Wednesday, February 03, 2016
A Turnê do fim do mundo
Cartaz da Winter Dance Party
O 3 de fevereiro é sempre lembrado como o "Dia em que o Rock Morreu". Nessa data, como se sabe, um grupo de músicos, encabeçados pelo guitarrista texano Buddy Holly, desapareceu num acidente aéreo.
Muito se escreveu e muito se escreverá a respeito da tragédia e a respeito da meteórica trajetória de intérpretes que desapareceram tão jovens. Porém, existe o outro lado pouco explorado da história: o de que todos os envolvidos na infame "Winter Dance Party" pagaram caro o preço do seu pioneirismo como artistas de rock. A tragéria, além de ceifar a vida de três grandes estrelas promissoras de um gênero que havia surgido no começo dos anos 50, expôs as más condições de trabalho a qual eles estavam sujeitos.
Poderíamos chamar o "dia que o rock morreu" de acidente de trabalho, acidente típico e acidente de trajeto. Para tanto, basta fazer a crônica da morte anunciada que foi a turnê. A maioria dos artistas contratados embarcou nela para ganhar maior visibilidade. A exceção era Buddy Holly. Ao contrário dos demais, ele já tinha um nome consolidado internacionalmente (e, com efeito, não precisava submeter-se a este expediente), porém estava processando seu ex-empresário, havia se mudado para Nova Iorque, iria ganhar um filho, e precisava de dinheiro.
O planejamento era de cobrir vinte a quatro cidades em pelo menos duas semanas. O que não se esperava é que o inverno americano de 1959 fosse ser tão rigoroso. Todos foram embarcados num velho ônibus (escolar, diga-se de passagem) sem calefação e sem a menor infra-estrutura para carregar uma trupe de músicos com seus instrumentos, como se fossem mambembes.
A turnê começou em Milwaukee, Wisconsin, em 23 de janeiro. Logo, eles se viram num problema logístico: a distância entre as cidades e suas respectivas datas. Em alguns casos, eles teriam que fazer mais de 500 quilômetros de um dia para o outro, sem possibilidade de parada para, pelo menos, lavar roupas.
O ônibus até tinha calefação, mas ela quebrou logo no começo. Numa questão de dias, quase toda a equipe estava doente. Ao mesmo tempo, o tempo piorou, e tempestades de neve foram companheiras de viagem. Dion (dos Belmonts) lembrava que, durante as tormentas, era impossível ver a paisagem pela janela.
A temperatura caía fortemente. Dion fala que ele e Buddy Holly dividiam o mesmo cobertor. Para suportar as baixas temperaturas, bebiam uísque. Até que, no fim da primeira parte da viagem, o baterista oficial da turnê, Carl Bunch, teve congelamento de pés e mãos. Foi prontamente hospitalizado em Ironwood, no Michigan,. Em seu lugar, outros tiveram que ir para as baquetas - e Ritchie Valens era um deles. Ele tocava bateria para Holly, e vice-versa. Agora, imagine o leitor um headliner virando músico substituto? Só em 1959.
Então a trupe chegou em Clear Lake, no Iowa, numa segunda, dia 2 de fevereiro. A cidade não fora listada nas dataa aprazadas. Contudo, os promotores da Winter Dance Party conseguiram agendar uma apresentação na cidade, visando preencher uma data vazia entre duas cidades.
Holly, que recém havia chegado em Clear Lake, ficou logo sabendo que teria que tocar naquela noite. Ele, que já estava frustrado com a canoa que era a turnê, topou a empreitada. Porém, dessa vez, ao invés de seguir viagem no ônibus, iria fretar um aeroplano - à revelia do contrato e às próprias custas, de Clear Lake para North Dakota. O objetivo, além de livrar-se do transporte rodoviário sem calefação, era o de ganhar tempo e poder lavar os trajes.
Como não bastasse uma turnê em pleno inverno (e não no meio do ano, durante o verão, por exemplo, e que certamente atrairia maior público), a neve era o impeditivo permanente. Como o avião estava fretado, a despeito do mau tempo, eles decidiram voar. E o resto é sabido de todos.
O que não se sabe, e o que não aparece em textos sobre o caso, além de investigações sobre o acidente em si, é a respeito de buscar quais foram os verdadeiros algozes de tal desdita. Alguma lei protegia os músicos em caso de acidente?
Como se sabe, o dever de indenizar vem da teoria do "risco gerado", ou seja, se é o contratante quem cria o risco por meio de sua atividade econômica, a ele caberia responder pelos danos causados, independente de dolo ou culpa.
Certo é que, como a iniciativa de deslocar-se por conta própria foi de Holly e dos demais ocupantes, os produtores da Winter Dance não tornaram-se réus de juízo. Mas a crônica dos bastidores mostra quais eram as condições a qual todos estavam submetidos.
Se não houve culpa pelo fato de que todos aceitaram submeter-se a trabalhar em tais condições, pode-se observar que, nesse fatídico episódio, não houve cuidado, por parte dos promotores do evento, de observar um mínimo de normas de segurança e obrigar os músicos contratados a trabalhar além do limite, causando todo o desgaste físico e psicológico - e que, no fim das contas, evitaria que Holly e os demais fretassem transporte alternativo (também em condições adversas e extremas), causando o acidente fatal.
Se foi possível tirar alguma lição dessa absurda e malfadada turnê do fim do mundo, foi a de que Ritchie Valens, Big Bopper e Buddy Holly não morreram em vão. Ou, pelo menos, como mártires da música, pereceram para que coisas do tipo não se repetissem nunca mais.
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