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Lafayette |
"Vocês querem tocar órgão em rock? Em música
jovem?". Esse era Benil Santos, produtor da RGE. Erasmo Carlos ia gravar o compacto “Terror dos Namorados” e
convidou Lafayette para tocar piano. Ao chegar no estúdio, ele viu um Hammond
igual ao que Ed Lincoln usava nos seus discos. Viu o teclado e resolveu
improvisar alguma coisa. Erasmo ouviu e teve um estalo: “por que você não usa o
Hammond no disco?”. O Hammond B3, que era conhecido pelos discos de Lincoln,
era o preferido nos bailes de antes, porém ainda associado ao samba-jazz
instrumental pop, um estilo popularizado por Waldir Calmon e outros. Aliás, o
som de Ed Lincoln estava mais associado ao de Calmon do que do hard bossa de
grupos como Menescal e seu Conjunto ou Eumir Deodato e os Catedráticos.
Ninguém tinha pensado nisso. Erasmo deu corda na
pipa e Lafayette topou. Até então, era o piano o teclado do rock – e, mesmo
assim, associado de forma bastante incomum, como foi no caso de Jerry Lee Lewis
e Little Richard. E, naquele tempo, o órgão era um instrumento que estava
entrando no rock pela janela. Ainda em novembro de 1962, os Cascades lançaram
“Rhythm of the rain”, disco que chegou ao terceiro lugar da Billboard no ano
seguinte. Em 1965, a versão dos Animals
para “House of the rising Sun” era uma das músicas mais tocadas no
Brasil em 1965, chegando ao terceiro lugar entre os compactos mais vendidos
segundo o IBOPE. No ano anterior, Ed Lincoln fez grande sucesso com o disco A
Volta, que chegou aos primeiros lugares nas paradas segundo o IBOPE.
Mas até chegar na gravação de “Terror dos
Namorados”, é preciso retroceder um pouco. O rock brasileiro, como diz Paulo
César Araújo, na biografia de Roberto Carlos, ainda era muito tributário do sax
tenor. Ao mesmo tempo, a maioria dos intérpretes do gênero no Brasil cantava
contando apenas e tão somente com músicos de estúdio. Até ai tudo bem, o
problema é que eram geralmente músicos tarimbados e que tocavam qualquer coisa,
menos rock. Na CBS, então Columbia, no tempo do Roberto Corte Real, cantores
jovens, como Sérgio Murilo, gravavam com esses artistas.
Seria impensável, por exemplo, uma banda de garotos
gravando em estúdio. Contudo, as coisas começaram a mudar justamente com a
saída de Murilo da gravadora. Ao mesmo tempo em que Sérgio era defenestrado
(ele tentou processar o selo por pendengas de direito autoral, perdeu e depois
ficou mau visto pelas outras gravadoras).
Em seguida, Corte Real deixa a Columbia. Evandro Ribeiro, que era
responsável pelo comercial, acabou acumulando a parte de A &R. Mesmo que
música popular não fosse o seu forte – ele preferia o bel canto ao samba-canção
– Evandro soube cercar-se de gente que o ajudou a apurar o faro para polir o
cast de artistas com vistas a investir em música jovem naquele momento, como
Edy Silva e Jairo Pires. Ele iria contratar gente para divulgar seus
lançamentos em São Paulo, onde o dinheiro corria e onde a música poderia
conquistar o Brasil. Como foi no caso da Bossa Nova. O Rio pariu a Bossa e,
como diria Nelson Rodrigues, voltou a babar na gravata. Ela só iria virar
sucesso em São Paulo nas lojas de departamentos de lá e através de
comunicadores como Walter Silva. Ele é, certamente, o maior responsável pela
sobrevida da Bossa Nova até o advento do Fino da Bossa e a Era dos Festivais.
Para isso, Ribeiro contratou Edy Silva, que foi quem
“lançou” o novo Roberto Carlos para esse mercado. Edy foi tão importante em
alavancar a carreira do cantor que, depois de desligar-se da CBS, ela iria
integrar o time de Roberto a partir de então. Já Pires era vizinho de Evandro
na Urca. Como roqueiro, Ribeiro viu nele alguém que soubesse trabalhar na
triagem dos suplementos que a CBS mandava dos Estados Unidos para o Brasil.
