Tuesday, May 09, 2017

Entrevista com

Gostaria de retornar em alguma forma, de ser resgatado do pó? O senhor não tem, em outras palavras, desejo de imortalidade?

Nasci na Beneficiência Portuguesa. Aliás, estive ali outro dia. Acho engraçado essas coisas. A gente vai ficando velho e vai se desligando do presente, e vai se perdendo num passado que, às vezes, nunca existiu. Minha vó conta que minha mãe teve uma série hemorragia depois do meu parto, ela sangrou até a morte, o sangue escorria pela cama, lençóis, roupas, escorria pela escada, por tudo, até que ela se deu conta e chamou as enfermeiras. Foram acordar o dr. Tiago, e ele chegou, ela estava praticamente morta. ela sobreviveu para contar a história. sempre que eu passo ali eu imagino que eu nasci numa madrugada, num espasmo de sangue, numa pororoca de morte.

Bernard Shaw sustenta que vivemos muito pouco, disse eu. Ele acha que o homem pode prolongar a vida se assim desejar, levando sua vontade a atuar sobre as forças da evolução.


Eu acho que sou de esquerda. Mas não sou praticamente. Eu lembro de uma época em que política era algo meio subestimado. parecia mais coisa de politiburo, de diretório, de grêmio acadêmico. Vivia uma época na minha graduação em que discutir política era algo que não existia. Era coisa de gente desbundada. Confesso que tinha total desprezo pela matéria. é aquela coisa, a gente quer só festa na graduação, não quer aprender nada. Nada! Aquele atestado de não quis mudar o mundo. Quem é que queria naquela época? Política era coisa de velho, de político mesmo. Essa era o pensamento da época. Quando voejo as pessoas protestando hoje, me sinto um anacrônico. Minha época de protestar passou. mas eu acredito que meus filhos, se um dia eu os terei, eles viverão sob o socialismo. Mas na verdade, eu sou um capitalista lúmpen. O capitalismo me deu tudo: iates, mansões, estabilidade e um bangalô na Jamaica.

Loira ou morena?


Bem eu acho que todo mundo um dia vai morrer. Outro dia passei no jazigo da minha família. E um belo jazigo. Estava bastante florido e haviam colocado mais fotos. E estranho quando as pessoas que você conviveu estão hoje morando lá. às vezes eu acho que a gente não morre. A gente vai para um asilo em algum lugar. Sei que elas estão lá, em algum lugar, provavelmente vivendo melhor do que aqui. É como um parente seu que está internado em algum lugar, mas você não vai visitá-lo. Mas sente que ele está bem. Isso me lembrou de uma tia quando morreu. Ele teve uma vida ingrata. Um dia, tempos depois, eu sonhei com ela. eu estava em algum lugar como naquelas casas tipo, sei lá, tipo Ailsa Avenue, Twickenham, estilo londrino. E ela me atendeu, parecia feliz. Então eu cheguei a conclusão que ela estava viva e bem, porém distante. Como meus avós, sinto falta de falar com eles. Eram pessoas boas de se conviver. é difícil encontrar pessoas assim. Acho que a pior morte é a solidão total.

Gosta de sertanejo universitário?

Acho que a gente está em plena distopia. Não vou usar aquela palavra, mas a verdade é que é o começo do fim. A vida dá voltas e a gente chegou na Tirania dos Trinta.

Você é cínico ou crê no amor?

Tive uma infância comum. Porém morei em tanto lugar que não tenho raízes, nem sotaque. Na verdade, eu sou como um judeu errante. Acho que é algum atavismo, algo ligado à minha ascendência, é maior do que eu. Acho que é maldição, só os oráculos poderiam dizer. Mas não tenho saudades de nada. Só tenho saudades do futuro.

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