Friday, December 02, 2016

Emotional Rescue



Se você se lembrar, logo no começo de Keith Richards: Under the Influence, o guitarrista dos Rolling Stones toca "Blue And Lonesome", faixa de (regravada por e quem a notabilizou) Little Walter que dá nome ao novo álbum da banda. No documentário, ele conta como o blues foi o café da manhã do quarteto, destaca a importância cultural da música americana tanto para o mundo quanto para a sua própria formação musical.

Dada a largada, é fácil entender onde está o começo de Blue And Lonesome. se formos olhar em retrospectiva, desde que Mick e Richards começaram a compor, deram-se conta de que não conseguiam sair do pop. Ao mesmo tempo, conseguiram um primeiro lugar nas paradas com um cover de um standard de Willie Dixon, o Barry Gordy Jr do Chicago Blues, "Little Red Rooster".

Lembro quando comprei meu primeiro disco dos Stones, o Big Hits (High Tide And Green Grass) inglês. A última faixa era o Red Rooster. Aquilo me assombrou: até então, era o que mais perto eu havia escutado de blues. Depois é que fui perceber a ousadia deles em transformar um blues rural num single. Era a contramão do sunshine pop que grudava nas paradas inglesas naqueles tempos da Invasão britânica.

O paradoxal nisso é que, ao mesmo tempo em que a banda colocou aquele gênero até então segregado nas principais rádios americanas (a maioria daqueles discos de blues era, até ali, apenas sucessos regionais de rádios idem) no primeiro plano, os Stones como compositores, foram se afastando do gênero que os formara. A partir de 65, pelo menos em estúdio, Jagger e Richards surfaram em várias tendências ao longo do tempo — cultura mod, psicodelia, country-rock, funk, disco, punk, MTV, pop, até o momento em que o paroxismo de experimentações quase provocou a cisão da dupla criativa do grupo.

A reviravolta ocorreria em 95, com o Stripped. três décadas depois, os Stones voltaram ao velho repertório ao mesmo tempo que trocaram as guitarras por violões. Quando já não mais havia necessidade de navegar nas vigas do pop, Jagger e companhia começaram o longo caminho de volta. Depois de tanto Emotional Rescue, e Undercover parecia incrível ouvi-los fazendo um cover de algo como "Little Baby" ou experimentando "Love In Vain" novamente. Aliás, a versão para o clássico do Howlin' Wolf — e consequentemente o Stripped já era uma espécie de prolepse de Blue And Lonesome: e se os Stones fizessem um disco só regravando velhos clássicos esquecidos?

Nas turnês, por conta da demandas dos fãs, as velhas canções reapareciam no set list dos shows. Keith tocou Wild Horses em Copacabana, em 2006 — algo impensável nos anos 70. Em 2015, ele resolveu lançar um álbum de inéditas com os Vinos (o Crosseyed Heart). Richards, alias que, depois de Mick, nos anos 80, resolveu ser cada vez mais autoral, até na hora de mixar as próprias faixas, como aconteceu no Bridges, deixou o seu material solo para o último disco.

Como não haveria nada de novo, pelo que se depreende no resgate emocional de Under the Influence, os Stones decidiram mudar os planos. Ao invés de emplacar algum sucesso, optaram por fazer o que faziam antes de gravar o primeiro disco. Blue And Lonesome impressiona porque é o primeiro disco da carreira do quarteto que é 100% covers. Nem na época em que eles ainda não se arriscaram em compor de verdade, eles haviam feito uma produção totalmente de versões (basta lembrar que o álbum de estreia deles, de 64, tem "Tell Me" e mais duas faixas Nanker-Phledge).

Como Keith fala em Vida, o material autoral deles se distanciava das raízes da música que os uniu ao mesmo tempo em que sua respectiva produção musical foi o que os manteve como grupo. Os Rolling Stones naturalmente nunca abandonaram o blues, muito embora este tivesse ficado num plano inferior na sua música — até o momento em que não havia necessidade de buscar o novo. Ou seja, em parte é um "retorno às raízes" como diria a imprensa ou um "resgate emocional", parafraseando a canção da banda.

No documentário de Morgan Neville, Richards põe a agulha no disco e roda Blue And Lonesome com o Little walter. Aquilo cala fundo. Até porque aquelas gravações originais (até a "I'm So Lonesome I Could Cry", que toca numa juke, no meio do filme) tem um blend especial. Aquilo soa simples e puro, uma gravações simples, como o rock deve ser — em um take, sem mixagens, com instrumentos acústicos, de preferência num registro rudimentar, como Robert Johnson. De certa forma, foi o que os Stones fizeram: nesse aspecto, foi quase como o primeiro disco. Pocas tomadas, banda ensaiada, gravada numa questão de horas, sem grandes mixagens, como um disco do Coltrane. Urgente e rude como o jazz, como o blues.

Dylan disse à Rolling Stone que sua postura singer-songwriter de certa forma matou o folk porque a essência do estilo é a versão. Ele se dizia "culpado" por ter virado autor, mas o folk não morreu; ele simplesmente se transformou à medida em que a música precisava mudar. Quer dizer, o passo não foi dado em falso. Porém, como diria o Gombrich na sua História da Arte: nem sempre o moderno ou o contemporâneo é o melhor em matéria de estética. O retorno não é um movimento único e típico da pós modernidade. Há muito coisa a aprender e a descobrir com o antigo. Desta forma, o retorno não é necessariamente nostalgia mas, sim, a busca do essencial.



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