Saturday, April 03, 2021

No tempo da Educadora

 


Herb Alpert & Tijuana Brass é uma lembrança interessante para mim, porque é mais do que a própria música em si. Os temas me recordam da minha curta porém significativa passagem pela Educadora 1340, lá nos anos 90. Eu primeiramente fiz o curso de operação. Depois, ao longo do ano de 1994, fiquei como uma espécie de freelancer trabalhando na sonoplastia dos programas que eram produzidos e gravados no estúdio da Educadora no castelinho da av. Ipiranga (que hoje é a SAMU). Eu fiquei ali gravando terças e quartas até mais ou menos outubro ou começo de novembro: naquele tempo eu já havia passado no vestibular para Jornalismo na Famecos e acabei me desinteressando em seguir carreira como operador – o que foi besteira, pois poderia começar trabalhando de fato na 1340 no primeiro horário da manhã, que era o mais calmo, já que não tinha nada ao vivo.

Digo que eu lembro do Herb Alpert e Tijuana Brass porque ali no estúdio da Ipiranga existia uma discoteca pequena mas bem interessante. Tinha umas raridades, como aquele elepê do Luiz Eça e Cordas, original, da época, e que eu ouvi pela primeira vez ali. Sabia da existência do álbum pelo livro do Ruy Castro sobre Bossa Nova mas, naquele tempo, esses discos estavam esgotados. Havia o do Caymmi no Zum Zum, selo Elenco. Muita coisa da RGE – que, naquele tempo, era a gravadora do Raça Negra e Eliana de Lima, que fazia então muito sucesso, era o auge do pagode anos 90. Esse material da RGE abundava porque um dos professores de locução era divulgador. Havia uma coleção grande de música regionalista e muitos promos, aqueles discos-singles prensados especialmente para as rádios. E tava começando o CD.

Mesmo assim, quando eu fiz o curso de operação, nós ainda tínhamos naturalmente que aprender a mixar discos como DJ, abrir e fechar microfones, emendar com cartucheira, praparar a faixa no cue, na ponta da agulha, e pôr tudo no ar. Pelo menos era uma escola tranqüila, já que a gente aprendia fazendo gravações, então, não havia risco de cometer algum erro no ar – nem nós, nem os locutores, que também estavam fazendo o curso deles.

E tinha alguns discos da Tijuana Brass. Esses discos, aliás, eram daquela parte da discoteca que eram utilizados para trilhas de programas. Então, como era e como é até hoje em algumas rádios AM ou do interior, ainda utiliza-se esse tipo de trilha. Muitas vivem até hoje na memória de ouvintes, que associam alguma faixa a abertura ou cortina de determinado programa do passado. Por exemplo,  “Route 101” eu recordo do Nelson Marconi na madrugada da Farroupilha. “Mae” foi a trilha do Clube dos Namorados da antiga Itaí. Essa faixa depois foi usada em vários programas do tipo, em outras emissoras. A citada Farroupilha continuava usando nesses programas tipo “Dona da Noite” – aqueles programas noturnos com leitura de cartas, de poemas, e que tocavam apenas canções melosas. Essas trilhas em geral os ouvintes conhecem elas muito bem, embora não saibam o nome. Lembro da trilha do programa Bolsa de Empregos da Itaí, que era “The Girl From Paramaribo”, que, nos anos 70, ganhou dezenas de versões, de Erlon Chaves até Lafayette. Essa a gente tinha numa cartucheira lá no estúdio da Educadora, que alguém teria gravado nos estúdios da Guaíba.

A Educadora dava traço em matéria de audiência mas a gente não se importava. O pessoal gravava os programas do Estágio 1340 em fitas cassete – muitas delas reaproveitadas ao extremo, e quase sempre ficar velhas, tipo Scotch de uma hora. A gente não usava rolo. E depois eles anunciavam para amigos sintonizarem ou aos sábados à noite ou domingos de manhã a transmissão dos nossos programas. Algumas eu guardei depois mas, nessa vida de mudanças, eu botei fora todos os meus cassetes, e fiz isso naturalmente me arrependendo.

Digo isso porque esse contato com o pessoal indo e vindo na rádio, pessoal passando e a gente sempre aprendia algo ou tirava alguma lição de alguma coisa. Por exemplo, a discoteca do estúdio de gravações da Educadora não tinha nada que eu ouvia ou gostava na época. E eram coisas de repente que eu fui ouvir ou depois ou a partir dali. Então a maioria dos programas, que era informação e música, eram montados de forma temática – informação do campo, programa tipo popular, tipo romântico, notícias, e tudo entremeado com música. Mas era locução, música, locução música, não tenha intervalo, eram programetes de meia hora para cada locutor. Era simples de produzir mas cada locutor vinha com um tipo de música, pop rock, sertanejo, popular, gauchesco, etc.

Digo isso porque eu tenho uma tendência a ouvir o que os outros estão ouvindo. E acho que o pessoal de rádio, por exemplo, é aquele tipo de gente que ta tão acostumada com montar playlist disso e daquilo, apresentar de repente rádio popular e, mais tarde, FM jovem e vice versa que, exceto entre quatro paredes, eles estão acostumados com todo tipo de música. Acho que você perde os preconceitos quando trabalha em rádio musical. Um dia, monta uma seleção gauchesca, no outro, de sertanejo pop anos 80 e 90, no outro uma seleção rock. Essa é uma boa pargunta para fazer para todo locutor de rádio. Acho que em praças como o Rio de Janeiro, essa dança das cadeiras (do AM para o FM e de um segmento para outro) é algo comum. Então, a pessoa com o tempo perde essa barreira de gosto de “eu só gosto disso e é eu e meu gosto contra o mundo”. De tanta seleção que eu tive que fazer, rock gaúcho, sertanejo, MPB, na Educadora (fora o que os locutores estudantes levavam de casa para tocar), acho que você é direcionado a isso. De repente, a última coisa que eu queria ouvir na operação era o que eu gostava. E lembro de histórias, como um locutor que sempre montava a sua seleção, sempre com rock, coisas que não eram a minha praia na época ou que, ali pior 1994, estavam fora de moda. Por exemplo, Oingo Boingo, que ele tocava. Era uma coisa tipo, que tinha ficado nas discotecas dos anos 1980. Ou TNT: não havia nada mais démodé em 94 do que rock gaúcho dos anos 1980. Claro, hoje isso tudo voltou. Mas, naquela época, era tipo andar na rua com camisdeta da Ocean Pacific ou Lightining Bolt. Era fora de moda.

