Friday, June 10, 2011

O ovo de Colombo do Coojornal


Oito anos de experiência

Meados dos anos 70. Durante os anos de chumbo do regime militar, um grupo de jornalistas decidiu mudar o status quo da imprensa brasileira - em parte amordaçada pela censura prévia e em parte transmutada em imprensa oficial compulsória. Ou, para quem se lembra, era abre aspas e tome declaração de ministro e press-release.

Foi quando surgiu o Coorjornal, em 1975. A publicação, um marco na história da imprensa no Brasil, virou livro: “Coojornal – um Jornal de Jornalistas sob o Regime Militar (Libretos, 272 páginas)”. Em 33 reportagens, ele redimensiona a importância dessa experiência pioneira no país.



A idéia era renovar em vários aspectos: o primeiro, sair do esquema "viciado" da grande imprensa. O outro, criar um sistema de auto-gestão participativa, numa época em que uma empresa jornalista era a imagem e semelhança de seu dono - como era o caso da Caldas Júnior, com relação à Breno Caldas. O dinheiro que ficasse para depois: o começo, o meio e o fim seria a informação.

Pois foi justamente dentro da Companhia Jornalística Caldas Júnior que nasceu o Coojornal: inspirados no italiano Il Giornalle, de Milão, um grupo de funcionários da antiga Folha da Manhã decidiu criar uma versão brasileira. As primeiras reuniões se dariam na casa de José Antônio Vieira da Cunha.

Contudo, para consolidar o empreendimento sob o signo de cooperativa, era necessário registrá-la no Incra. O Instituto naturalmente contestaria a viabilidade de um órgão do gênero que não ordenhasse vacas ou não colhesse grãos. Depois de muita burocracia, o Incra permitiu o nascimento da Cooperativa dos Jornalistas de Porto Alegre, pioneira no gênero. Afinal de contas, a sua fonte de lucro era de natureza puramente intelectual.

O segundo passo foi transformar a Verbo, uma pequena empresa, dirigida por Elmar Bones e Jorge Polydoro (que também eram associados), com a transação do seu controle acionário. Através dessa dinamização, a cooperativa iria se desenvolver como uma espécie de prestadora de serviços não apenas de jornalismo, mas de comunicação social, administrando outras publicações, livros e audiovisuais.

A Coojornal também permitia que qualquer jornalista tivesse espaço, desde que dentro dos princípios do novo órgão, que contava com uma assembléia geral. O jornal começou como um boletim; quando ele chegou na sua nova edição, chegou finalmente às bancas. No meio de uma imprensa quase oficialesca, o pequeno grande Coojornal surgiu como uma publicação de oposição ao governo. Ao invés de abre aspas, entrevistas; ao invés de press-releases, reportagens.

Era, pois, um novo nicho de leitura: a imprensa podia pensar. Não tinha o fime propósito de ser um jornal engajado, mas dentro do contexto da práxis do jornalismo brasileiro naqueles anos políticos do Brasil dos anos 70, ele representava a contradição e um caminho a seguir. É imprensável para os jovens calouros de comunicação, nos dias de hoje, lidar com episódios lamentáveis como conviver com censores no meio de uma redação ou receber ligações sugerindo que não se tocasse "em determinado assunto".

Foi nesse contexto que o Coojornal floresceu. Ao adotar uma postura que representava justamente a contradição àquele paradigma. Tanto que ele era chamado de o "Estadão dos nanicos", e viveu seis efêmeros oito anos lutando pela liberdade de expressão. E essa ousadia cobrava o seu preço.

Houve três episódios marcantes no Coojornal no tocante à censura - justamente quando havia um viés político. O primeiro deles foi quando o órgão publicou matéria sobre os profissionais que tiveram seus direitos cassados a partir da Revolução de 1964.

A série de reportagens sobre o Movimento de Libertação Nacional Tupamaro, a famosa guerrilha urbana uruguaia dos anos 70. A pauta fez com que o extinto Serviço Nacional de Informação (SNI), capitaneada pela imaginação fértil do General Golbery do Couto e Silva, passasse a investigar a cooperativa sob a acusação de que o órgão estivesse trabalhando a soldo do MLN-T.

