Capa do primeiro disco, de 1970, relançado em vinil |
A Polysom
está lançando este mês o primeiro disco do Som Imaginário (1970) em vinil, conjunto que,
de certa maneira, foi o braço roqueiro do Clube da Esquina, que é, ao mesmo
tempo, uma espécie de movimento (cuja importância, impacto e influências não
saberiam nesse mísero post) , banda-rio e nome de álbum clássico, como se sabe.
O selo já havia mostrado a sua importância no sentido de resgate de álbuns clássicos
dos anos 1970, como foi o caso do Peabiru (Lula Côrtes e Zé Ramalho,que
comentei no último post do ano passado aqui), trabalhos estes que tiveram pouca
divulgação na época, e não sobreviveram à sua respectiva geração, já que não tiveram
reprensagens e foram sumariamente esquecidos ao longo dos anos 1980 e 90, até o
advento da Internet.
A questão é
que se o Clube da Esquina dispensa maiores apresentações, o Som Imaginário, hoje
redescoberto em fonogramas remasterizados e dispostos na Internet, além de
imagens em vídeo que podem ser encontradas no Youtube, representou um grande
momento na história do rock progressivo e da MPB na época. A bibliografia do
gênero rock,por exemplo, passou a ser revisitada a partir de trabalhos como o
de Arthur Dapieve,como o BRock, a partir do final dos anos 1990, repassando a
década anterior. No entanto, havia muito a ser feito, no tocante ao que foi ser
chamado de Brazilian Nuggets. Pegando emprestado o nome da famosa coletânea da
Elektra (que recuperou o lado B do rock norte-americano embandas que lançaram, em sua maioria, singles mas que, mesmo assim, chegaram,em muitos casos a fazer sucesso embora a maioria delas fosse e seja obscura ao grande público), essa arqueologia musical redescobriu verdadeiras gemas em vinil do rock dos 70
e que estavam sumariamente esquecidas. Num primeiro momento, esse material foi
compilado à moda do álbum duplo norte-americano.
Num segundo momento, com o
revival do vinil e de um interesse cada vez maior por parte de audiófilos e fãs
da época, esses trabalhos passaram a ser relançados em álbuns originais.
Cabe
ressaltar que muitos dos artistas que lançaram
canções entre o final dos anos 1960 e seguinte não passaram de compactos,
em geral meros “pau-de-sebo”.
O primeiro
disco do Som Imaginário, banda formada por Zé Rodrix, Wagner Tiso, Fredera, Tavito e outros (como Robertinho Silva e Luiz Alves que, junto com Tiso, bancaram a derradeira viagem do Som, o Matança do Porco, talvez o mais "Clube" dos três, dada a influência de Mílton Nascimento num dos vocais e Wagner nas composições), mostra
que esses trabalhos provam o Brasil, mesmo na contramão do que se fazia lá
fora, conseguia dar a luz a uma produção que, correndo por fora do que era
divulgado na grande mídia, em geral músicas que passavam pelo esquema das coletâneas
de novelas da Globo, estava ligada com a
música de fora.
Com o tempo,
essas redescobertas fizeram com que a história do rock brasileiro, tão
incensada no período dos anos 1980, quando finalmente ganharam visibilidade e
espaço na mídia, sendo coroados pelo Rock In Rio, primeiro momento em que o
rock internacional mostrou de fato as caras nos nossos palcos e as gravadoras,
já unidas com as rádios em FM, descobriram um vasto mercado jovem para conquistar - coisa que parecia impensável dez anos antes do festival de 1985.
O grande
problema é que a historiografia e a
dificuldade de acesso à fontes fez com que se encapsulasse o rock oitentista
como se fosse um Século de Péricles, formado por luminares que tiraram um rock
de excelência da cartola, como um mágico. E o associasse à Jovem Guarda, como se
os anos 1970 fosse um interregno marcado por pouca produção no gênero, com
exceção de nomes como Raul Seixas e Rita Lee, além dos Mutantes e secos e
Molhados. E, é claro, O Terço.
Lembro que,
no final dos anos 1990, a Bizz passou a publicar matérias assinadas por
Fernando Rosa, o Senhor F por trás das redescobertas dos Nuggets brasileiros.
As matérias mostravam trabalhos de bandas nas quais muitos de nós mal tínhamos
ouvido falar, como Impacto Cinco, A Bolha, Matuskela, Pão Com Manteiga, O
Bando, Baobás, O Som Nosso de Cada Dia, Ave Sangria, entre tantas. O problema era: onde estão os discos? Mesmo
com o surgimento e popularização do CD, nada daquilo seria remasterizado e
lançado. Foi apenas depois da Internet que eu pude, finalmente, ouvir na
íntegra o disco do Bixo da Seda (1976), trabalho do qual eu conhecia apenas uma
faixa, “O Trem”, que saiu num CD especial sobre música de Porto Alegre
(produzido pela secretaria de cultura da cidade), mas, mesmo assim, era pouco.