O que não saia de moda era música regionalista. Havia uma locutora que tinha um programete que era tipo dicas de cultura do campo, frutas do mês, aquela coisa meio Almanaque Correio do Povo. E a trilha musical era obviamente o Herb Alpert. A seleção era sempre gauchesco. A única coisa que a gente era proibido de tocar era o “Tango do Meretrício”, do João de Almeida Neto. Era a única “censura”. Havia o CD lá, a gente morria de rir ouvindo mas ficava só nas brincadeiras com as gravações. Tinha na discoteca um promo dos Engenheiros, “Somos quem podemos ser”. Eu usava ele para os treinamentos com os locutores. E, da mesa, havia uma janela com vista para o Morro da Embratel. Então, hoje, sempre que eu ouço essa música aleatoriamente eu me lembro daqueles tempos do Estágio 1340. A gente da operação praticava pela tarde – quem quisesse ficar para aprender, ficava, como era o meu caso. E, à noite, das seis em diante, eram as gravações, geralmente terças e quartas.

Depois, muito depois, que eu pude saber da história da Tijuana Brass. O Herb Alpert, que era compositor e produtor, havia trabalhado com várias pessoas, o Sam Cooke, por exemplo, um dia inventou de fazer uma banda pop que emulasse o som de regionais de mariachi, mais ou menos na visão ligeiramente colonizada do que eram os grupos de mariachi para os americanos e para americano ouvir. Só que a tal Tijuana Brass era, na verdade, uma invenção do Alpert, que fez algo parecido com o que existia aqui no Brasil com os Velhinhos Transviados, que eram músicos de estúdio que faziam versões de músicas de sucesso em formato álbum, num pop, e que virou uma moda em reuniões-dançantes. A Tijuana Brass era para ser um grupo de estúdio, como os nossos Velhinhos. O problema foi que o sucesso foi tão grande que eles foram obrigados a montar um regional e excusionar pelo mundo como banda de verdade. Aqui, no Brasil, calhou de ser um tipo de tendência de música para discotecas que trabalhavam com som mecânico, algo que estava se transformando em mania nos anos 60. A própria idéia hoje parece uma fraude, algo como forçado. Mas é importante salientar que, entre o final dos anos 50 e começo dos 60, a música instrumental vendia muito e maestros como Bert Kampfert, Acker Bilk ou Ray Conniff chegavam ao topo das paradas com música instrumental. Enfim, foi uma época em que música instrumental possuía um apelo comercial irresistível, algo que hoje é impossível de imaginar.

Para as cortinas dos programas, a gente usava aquela coletânea do Herb Alpert  com ele de chapéu na capa. Aquele disco a gente deveria ter passado ele para cartucheiras. Ele era muito utilizado para trilhas, que eram preparadas nas picapes, e esse uso contínuo detonava o disco. Tanto que a faixa mais utilizada, “A Taste of Honey”, chispava no momento daquela marcação do bumbo quando vem a escalada da bateria e entra o trumpete, era ali que entrava a faixa e depois ia à BG (ficava de fundo). Outro que era muito hipersuperutilizado era o “Milonga para as Missões”, do Renato Borghetti. De tanto uso, aqueles elepês estavam em petição de miséria. Antes do ponto que a trilha era  usada, o disco chiava inapelavalmente, tamanha a quantidade de usos. E tanto que alguém na rádio teve que comprar outra cópia num sebo. Depois eu achei alguns discos da Tijuana Brass originais, selo Fermata, inclusive o Going Places, que tem “Mae”, a faixa do Clube dos Namorados da Itaí – e que foi trilha de tantos outros programas de rádio por aí até hoje.

Lembro de uma histórias engraçadas. Tipo um senhor que apareceu para o curso de locução. Ele tinha boa pinta e uma baita voz, você ouvia ele no microfone e era locutor. Só que ele tinha um problema: o cara simplesmente não conseguia pronunciar nada em inglês, nem na embromação, se embarafustava na hora de falar "Someday We'll Gonna Met Again". No fim, ele acabou rodando. E outro, um locutor que fazia um programa de música sertaneja tipo Farroupilha, "fulano dedica para beltrana", aí um dia ele encheu o saco. Disse que não gostava de sertanejo e que aquilo o noso produtor é que havia imposto o estilo para ele. E depois disse que era afimzão da diretor-geral do curso, eu achei engraçado ele confessar isso pra mim. No fim, ele também não terminou o curso. 

Nem parece que eu estou falando de mais de duas décadas atrás. Depois eu me desliguei do pessoal da Educadora e a Fundação perdeu o castelinho, perderam a concessão da 1340, que voltou para a RBS, que hoje transmite a CBN porém fazendo de tudo para que ela não interfira na supermacia da sua coirmã, Gaúcha. A própria Educadora como rádio fechou: ficava numa casa, que existe até hoje (onde atualmente funciona uma geriatria) na rua Bastian, quase na esquina da Praia de Belas. Uma pena.  


  


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