Logo ele se tornaria um dos grandes operadores da gravadora, junto com Eugênio
de Carvalho. Juntos, eles seriam responsáveis pelo “novo som” do selo nos anos
seguintes.
Para gravar “Splish, Splash”, Roberto conseguiu
convencer Evandro a dispensar os “velhinhos da CBS”, ou seja, os músicos de
estúdio, e pôr na gravação um grupo de rock da Piedade, chamado Renato e seus
Blue Caps. No princípio, o diretor achou que era desperdício de dinheiro se a
gravadora tinha gente na folha de pagamento para matar tudo no primeiro take. O
cantor então convenceu Ribeiro, resumindo, que eles não sabiam tocar rock, etc,
etc. Ele topou e o registro foi feito com os
rapazes, muito embora Paulo César, o baixista, tenha sido obrigado a
tocar contrabaixo (não havia baixo elétrico à disposição). A gravação foi
considerada satisfatória, e os Blue Caps foram prontamente contratados com
Renato e tudo. Foi a primeira batalha.
Para gravar É Proibido Fumar, no entanto, Roberto
usou os Youngsters, outra banda que integraria o cast da CBS. Ao contrário dos
Blue Caps, observa Araújo, eles ainda emulavam o rock anterior, como o de
Luizinho e seus Dinamites, que soava como a surf music dos Ventures. A partir
de “Parei na Contramão”, Roberto montaria sua própria banda – era o golpe de
morte nos “velhinhos da CBS”. Depois dos Youngsters, que ainda gravariam o
Canta Para a Juventude, entrariam Bruno Paschoal no baixo (agora elétrico) e
Anderson Marques, o Dedé, na bateria. Aliás, foi a partir daí que a gravadora
iria adotar de fato o baixo elétrico: “E, a partir do LP É Proibido Fumar, o
baixo elétrico foi deixando de ser tabu nas gravações da CBS - até que em 1966
a gravadora adquiriu os amplificadores Fender, que já permitiam gravar direto,
através de linha”, diz Araújo. Essa foi a segunda batalha.
Paulo César Araújo observa que, naquele tempo, cabia
ousar porque, com efeito, nenhuma gravadora no Brasil sabia gravar rock.
Roberto Carlos teve que ousar no estúdio, experimentar, e pôde fazer isto porque na época não tinha nenhuma autoridade em gravação de rock na CBS - nem em nenhuma outra gravadora do Brasil. O produtor Evandro Ribeiro não sabia gravar rock, assim como os músicos e os técnicos da CBS. Enfim, todos tiveram que aprender juntos como fazer aquele som jovem que estava surgindo no Brasil. Com isso, conseguiram avançar na experimentação, testar novos instrumentos, novas equalizações de som.
O elemento que faltava nessa receita de vatapá
roqueiro era o órgão de Lafayette. Tijucano,
ele nasceu Lafayette Coelho Vargas Limp. Aos onze anos, já tinha experiência no
Conservatório Nacional de Música. Porém, optou pela música popular, mais
especificamente o rock, que era a coqueluche da gurizada do seu bairro. Ele era
fã de Ed Lincoln, tinha seus discos mas, diferente do organista cearense, sua
paixão era o novo som estrangeiro.
Recrutado por Erasmo, ambos foram para o estúdio daq
Victor no Rio, já que a RGE só tinha estúdio em São Paulo. Foi essa situação
que acabou aproximando Lafayette do órgão, já que foi na Victor que ele
experimentou o Hammond. Quando viu o instrumento, tirou a capa preta do
instrumento e pôs-se a improvisar alguns temas religiosos e natalinos, coisas
típicas de órgão.
Aquele som chamou a atenção de Erasmo Carlos, um cara que a turma reconhecia como de idéias avançadas e originais. "Puxa, Lafayette, que som legal." Enquanto ouvia Lafayette tocar mais um pouco, Erasmo teve um estalo. "Bicho, que tal a gente fazer um negócio diferente? Em vez de tocar piano, você tocar órgão na minha música?".
