Thursday, May 11, 2017

Crusoé

Para LFV



Ninguém acreditou quando, numa última sexta-feira de janeiro, descobriram eu sujeito que parecia o Robinson Crusoé na região mais inóspita da Amazônia. Convivendo com índios Awás, ele era do extremo sul do Brasil e havia desaparecido há mais de um ano. Quand oo encontraram, ele estava perfeitamente integrado à região. Tanto que, quando tentavam dar-lhe alimentação adequada, ele não conseguia comer: estava acostumado a insetos e à água dos rios.

Também havia desaprendido ao falar — não se sabe por algum tipo de trauma ou simplesmente por conta do contato com os aborígenes. Palo que me contaram, tiveram que fazer ele reaprender o português.

— Sumarã! sumarã! dizia o homem, vendo os expedicionários e médicos.

Decorridos algumas semanas, o bom selvagem acaba voltando a tornar-se uma pessoa (vamos dizer assim) civilizada. Primeiro, passam máquina zero naquela melena de Tiradentes. Depois, fazxem a barba de bandeirante. A partir de um mês, já consegue comer cozido. Mas o grande momento foi quando, recuperado do trauma, ele volta a falar fluentemente. Então, diz qual é seu nome:

- Vicente.

A melhora é visível. Aos poucos, o homem começa a contar da sua vida até de onde havia um grande hiato que, por sinal, o impedia de explicar a sua desdita. Disse que estava no meio da mata, procurando Ayahuasca. Lembra-se, no entanto, que o problema começou quando ele brigou com o guia e resolveu seguir por conta própria, confiando apena sem mapas que havia pesquisado por conta (todos com efeito associaram o teu trauma (ou "trauma") ao uso da dita beberragem, o que seria uma hipótese mais do que plausível.

Contou que levara um rádio de onda curta, e que captava emissoras de todo o mundo, inclusive de sua terra. Na verdade, teve um celular roubado por um felá, e foi obrigado a virar-se um um Transglobe que mal cabia na bagagem. Até que a eneriga das pilhas acabaram, e ele perdeu todo o contato com o resto do mundo. Fornando um pouco mais a memória, chega a lembrar-se de cerimoniais de iniciação ao Daime e que havia cogitado trazer a Ayahuasca de contrabando.

Em alguns momentos, porém, a saúde deve parecia declinar. Acharam que a recordação desses episódios pudessem retardar a recuperação. Assim, resolveram deixá-lo em repouso, evitando que tentasse recordar de alguma coisa.

Contudo, depois de ficar uma manhã inteira em silêncio, na hora da sopa, ele interpelou ao perplexo auxiliar de enfermagem:

- Quando eu desapareci, lembro que o Inter de Porto Alegre estava liderando o Brasileirão. O Inter foi campeão?

Perplexo, entes de responder qualquer coisa, ele chama os médicos. E fala da pergunta. Eis que, entreolhando-se eles entram no quarto. ele refaz as perguntas. Todos ficam sérios. Um deles responde, feliz.

- Ah, o Inter? Foi campeão.

- É mesmo? - responde o homem. - Puxa!

O tratamento continuava. Sempre que aparecia alguém novo no hospital, diziam para confirmar que o Inter foi campeão em 2017.

Alguém comentou:

- Vocês estão todos malucos? Ele vai descobrir a verdade, mais cedo ou mais tarde.

- E, mas agora, pelo visto, a verdade pode ser traumatizante. Por isso, é melhor não correr o risco.

Não deu outra. Vicente acabou ficando tão empolgado com a história do Inter que, sempre que aparecia alguém, eles inventavam as mais mirabolantes histórias. Gols imaginários, comemorações, estádio lotado nas últimas rodadas, etc. Uma auxiliar fica com medo de entrar na potoca. Serve nosso herói naturalmente. Quando vai vai sair do quarto, retirando a refeição, ele dispara:

- Quando foi o último jogo?

Sem saída, resolve chutar:

- Hã, acho que fo-foi empate com o Atlético Mineiro...

- Ué, mas eu lembro que a tabela dizia que a última rodada era com o Fluminense.

- Bom — arremeta a moça — qualquer coisa, eu vou confirmar com o plantonista...

Crusoé ficou com uma pula atrás da orelha. Afinal, ele ali conhece o próprio time mais do que ninguém. E se eles estivessem faltando com a verdade? Passa um filma na sua cabeça. E se não aconteceu justamente o contrário, e eles o estivessem mentindo por piedade?


- Acho que ele descobriu — suspirou um médico.

A auxiliar de enfermagem arrancava os cabelos:

- A culpa foi minha, a culpa foi minha!!

- Acontece — disse o segundo médico.

- E agora, e se ele piorar? — quis saber o terceiro médico.

- Vamos ver.... — murmurou o quarto médico.

Todos entraram no quarto do paciente. Crusoé parece arrasado. Abate-se sobre ele uma tristeza temporã, e que todos os torcedores do seu clube já haviam, de certa forma, elaborado. Ele iria ter que conviver com isso mas, dada a sua condição, quem sabe se conseguirá resistir?

- Bom, enfim — falou o doente. — De nada ficarmos rememorando o Brasileirão. Não irei mais encher o saco de vocês sobre esse assunto. — E como foi o Campeonato Gaúcho deste ano?

Desesperado, um dos médicos, fora do alcance de Crusoé, agitava os braços com uma planilha enquanto tentava ser ouvindo pela leitura labial e os olhos esbugalhados:

- Não falem do Gauchão! Não falem do Gaúchão!







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