Sunday, May 17, 2015

Something in the Way


Poster do filme


Quando assisti ao documentário Kurt Cobain, Montage of Heck, exibido pela HBO no começo desse mês, na verdade, não achei tão avassalador como parte da crítica entendeu. Até porque, de certa forma, como o próprio líder do Nirvana dizia, ao execrar solicitações de entrevistas, que tudo estava nas letras das suas músicas.

O filme é interessante pela coragem dos pais de Cobain, principalmente Don, seu pai, em colaborar com Montage of Heck, seu relacionamento com sua primeira namorada, Tracy, e seus vídeos caseiros com Courtney Love.

Uma parte da trajetória de Kurt me remeteu à autobiografia de Eric Clapton. Assim como o guitarrista do Cream, ele também teve um episódio de rejeição por parte dos seus pais. Mas mais do que isso, ele talvez nunca tenha sido capaz de elaborar a separação dos pais. Esse episódio iria assombrá-lo pelo resto da vida.

Por conta dessa rejeição, Eric, que transformou a escritura de sua biografia uma espécie de análise, deixou claro o quanto essa rejeição protelou que ele tomasse conta de sua vida, e de como isso o tornou num alcoólatra, e de como isso quase o levou à morte.

Cobain, por sua vez, tornou-se introspectivo, irascível, instável, ele sublimava toda essa frustração em desenhos - que vemos pela primeira vez em Montage of Heck, e em sua música. Visões dessa rejeição nós vemos nas letras de canções como "Something in the Way" ou na primeira faixa do In Utero, "Serve the Servants". Além da rejeição dos pais, seu pai, Don, segundo ele, o humilhava. Isso também acarretou problemas que ele carregou pelo resto dos dias ("I tried hard to have a father/But instead I had a Dad).

Tanto que, numa entrevista do documentário, Cobain explica que queria muito casar-se com Courtney e criar sua filha, Frances, porque desejava restituir o lar perdido na infância. Isso parecia ser uma questão de vida e de morte para ele. Porém, Kurt achava que já não tinha nem capacidade psíquica e nem física para vislumbrar um futuro que, para ele, parecia "assustador".

Desde a adolescência, o líder do Nirvana sofria de problemas estomacais. Porém, como achava que aquela dor era parte de sua inspiração, ele protelou qualquer tratamento efetivo. Ao mesmo tempo, Cobain diz que decidiu resolver isso tomando remédios. Foi quando descobriu a heroína, já morando com Tracy.

Alguém pergunta se ele seria capaz de criá-la, a despeito de todos os rumores - vindo da imprensa, se eles seriam capazes de criar uma criança em "situação de risco" - dado o fato de que tanto Courtney quanto ele consumiam quantidades gigantescas de drogas durante a gravidez de Love. Cobain revela que seria capa de dar toda a ternura que seu pai não lhe deu. Mais: diria que isse seria o fator principal para que ele abandonasse a carreira.

Outra parte da sua trajetória me lembrou do repórter da Rolling Stone, David Fricke (que fez uma das últimas entrevistas com ele), que associou a vida de Kurt com a de John Lennon ("você pode achar que é sacrilégio, mas está tudo ali"). A fronda de Cobain e Courtney contra a imprensa no auge da carreira do Nirvana parece um repeteco da "The Ballad of John and Yoko". Para eles, não passavam de dois malucos drogados onde ela havia lhe subido à cabeça.

Nos vídeos caseiros - que compõem boa parte do documentário, eles fazem pouco caso da forma como eram retratados pela imprensa. No entanto, o clichê lhes cai bem aos olhos dos fãs. Todavia, Montage of Heck quer mostrar que o amor de ambos era verdadeiro e que, em última análise, Cobain era um homem inteligente, mas não era um herói, um bandleader, e nem queria ser. Morreu sem ter feito dez por cento do que gostaria de ter feito como artista.

Por isso, Montage of Heck não quer ser um grande documentário sobre o Nirvana. Mas mostra que sua morte não é fruto de uma conspiração, ou de um assassinato cultural, impetrado pela mídia. E o filme é um testemunho de um personagem mais trágico do que dionisíaco, o pop star dilacerado pelas próprias entranhas.

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