Cartaz do documentário |
Assisti finalmente esses dias ao documentário Echo
In The Canyon, que conta a história de uma cena musical que aconteceu na Costa
Leste dos estados Unidos, mais precisamente em Los Angeles, durante os anos 60.
Dirigido por Andrew Slater, e produzido e apresentado por Jackob Dylan, o
filme, que está no site Netflix, me lembrou outro documentário, mais ou menos
no mesmo estilo, o Wrecking Crew, produzido pelo Denny Tedesco, filho do Tommy
Tedesco, que integrou o grupo de músicos baseado na capital da California, e
que conta a trajetória desses homens e mulheres que, trabalhando nos bastidores da indústria
musical norte-americana, foram responsáveis por tocar e arranjar talvez a
melhor parte se não do pop rock ianque da época, pelo menos o melhor da música
de cinema e dos grandes clássicos do que se chamou o ‘California Sound’.
Se o documentário de Tedesco fala dos músicos que,
mesmo que de maneira informal, estavam na medula dos grandes sucessos do pop
dos anos 1960, o de Slater, de forma dialógica, conta a outra parte da
história, inclusive contando com depoimentos de fontes em comum, como Lou
Adler, Brian Wilson e Roger McGinn.
O que eles têm em comum é que, sob o impacto da
Invasão britânica, o mercado da música estadunidense mudou de forma a moldar-se
a um outro tipo de padrão de entretenimento e de produção e consumo de músicas.
Ao mesmo tempo, a indústria musical se desloca da Costa Oeste (concentrados na
Broadway e o chamado Brill Bulding, uma continuação do Tim Pan Alley) para a
Califórnia. A cena musical, a partir de 1965, se concentrará em Los Angeles e
arredores.
Um exemplo de como essa cena mudou está no
depoimento de Michelle Phillips: tanto ela quando Mama Cass e John Sabastian
(e outros) até 64 estavam disputando um espaço em Nova Iorque, à moda dos
músicos folk que tentavam carreira nos bares do Village. O fato é que o
fenômeno da Beatlemania alteraria totalmente os padrões: Cass e Phillips, que tocavam em grupos folk como os
Mugwumps, mudaram para o rock. Parte da turma (com Zal Yanovsky) iria formar o
Lovin’ Spoonful – uma versão pop rock de uma jugband enquanto Michelle e Mama
(com Donny Doherty) iria formar o The Mamas and the Papas (como eles contam de
forma bem-humorada na canção “Creek Alley”).
Da mesma forma, garotos como McGinn e David Crosby,
que tentavam a sorte como um duo folk no Village, sob o impacto dos Beatles,
resolvem virar uma banda de rock. Curioso notar como a ideia de um conjunto de
rock compondo suas próprias canções e tocando seus próprios instrumentos era
uma concepção que jamais passaria pela cabeça dos tubarões da indústria
fonográfica, embora o pessoal do folk, à moda de Bob Dylan, estavam criando
suas próprias músicas. Talvez seja por isso que o mercado da Costa Leste fosse
refratário a essas mudanças (eles ainda pensavam em termos de neil sedakas e Frank
avalons, e o verdadeiro lugar ao sol dessa nova cena musical seria, com efeito,
a ensolarada Costa Oeste. Até Barry McGuire se deu conta, depois de tanto
tempo, que seu lugar não Village.
Aliás, sintomático pensar que ele foi o primeiro a
gravar ‘California Dreamin’. Composta por John Phillips, e gravada com uma
banda formada pelo pessoal do Wrecking Crew, a música é interessante por ser
uma espécie de prospecto do que era o ‘California Sound’. Um pop ensolarado,
com vocais bastante trabalhados em estúdio, como nos discos dos Beach Boys que,
por sua vez, com Jan e Dean (e os Beau Brummels, em San Francisco) como os
pioneiros desse subgênero.
‘California Dreamin’’se tornaria a canção de
apresentação dos Mamas, um retrato de um grupo de jovens que descobriu que a
terra prometida era a sua própria terra (o retorno e as novas boas vindas
depois de meses em Nova Iorque) e ao mesmo tempo, nas entrelinhas, uma música
de protesto contra a convocação obrigatória para a Guerra do Vietnã (“You know
the preacher likes the cold/He knows I’m gonna stay”). O movimento para o Oeste era
tão lógico que até mesmo o famoso DJ televisivo Dick Clark, a partir de 1965,
passou a transmitir seu programa a
partir de Los Angeles.
Clark, que era um genial expedicionário do pop, e sabia do seu
papel como agente divulgador das novas tendências do rock, fez a escolha certa
ao perceber de onde o vento soprava:
logo, ele deixava os do wops dos tempos do Brill Buliding para
apresentar as novidades da cena musical do oeste: Doors, Buffalo Springfield,
Byrds, Jefferson Airplane, Association, Turtles, etc.
A própria história Buffalo Springfield, que aparece
no documentário Echo In The Canyon, tem muito da formação dessa cena musical e
do êxodo de jovens músicos para a California. Depois de tentarem a sorte no
Meio Oeste e em Nova Iorque, Neil Young foi encontrar Stephen Stills nas ruas
de L.A depois que este perdeu a chance de tornar-se um dos Monkees em favor de
Peter Tork.
