baterista da banda" quanto pela própria afirmação deste, de que "sem Charlie os stones acabarão".

E também não faltam elogios ao subestimado (como músico) Ringo, de ser vigoroso em dar a energia necessária em determinados momentos de certas canções, com seu ritmo ligeiramente sujo nos címbalos. Ou a sua técnica primal em Tomorrow Never Knows e as viradas cerebrais de Rain, da fase Revolver, a preferida de Greg.

O divertido de The Beatles vs. The Rolling Stones - A Grande Rivalidade do Rock'n'roll é, a despeito do assunto batido, justamente isso: o fato de que são duas paixões que movem multidões. E que, como acontece em qualquer grande rivalidade clubística, ela não termina quando o juiz apita o fim do jogo. O livro termina mas, para o leitor, o debate certamente continua.

1 comment:

Groucho KCarão said...

Não li o livro, mas se for tão bom como o post vale a pena. No fim, é tudo questão de gosto. Eu odeio a 'unanimidade' dos Beatles, desde quando eu preferia eles aos Stones - aliás eu mal conhecia Stones - mas isso não quer dizer que eu não curta o som dos caras. Ah, e nessa de Beatles VS Stones muitas bandas tb sensacionais da época acabam passando batidas, vide Kinks.