Tuesday, June 07, 2011

As cartas de Rilke


O livro


Cartas a um Jovem Poeta é como um conto do Borges, curto porém denso: exige mais do que uma simples leitura.

Nos anos 60, era o livro de cabeceira da juventude e de nove entre dez meninas que frequentavam a boemia bem vestida do Encouraçado Butikin (as "mininas da Independência", como diria o Luís Fernando Verissimo), só perdendo para o Pequeno Príncipe ou as orelhas do Marcuse. O curioso é que diante da obra poética de Ranier Maria Rilke (1875-1926), esse pequeno volume é quase uma obra "menor" e, num curioso paradoxo, popularmente difundida, desde a sua publicação, há mais de oitenta anos.


O livro (LPM Plus, 96 páginas), compilado por Franz Kappus, é uma rescolta da correspondência do jovem poeta com o célebre autor das Elegias de Duíno entre 1903 a 1908, compreendendo, ao todo, dez cartas.

Como todo iniciante, na flor dos seus dezenove anos, Franz queria mostrar seus versos a Rilke e, naturalmente, granjear algum conselho literário. Em resposta, Ranier disse que, antes de mais nada, ele deveria perguntar a si mesmo sobre a sua missão como artista, e de não se deixar levar por críticas. "A arte é boa quando nasce de uma necessidade", diz ele. "Investigue o motivo que o impele a escrever; comprove se ele se estende às raízes até o ponto mais profundo do seu coração, confesse a si mesmo se o senhor morreria caso fosse proibido de escrever".


Mas o mais sublime em Cartas a um Jovem Poeta é que, a despeito de, a princípio, soar como um mero roteiro para um jovem escritor se iniciar nas belas letras, na verdade, à medida em que os dois se mostram íntimos, o discurso de Rilke alça voo a algo mais transcendente. Dessa forma, o pequeno livro acaba se tornando uma lição de vida.

Rilke tinha menos de 30 anos quando ele começou a trocar cartas com Kappus, mas mesmo assim, sua ótica madura e a sua ética de vida e visão estética são inefáveis. O tempo é necessário, a solidão também. "Ser artista significa não calcular nem contar, amadurecer como uma árvore que não apressa a sua seiva e permanece confiante durante as tempestades da primavera", explica.

Pois a melhor parte das "cartas" são as respostas do velho bardo às angústias do jovem poeta, as incertezas com relação à sua carreira e ao futuro e as vicissitudes da vida. Num dos trechos mais belos do livro, Rilke fala a Kappus sobre a importância da solidão e o aprendizado do amor.

Sobre a solidão, ele diz: "as pessoas (...) resolveram tudo da maneira mais fácil (...) contudo é evidente que precisamos nos aferrar ao que é difícil, tudo na natureza cresce e se defende a seu modo (...) sabemos muito pouco, mas temos que nos aferrar ao difícil é uma certeza que não nos abandonará. É bom ser solitário, pois a solidão é difícil; o fato de uma coisa ser difícil tem de ser mais um motivo para fazê-la".

Na sétima carta, versando sobre o Amor, o autor de O Livro das Horas diz que amar alguém é mais extrema provação, o trabalho para o qual qualquer outro trabalho é apenas uma preparação. "Os jovens precisam aprender a amar", revela Rilke.

E o tempo de aprendizado um longo período de exclusão, de modo que o amor é, por muito tempo, solidão, isolamento, uma oportunidade para amadurecer, "tornar-se algo, tornar-se um mundo". Por fim, ele explica: " a comunhão é o passo final, talvez uma meta para a qual a vida humana quase não seja o bastante". Isso que Rilke escreveu essas palavras contando apenas 29 anos!

Franz Kappus certamente viu que o valor daquelas cartas, escritas entre 1903 e 1908, tinham vida própria - tanto que elas sequer necessitam da correspondência de seu interlocutor. Todas aquelas lições de vida que o velho-jovem bardo escreveu, ao correr da pena, são perenes e dizem à alma de qualquer um. E, 1929, três anos depois da morte de Rilke, o jovem poeta finalmente publicou-as em livro.

Cartas a um Jovem Poeta até poderia ser considerado um livro "menor" diante da obra poética do autor praguense. Mas não é. È tão vital quanto a sua lírica e, de certa, forma, um caminho para conhecer um dos maiores poetas do Século XX - se não o maior.

2 comments:

Samuel Medina (Nerito Samedi) said...

Já tenho este livro em minha estante. Infelizmente, ainda não pude lê-lo. Mas esta resenha imprimiu em minha mente a urgência de aprender com as palavras de Rilke. Abraços.

Marcelo said...

Laia!! :))