Curiosamente, Tork, morto em 2019, seria um dos grandes anfitriões de artistas alienígenas em sua casa em Laurel Canyon. O bairro, outrora uma reserva indígena, nos anos 60 se transformaria na Meca dos artistas de Hollywood e, mais precisamente, a base de operações desses garotos que, em pouco tempo (e por um breve período) seriam a tropa de frente do que melhor se faria em termos de pop nos Estados Unidos. Ao mesmo tempo, eles formariam um grupo coeso que, a despeito de pequenas questiúnculas competitivas (Byrds X Bufallo Springfield), andariam juntos durante o final daquela década. Mais do que isso: eles formariam a base (junto com Adler e outros) que, a partir de experiências anteriores em festivais de música, iriam conceber o Festival de Monterey. ocorrido em meados de 1967, no auge do movimento flower-power, o certame (não competitivo) seria uma das grandes efemérides da década, e que estaria para sempre vinculado ao imaginário da contracultura dos anos 60.
Curiosamente, Tork, morto em 2019, seria um dos grandes anfitriões de artistas alienígenas em sua casa em Laurel Canyon. O bairro, outrora uma reserva indígena, nos anos 60 se transformaria na Meca dos artistas de Hollywood e, mais precisamente, a base de operações desses garotos que, em pouco tempo (e por um breve período) seriam a tropa de frente do que melhor se faria em termos de pop nos Estados Unidos. Ao mesmo tempo, eles formariam um grupo coeso que, a despeito de pequenas questiúnculas competitivas (Byrds X Bufallo Springfield), andariam juntos durante o final daquela década. Mais do que isso: eles formariam a base (junto com Adler e outros) que, a partir de experiências anteriores em festivais de música, iriam conceber o Festival de Monterey. ocorrido em meados de 1967, no auge do movimento flower-power, o certame (não competitivo) seria uma das grandes efemérides da década, e que estaria para sempre vinculado ao imaginário da contracultura dos anos 60.
Imaginário talvez seja a palavra certa para explicar
o que foi esse “movimento” baseado na música produzida na Califorinia naqueles
tempos e que entronizou o ‘California Sound’. Talvez o mérito de ‘Echo In the
Canyon’ resida justamente em fazer um rescaldo do legado daquela música. Para
tanto, Jakob Dylan serve como elemento aglutinador que, ao mesmo tempo, faz a
ponte com artistas sessentistas, com a primeira geração posterior (Tom Petty,
com aparece com Jakob logo no começo do documentário tocando a Rickenbaker 12
cordas de Roger McGinn) e a geração atual (Fiona Apple, Beck, Norah Jones). Durante o documentário, a ‘ala jovem’ se reúne
e discute as canções e os discos que a turma da ‘California Sound’ legou, do If
You Believe In Your Eyes and Ears, primeiro disco do Mamas and the Papas, o Pet
Sounds (praticamente uma parceria entre os Beach Boys e o Wrecking Crew).
Olhando em retrospectiva, é curioso recordar de
depoimentos como os de Carol Kaye e Hal Blaine (do Crew) no sentido de que,
como músicos comissionados, eles não se preocupavam em destacar seus nomes nos
créditos dos álbuns ou sequer cogitavam que aquilo que eles fizessem tivesse
excelência o suficiente para se perpetuarem como produto estético. É importante
lembrar que estamos falando de discos que foram lançados, em sua maioria, há
mais de meio século. Mesmo assim, ainda no formato vinil (como aparecem no
documentário, um clima de saborosa nostalgia), aquela música, como boa parte do
melhor que se fez naqueles anos, parece não ter envelhecido, ou melhor, envelheceu
da melhor forma possível.
E, mais do que isso, mostra que, depois de décadas e
décadas e após tantas mudanças de gêneros e de tendências na história do pop,
aquelas canções cabem de forma perfeita nas vozes de artistas de hoje. Acho que
esse é o grande mérito de ‘Echo In the Canyon’; mais do que nostalgia, é a demonstração de uma produção artística que
passa incólume ao teste do tempo. Se não, basta escutar a trilha do documentário.
Ao mesmo tempo em que os covers nos aparecem nas vozes de Norah, Dylan e
outros, elas aparecem frescas, como se tivessem sido compostas agora. E, da
mesma forma, é incrível perceber o olhar da escolha das canções. Todas elas têm
uma história dentro do ‘California Sound’. Desde a versão de “Goin’ Back”, que
os Byrds gravaram no Notorious Byrd Brothers (para muitos o melhor trabalho do quinteto) até o duo entre Norah e Jakob em “Never My Love”, do Association, um dos
momentos mais bonitos de ‘Echo In the Canyon’. Isso sem falar de outros covers,
uns inusitados, como “You Showed Me”, uma canção pouco conhecida do começo da
carreira dos Byrds, até “Questions”, do último álbum do Bufallo Springfield.
‘Echo In the Canyon’ não é um documentário meticuloso
à moda Ken Burns; ao contrário, é ligeiramente superficial e conta muita coisa
que a maioria das pessoas (aqui não, mas lá com certeza) conhecem já de longa
data. No entanto, o seu grande valor reside em dar voz justamente aos
protagonistas do que foi esse movimento que não foi um movimento propriamente
dito, mas que representou um importante momento na história do pop
contemporâneo.
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