Contudo, Paulo César Araújo entende que essa experiência poderia ter morrido ali se não por causa de Roberto Carlos. Em janeiro de 1965, ele convidou Lafayette para gravar “A História de um homem Mau” e “Aquele Beijo que te Dei”. O estúdio da CBS tinha o Hammond que, por sinal, era usado apenas para discos instrumentais. Aquele foi o momento em que o instrumento entrou no rock brasileiro – a partir do disco Canta Para a Juventude.
O órgão Hammond-B3 do estúdio da CBS era semelhante ao que havia na RCA e em outras gravadoras, mas o som que Lafayette criou ali foi diferente de todos porque, além de seu talento de músico, contou com muita pesquisa, trabalho e colaboração dos técnicos de som Jairo Pires e Eugênio de Carvalho. Lafayette ficava com eles até altas horas no estúdio experimentando diversos sons e equalizações para o instrumento. "Eu devo muito daquele som do órgão ao Jairo e ao Eugênio. Eles melhoraram bastante o som do instrumento. Os técnicos faziam uma equalização muito boa e ajudaram a criar aquele som com um timbre legal, diferente", afirma Lafayette.
De acordo com Araújo, “Na época, o órgão se tornou um instrumento tão frequenteo rock que várias bandas tinham um organista na sua formação. Além do já citado The Animais, esse foi o caso, por exemplo, de bandas como The Doors, Rascais, Zombies, Procol Harum e Brooker T. Mg's. A sonoridade do órgão marcou o moderno rock dos anos 60. Até os Beatles usaram órgão, especialmente na fase final, quando convidaram o organista Billy Preston para tocar em faixas como Let it be e I me mine. Mas, antes disso, a banda já tinha usado aquele instrumento em canções como Don't pass me by (do Álbum Branco) e Mister Moonlight (LP Beatles for sale) -esta última como se fosse tocada pelo próprio Lafayette. O fato é que, ao incorporar o som do órgão à sua música, Roberto Carlos caminhava na mesma batida do moderno rock dos anos 60 - e sem que fosse preciso ele ter ouvido bandas internacionais para adotar essa sonoridade”. No entanto, ele observa que o som Jovem Guarda que saiu dessa síntese foi também parte de uma revolução na própria produção: entra aqui numa nova geração de engenheiros de som jovens e que sabiam dialogar com essa nova geração do cast – também jovem, ligada ao novo som da juventude e muito distante do tempo dos “velhinhos da CBS”;
O órgão Hammond-B3
do estúdio da CBS era semelhante ao que havia na RCA e em outras gravadoras,
mas o som que Lafayette criou ali foi diferente de todos porque, além de seu
talento de músico, contou com muita pesquisa, trabalho e colaboração dos
técnicos de som Jairo Pires e Eugênio de Carvalho. Lafayette ficava com eles
até altas horas no estúdio experimentando diversos sons e equalizações para o
instrumento. "Eu devo muito daquele som do órgão ao Jairo e ao Eugênio.
Eles melhoraram bastante o som do instrumento. Os técnicos faziam uma
equalização muito boa e ajudaram a criar aquele som com um timbre legal,
diferente", afirma Lafayette. E foi mesmo depois de muita experimentação
que os técnicos encontraram o eco ideal para realçar aquelas puxadas ou
chicotadas (o nome é glissando) que Lafayette fazia no órgão - efeito que
marcaria o seu som definitivamente a partir do toque de abertura em Quero que
vá tudo pro inferno. Aquela introdução marcou muito e ficou como uma espécie de
toque registrado de Lafayette. Evandro Ribeiro sempre pedia para ele fazer aquela
chicotada em algum momento das gravações de Roberto Carlos. Às vezes Lafayette
fazia no primeiro toque da introdução, outras, fazia no meio, como em Tempo de
amar (do álbum Roberto Carlos em ritmo de aventura), ou no fim da introdução,
como em Esqueça (do álbum de 1966).
Quando Lafayette chegou ao rock, mais precisamente
no rock brasileiro, ele faria parte de uma revolução no ramo de produção
musical – e de performance que pavimentaria o caminho para a Jovem Guarda,
naquele mesmo ano. Se ela tem um arquiteto, quem pôs a cumeeira nessa
construção foi Lafayette.
Referências
ARAÚJO, Paulo César. Roberto Carlos em Detalhes. Planeta, 2006.
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