Tuesday, April 05, 2011

Caro Flávio


O criador da "A Fonte da Informação"


Morreu o Flávio Alcaraz Gomes e toda uma época desapareceu com ele.

Me lembro do tempo em que eu era rádio-escuta na Prefeitura de Porto Alegre (do tempo em que a Assessoria de Imprensa ficava ali no Paço dos Açorianos, na Praça Montevidéo) e eu fazia a audição da manhã na rádio Guaíba entre 1997 e 1998.


Me lembro de uma enorme polêmica entre ele, os moradores do bairro Santa Teresa com a Prefeitura por causa do projeto de construção do Sambódromo, então previsto para ser construído ao lado do Marinha.

Flávio levou a querela como uma questão pessoal: ele acabou vencendo a queda de braço. A Prefeitura, que já tinha até instalado uma maquete do Sambódromo (ou Pista de Eventos) projetada para ser inaugurada ao lado do ginásio Gigantinho, acabou indo parar no porão do Paço. O Sambódromo foi parar lá no Sarandi.


Claro que eu era guaibeiro desde piá e achava o máximo ganhar soldo para ouvir a Guaíba ao lado da soleira da terceira janela da parte direita do Paço, que dava para a rua Uruguai, onde ficava a salinha do escutas (o nosso colega aqui do Pato Macho e decano do jornalismo gaúcho, Nildo Jr, certamente se lembra).

Quando eu era estagiário da Prefeitura eu ouvia e degravava os Guerilheiros na Guaíba, ali e depois na escuta no porão do Piratini). Ele nos ridicularizava, chamava a gente de "dedo duros" do prefeito, mas era o estilo dele. E, de fato, a gente não passava de insolentes dedo duros.


Era divertido ele com o Baldi no começo do programa, ou convidando algum vereador de oposição para meter pau na Prefeitura, eu degravava mas como não era partidário de nada, apenas um estagiário e estudante de jornalismo tolo e ignaro. Eu degravava as críticas e morria de rir de tudo aquilo. E isso que 1998 foi ano eleitoral, ou seja, eu devo, de longe, ter degravado uma suma teológica de tantas laudas de trechos do Flávio Alcaraz Gomes Repórter.

Sempre depois do Correspondente Renner, o Flávio colocava uma música. Era ou o Strangers In The NIght, com o Sinatra, ou Ultimo Desejo, com a Maria Bethânia (aquela versão do Recital da Noite Barroco), ou Yves Montand, Juliette Grecó (a musa existencialista) ou Charles Trenet (Le Mer), sempre tem um cantor francês, que era o que ele gostava. Aliás, aquela musiquinha do assobio, que era a trilha de abertura dos Guerilheiros na Guaíba ele usava desde os tempos da rádio Farroupilha, quando ele transmitia o programa direto do Presídio Central, onde ele foi tirar férias por alguns anos.


Me lembro de uma vez que ele veio de Paris com um CD do Montand e passou uns dois meses tocando quase todo dia o Yves cantando Les Jardins De Monte-Carlo. Um porre.


No meu último dia de estágio, eu pedi para a moça do fax para que eu mandasse um pedindo uma música que ele não tocava mais, que era I Left my Heart in San Francisco, com o Tony Benett.

Aí eu datilografei o chasque marotamente no verso da lauda da redação da Prefeitura que tinha o timbre e tal. E pedi para ela passar o fax para a redação da Guaíba. Achei que eles fossem ignorar, já que não é do programa (que era jornalístico) atender a pedidos musicais. Mas não é que ele tocou mesmo? Leu a minha carta (na época eu não mexia com Internet, imaginem). Logo depois do Renner. Ele leu a carta do "nosso ouvinte Marcelo", e tocou a música em vinil.



Quando ele começou a ler a carta, eu chamei a moça do fax, e morria de rir de incredulidade, de trás da minha máquina elétrica. Eu tenho a gravação até hoje.

Segundo o pessoal da rádio, eles só mantinham um toca-discos plugado na mesa de áudio do estúdio por causa do Flávio — e do Fernando Veronezi, que apresentava o saudoso Noturno Guaíba.

E ele nem sonhava que quem fez o pedido foi justamente um dos seus mais insolentes e fiéis "dedo duros" da Prefeitura...

Morreu o Flávio Alcaraz Gomes. E toda uma época desapareceu com ele.

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