Monday, May 02, 2011

MEDÉIA

(CENA ÚNICA)


PERSONAGENS: JASÃO, MEDÉIA E A AMA DE MEDÉIA.



Cenário — Cozinha. Uma mulher lavando os pratos. Seu marido entra, abre a geladeira, e toma água gelada direto do gargalo da garrafa de plástico.



JASÃO (Encontra Medéia na cozinha. Dispara um olhar inquieto para a esposa e, depois de suspira) Querida, o que você acha do Creonte?

MEDÉIA (Admirada) O Creonte? Ué? Por que diabos você quer a minha opinião a respeito dele? Eu, hein?

JASÃO (Sério) Por nada, meu bem. (Confidencial) Então quer dizer que você não acha nada a respeito dele?

MEDÉIA Não (À parte) Acho ele inclusive um chato.

JASÃO (Solene) Acaba de suspirar. Bateu as botas. Morreu!

MEDÉIA (Esbugalhada) Não! (Leva as mãos à cabeça) Meu amor! (tropeçando nas cadeiras) Meu amor! Não!

AMA DE MEDÉIA (Irrompe) O que está acontecendo? Dona Medéia, o que aconteceu?

JASÃO (Sardônico) Nada, foi a minha mulher aqui. O marido dela acabou de bater as botas.

AMA DE MEDÉIA: Mas, seu Jasão!

JASÃO (Com exaltação) Não tem mas seu Jasão coisa alguma! O amante dela, você quer saber quem é o amante dela? É o Creonte, aquele careca e gordo que vem comer aqui em casa de vez em quando!

MEDÉIA (Arremessa a caçarola na parede, derrubando o calendário das Edições Paulinas. Olha para ambos, com o dedo em riste com raiva) Sabem de uma coisa? (em tom desafiador) querem saber? Hein?

JASÃO (Alterado) Fala, desgraçada! Fala bem alto, prá todo mundo, porque a gente quer saber. (olha para todos que se amontoavam para ver a cena). Vocês não querem saber o que ela tem para dizer, pessoal, hein? (virando-se para Medéia) Viu? Todo mundo quer saber.

MEDÉIA (Debochada) Pode rir, filho da mãe! Eu traí você com aquele gordo careca. E daí? Ele era muito melhor do que você! Ele me come melhor! Melhor! Mil vezes melhor! (olhando para a ama) Eu gozava com ele, tá entendendo? Gozava! (para Jasão) Você? Olhe para você! Você nunca chegou aos pés dele! Eu vou ao enterro do Creonte! E ninguém aqui vai me impedir! Eu sou mais viúva do que a mulher dele! Aquela broaca! Uma mulherzinha de nada. Ele gostava era de mim! (com o olhar perdido em algum ponto da parede) Eu sou mais gostosa, sou melhor de cama, ele me dizia isto! Eu sou redondinha! Ela é uma tábua seca! Eu tenho peitos. Peitos!

AMA DE MEDÉIA (Berrando) Ai meu Deus. Ai!

MEDÉIA (Enxugando o rosto) Agora que o meu amor morreu, eu não tenho de mais nada (espetando o dedo para Jasão) Nada!

JASÃO (Farto) Agora chega! A comédia acabou! (olhando para todos) Fora daqui!

AMA DE MEDÉIA (Aos prantos) Pare, seu Jasão, o senhor está descontrolado!

JASÃO (Em tom ameaçador) Descontrolado é o cacete! (os vizinhos saem)

MEDÉIA (Dolorosa) Filho da mãe...

Engole esse choro, vagabunda! Já deu teu espetáculo para todo mundo! Então o Creonte era um sujeitinho insignificante, não é? Era insignificante e comia o teu feijão! Pois saiba que eu menti.

MEDÉIA (espantada) Mentiu o quê?

JASÃO Menti.

MEDÉIA (Intrigada) Mentiu o quê?

JASÃO: (Acendendo um cigarro) Ele não morreu coisa nenhuma. Quis provar você, e caíste bem direitinho, sua adúltera idiota.

MEDÉIA (Esboça um sorriso desconcertado) O quê? Ele está vivo?

JASÃO Está sim (Expelindo nicotina) mais vivo do que eu.

MEDÉIA (Cobre a boca com as mãos) Oh, meu Deus!

JASÃO (Num ímpeto) Deus o cacete, sua cretina! Olha, olha aqui na minha cara, e responde: é o teu machinho, é? (Apertando Medéia) É teu macho, é? Fala, desgraçada!

MEDÉIA (Se desvencilhando de Jasão) Me larga, bruto!

JASÃO: Que foi? Tá com medo agora, a mulher sem medo está com medo, agora?

MEDÉIA (Pendurada pelos cabelos) Frouxo! (Leva um tapa) Frouxo! (Outro) Frouxo! (Mais outro) Frouxo! (Se esgueira, e cai sobre o braço protegendo o rosto, que se parte sobre a ponta da mesa) Ai! Deus sabe a quem cabe toda a culpa!

JASÃO: (Desferindo-lhe outro soco) Sabem também como é tenebrosa é a tua mente! (Novo soco e Medéia cai inerte sobre a mesa, abrindo o móvel em dois)

MEDÉIA (Rilhando os dentes) Pode vir, desgraçado! Vem, me chuta, acaba comigo! Pode vir, me mata! Me mata! Creonte é o meu amor sim, ele é o meu primeiro e único amor, e eu amarei ele na morte, e sei que ele chorará por mim, porque ele me ama mais do que a sua mulher!

JASÃO (Furioso) Toma!

MEDÉIA: Sim, eu amo ele e te odeio, ele é mais homem do que você, e você é um nada perto dele! Você é um nada, nunca foi nada, nunca vai ser nada! (Esconde o rosto para novo ataque de Jasão. O soco lhe faz abrir os braços e derrubar o rádio da estante da cozinha. A queda faz com que o aparelho ligue em alto volume) Meu amor! Ai! (Cai no chão. Jasão chuta Medéia várias vezes, que apanhava calada)

JASÃO (Descontrolado, chuta o rosto de Medéia ) Frouxo, é?
MEDÉIA (Num derradeiro suspiro) Creonte! (morre sob repetidos chutes de Jasão)


CORIFEU (Enquanto o coro se retira) Dos píncaros do Olimpo Zeus dirige
O curso dos eventos incontáveis. E muitas vezes os deuses nos deixam atônitos
Em seus desígnios. Entretanto, se concretiza a expectativa e vemos afinal, o esperado).

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