Saturday, May 27, 2017

O Criador e a Criatura


Capa do relançamento do Pepper's

Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band, dos Beatles, chega aos 50 anos e, como não podia deixar de ser, com relançamento comemorativo e muitos comentários a respeito do álbum que é considerado um dos melhores discos de rock de todos os tempos.

Acho que não há praticamente mais nada a ser escrito a respeito do oitavo trabalho do grupo. Sobre ele, já escreveram-se milhares de artigos, dezenas de documentários e livros. O relançamento em caixa especial, por exemplo, vem com sobras de estúdio e toda a sorte de memorabilia a respeito, desde estojo em formato de bumbo até o fac-símile do famoso cartas do Mr. Kite.

Porém, ao invés de me somar à tudo o que já foi dito de positivo, prefiro debruçar-me sobre a versão dos oponentes do trabalho. Não pode questão de gosto, já que, com relação ao meu próprio, de fato, ele é ambíguo quanto ao álbum. Claro que sempre me entusiasma ouvir e reouvir o disco, porém tenho um interesse (mórbido?) em avaliar as opiniões em contrário ao mito do Pepper's.

Por exemplo, ao passo de que um musicólogo, John Covack, o define como "proto-progressivo". Por outro lado, Billy Childish, artista plástico, músico e queridinho de Kurt Cobain e Jack White considera o Pepper's "a morte do rock'n roll. Porém, antes de um ardoroso fã dos Beatles não se contenha e esteja a dois passos de meter a mão na cara dele, não deixa de ser sintomático que um dos primeiros críticos do disco foi John Lennon.

Aliás, isso deixou George Martin magoado por muito tempo. John falou mais ou menos o que poderíamos entender como morte do rock: que, pegando o mote de Covack sobre o Pepper's como precursor do progressivo, em entrevistas após a saída dos Beatles, Lennon dizia que o trabalho não era rock. Mesmo que eles tivessem sido pioneiros da aplicação de tecnologias como o Adicional Double Tracking (ADT) que, mais tarde, seria a doença fácil da própria era do progressivo — e John estivesse largamente engajado nesse processo, ele passou a renegar o Pepper's, como se ele fosse uma espécie de fraude feita por toneladas de overdubs e pós-produção.

O curioso é que, recentemente, o guitarrista dos Stones, Keith Richards, dourou a mesma pílula de Childish, chamando o álbum de 'rubbish'. Óbvio que isso atraiu a fúria de beatlemaníacos (principalmente os que detestam os Stones) e, com efeito, muitos morderam a isca de Keith que, como nós o conhecemos bem, é um sincero bravateiro. Críticas à Richards passaram na conta do divertido e malfadado Theuir Satanic Majesties Request que, por si só, desqualificaria qualquer opinião dos Stones contra o disco.

Fato é que Keith também detestava Their Satanic. Hoje, provavelmente nenhum stone goste desse disco (embora fãs, como nós, sempre achemos que somos as respectivas únicas pessoas que gostam dele). Todos foram na voga do flower power. Mas, passada a moda, todos sentiram saudades do rock.

Por mais perplexidade que a produção de Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band tenha causado nos últimos 50 anos, esse tipo de crítica — pegando o mote do progressivo e da "morte do rock", a verdade é que, se formos pensar, no começo, assim como no jazz, tudo era ao vivo. Tudo era essencialmente acústico. Nem que você tivesse que achar alguém na rua só para entrar no estúdio só para tocar o pandeiro, o corte todo era ao vivo. Quer dizer, o culpado não é o Sgt. Pepper's; vamos dizer que a culpa é do overdub.

Foi um salto gigantesco na música poder mostrar que era possível fazer avant-garde num disco de rock. Por isso, o álbum dos Beatles é o que é. Mas, pelo que vemos, a crítica se dá no sentido de que, a partir dali, músicos passaram a frequentar também a mesa de gravação, a influenciar cada vez mais a produção dos seus próprios trabalhos, que foram ganhando cada vez mais foros de complexidade, de uma forma nunca antes vista. O problema é que, por conta do ADT e de meses as pistas múltiplas, tudo era uma "fraude". Era uma banda que só existia no estúdio.

Essa foi a opção dos Beatles. Deixaram a arena do rock para ingressar na avant-garde. O Pepper's, nesse sentido, é amplamente proto-progressivo. Tudo o que apareceu, até o mais excrescente, veio da costela do Pepper's. Até que, de fato, ninguém mais aguentava mais progressivo, como se a aventura em questão tivesse ido longe demais (e o próprio Childish era um músico punk, o que explica em parte o ódio aos Beatles). Como se todo o perfeccionismo e a magalomania sinfônica do progressivo fosse culpa do Pepper's. De fato, é fácil de entender esse rancor. Vamos dizer assim: rock com "tracking" já não é rock, é a traição do rock.

Hoje é difícil ser tão radical: até gravações ao vivo que caem no mercado têm overdubs. A própria indústria da música matou o ao vivo. Se formos radicais, chegaremos à conclusão de que o rock, como diria o falecido Raul Seixas, morreu mesmo nos anos 50, nos tempos do Sam Philips.

Contudo, ao focar sobre a música dos Beatles, nada seria como antes. Muitos críticos entendem, por exemplo, que o Pepper's não é uma evolução mas o contrário. difícil bancar essa. Mas entende-se que, com o White Album, a produção do quarteto foi tornando-se marcante pela auto-paródia pelo ecletismo extremo. E, afinal de contas, o projeto Get Back, por sua vez, parecia mais uma mudança de percurso, onde os Beatles tentavam inutilmente voltar aos tempos do Please Please Me. A gente entende a crítica, pois é difícil criticar tanto o quarteto, quanto a sua produção.

Dizer que houve uma involução nos Beatles é difícil. O rock saiu do palco, adaptou-se á mesa de gravação, abarcou outros estilos musicais e tropicalizou-se, isso é involução? Para os roqueiros bizantinos, é possível. Mas, enfim, o que quero dizer é que, para o bem ou para o mal, é importante entender as razões da crítica, não só nesse caso, mas em todos, tentar entender o que se quer dizer. Talvez realmente haja algo de depurador na crítica, principalmente no caso do Pepepr's (e isso que não quis elencar muitas outras, refutáveis ou não, que foram direcionadas ao álbum), onde existem bilhões de resenhas positivas e estudos sobre. Como diria Nelson Rodrigues, enfim, dando o braço a torcer: a maior apoteose é a vaia.

Eu particularmente, já devo ter escrito dezenas de artigos sobre o Sgt. Pepper's. Não que eu seja rebelde, mas de fato eu realmente não teria nem como acrescentar mais o que eu disse, imagine acrescentar a tudo o que já foi dito.

Quando eles largaram os palcos, escolheram entrar na banda do Sargento Pimenta. Mas criaram um Frankenstein. Como o cientista do livro de Mary Shelley, teriam que suportar o monstrengo pelo fim dos seus dias. John dizia que não gostava do disco, preferia o White Album. Certa vez, em Los Angeles, nos anos 70, Martin reencontrou John num estúdio. Lennon pediu desculpas a George, dizendo que falou aquilo tudo sem pensar. Verdade é que Martin ficou muito magoado com a crítica, que tomou como pessoal. Como no caso do Dr. Victor Frankestein, é difícil para o criador entender a criatura.




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