Enfim, toda aquela gente era muita gente. Gente que não tinha a ver com som de bailes,
não queria saber de covers e, antenado com o que se fazia lá fora, aquém de
imposições de gravadoras como a sisuda CBS, que havia transformado a Jovem Guarda
sessentista num intragável maneirismo brega. E que, como se sebe, era tão
bitolada com relação a ver artistas com autonomia no estúdio (com exceção de
Roberto Carlos), execrou o soul de Tim Maia ainda no começo e deu um carão na audácia de Raul Sexas em
produzir e lançar sensacionalmente rejeitado Sessão da 10.
Isso mostrava o quanto as gravadoras daqui estavam longe do rock
internacional, sabendo que aqui esse tipo de som serviria para poucos, e que, na sua visão, fatalmente encalharia - principalmente se não tocasse no rádio, na novela ou no Globo de Ouro.
Ou seja, se o rock foi
underground nos anos 1970, isso se deu a vários fatores, de mercado, de falta
de visão por parte dos selos, etc.
Mas isso não
quer dizer que gravadoras brasileiras não tivessem, em alguns momento, como
podemos ver, não tivessem apostado nesses conjuntos. O que aconteceu foi uma
grande falta de um circuito cultural com grossas correias, emissoras de rádio
(o FM só entraria com força em 1977) que catapultassem isso (basta lembrar que
donos de emissoras viam com muita resistência e desinteresses trabalhos que saíssem
do grande esquema) de forma a que chegasse ao grande público, e uma imprensa de
segmento jovem ou mesmo a grande mídia, que servisse como agente de consagração
desses músicos que, como representantes do rock brasileiro daquela época,
formaram , embora dispersos, uma resistência cultural muito importante e que
está sendo redescoberta cada vez mais hoje.
E, que, na minha pobre opinião, mereceriam um livro
à altura do BRock, mas com mais detalhes. Lançamentos como o 1973: o Ano que
mudou a MPB (Célio Albuquerque) e o
Pavões Misteriosos (André Barcinski), além de inúmeros documentários, teses e dissertações, por si só,
mostram que assuntos não faltam.
O Som Imaginário era uma banda curiosa: ligados com Nonato Buzar, Wagner Tiso, eles nascem de uma costela da turma da Pilantragem, e que, na época dos festivais, uniram-se aos projetos dos mineiros, fundindo música internacional e brasileira. Acho que, guardadas as proporções devidas, daria para fazer paralelos com o King Crimson, pelo ecletismo de suas visões musicais e com os MGs da Stax, pelo fato de que eles foram a banda de apoio de muita gente, além,é claro dos trabalhos de Milton Nascimento e do Clube da Esquina, contudo sem deixar de ser um grupo autônomo.
O Som Imaginário era uma banda curiosa: ligados com Nonato Buzar, Wagner Tiso, eles nascem de uma costela da turma da Pilantragem, e que, na época dos festivais, uniram-se aos projetos dos mineiros, fundindo música internacional e brasileira. Acho que, guardadas as proporções devidas, daria para fazer paralelos com o King Crimson, pelo ecletismo de suas visões musicais e com os MGs da Stax, pelo fato de que eles foram a banda de apoio de muita gente, além,é claro dos trabalhos de Milton Nascimento e do Clube da Esquina, contudo sem deixar de ser um grupo autônomo.
Os discos do
Som Imaginário chegaram no entanto a sair no estrangeiro, embora em edição
limitada. E, como se pode imaginar, esses lançamentos de clássicos da Polysom se
prestam mais à audiófilos modernos e antigos, mas que têm relação com o vinil,
coisa que ainda encontra muitos adeptos, mas é hoje, na minha opinião, uma
mídia do passado e que não tem a força massiva do streaming. Mas serve para
mostrar tanto que trabalhos como o da série "clássicos" da Polysom mostram bandas com o Som
Imaginário em seu formato original, de um tempo – que durou do começo dos anos
1950 até o final dos anos 1990, e que foi o formato que permitiu que gerações de artistas
produzissem uma tipo de música singular. O rock progressivo, o psicodélico,
suas capas e sua estética, nasceram e foram tributários desse meio. Mais do que
mero fetiche ou passadismo, é importante lembrar que álbuns como os três
grandes trabalhos do Som jamais teriam sido feitos como foram se não fosse numa
época, num lugar e sob a égide do vinil. Uma época que não vou dizer que foi melhor
ou pior, mas que um tipo de música que, como num sonho, num dia, floresceu nela e que agora retorna ao grande público.
Para quem não ouviu, dá para achar o disco na rede, seja em mp3 ou até mesmo uma parte dele no Youtube (embora com duas faixas cortadas). Destaques para "Nepal", "Hey Man" e, naturalmente, a versão original de "Feira Moderna", com Zé Rodrix nos vocais, canção que participou do FIC da Globo e que, oito anos depois, seria revisitada por Beto Guedes, na versão que você já deve estar lembrando cantarolando agora enquanto lê essa última linha que eu escrevo.
Para quem não ouviu, dá para achar o disco na rede, seja em mp3 ou até mesmo uma parte dele no Youtube (embora com duas faixas cortadas). Destaques para "Nepal", "Hey Man" e, naturalmente, a versão original de "Feira Moderna", com Zé Rodrix nos vocais, canção que participou do FIC da Globo e que, oito anos depois, seria revisitada por Beto Guedes, na versão que você já deve estar lembrando cantarolando agora enquanto lê essa última linha que eu escrevo.
No comments:
Post a Comment