O ápice foi a publicação da matéria sobre a Guerrilha do Araguaia e a morte de Carlos Lamarca, um assunto que para as Forças Armadas era mais do que um tabu: Lamarca era orvelianamente um nome a ser esquecido. Mas esse era o espírito do jornal. Ele iria publicar tudo aquilo que a grande imprensa se recusaria a mandar para o papel. em determinado momento, choviam colaborações na redação. Todos sabiam que se um Correio do Povo não publicasse, o Coojornal publicaria.

Naquela tempo, décadas antes da Internet, eles utilizavam de vários expedientes para conseguir as matérias, que eram transportadas por terceiros. O caso mais curioso foi quando repórteres paulistanos recrutaram um sujeito que iria embarcar para Porto Alegre, e lhe confiaram um envelope pardo que, ao contrário dele, não chegou ao seu destino. Ao chegar, ele disse primeiro que havia extraviado o material. Diante da incredulidade dos editores do Coojornal, ele confessou que havia jogado fora depois de irresistivelmernte passar os olhos nos papéis. Então confessou que tinha medo de ser revistado e preso com a encomenda. Rasgou o envelope em pedacinhos e puxou a descarga do banheiro, como se estivesse fazendo a toalete de um pacote de haxixe...


Claro que essa liberdade iria causar muitos problemas para a cooperativa - e causou. Dois associados, Osmar Trindade e Rafael Guimaraens foram condenados a cinco meses de prisão por divulgarem relatórios do Exército sobre a atuação dos soldados no combate à guerrilha. Além deles, Elmar Bones e Rosvita Sauerssig foram postos no cadafalso.

No entanto, apenas Trindade e Guimaraens foram condenados por "corrupção ativa" (acusados de comprar os documentos de um oficial) e "prevaricação" e publicização de material sigiloso. Caso é que ambos foram para a cadeia por "maus antecedentes"; eles já respondiam por "crimes de imprensa" que sequer tinham sido julgados. Como não havia celas especiais no Presídio Central de Porto Alegre, eles foram encarcerados no Madre Peletier.

A tremenda injustiça imputada à eles causou comoção nacional. O Jornal do Brasil publicou artigo da advogada de defesa de Osmar e Guimaraens, alegando que a população tinha o dever de conhecer a sua própria história. Zero Hora publicou uma série cobrindo o caso e o Globo publicou uma nota de protesto em nome dos partidos de oposição ao governo na Câmara. A nota questionava, por exemplo, que os jornalistas foram enquadrados e condenados, ao passo que os militares envolvidos no caso sairam ilesos.

Além de casos extremos como esse, os profissionais do Coojornal sofriam ameaças, intimidações e eram seguidos e vigiados. A pressão da polícia era ostensivamente diáfana. Até a edição com os relatórios das Forças Armadas, a publicação contava com doze anunciantes. No mês seguinte, restaram apenas dois. Se a pressão não ocorria diretamente contra a redação, os agentes iam acossar os próprios anunciantes, alegando que o Coojornal era "comunista" ou " a soldo de Moscou".

O Coojornal conseguia sobreviver a despeito desse tipo de perseguição, da falta de pessoal (a cooperativa, que chegou a contar com mais de quatrocentos associados, em determinados momentos, não contava com uma redação fixa; menos da metade trabalhava na elaboração do jornal. Ou seja, havia um problema interno que contrastava com a qualidade do material publicado: havia a dificuldade de pensar o Coojornal pragmaticamente como empresa.

Outra razão do começo do fim foi que muitos realmente queriam um órgão engajado politicamente, ao mesmo tempo em que se vislumbrava a realidade da Abertura. Era a luta da arte pela arte pela militância.

Por conta dos veteranos, a tese do jornalismo pelo jornalismo desbancou a segunda. Em 1983, a Assembléia da cooperativa se reuniu pela última vez, proclamando o fim daquela mitológica aventura jornalística. O número de presentes àquela ocasião (apenas vinte membros) já demonstrava o desinteresse geral. Em setembro daquele mesmo ano, o presidente em exercício da cooperativa, envia ao Incra um requerimento, formalizando a liquidação do Coojornal.

Ficou apenas a lição de fazer jornalismo com inteligência, longe de amarras, de modelos desgastados e entronizados de cima para baixo, combativo e inteligente e efêmero, não resistindo ao destino de toda publicação típica da imprensa alternativa: marcar época, apresentar novos paradigmas e influenciar toda uma geração de jornalistas a partir dali. Parece brincadeira, mas jornalismo já foi algo sério. Cabe ousar.

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