Saturday, March 12, 2011

O Aragano


Flores da Cunha

Setembro de 1930. A Aliança Liberal, capitaneada pelo intrépido Oswaldo Aranha (e Getúlio Vargas), conspirava subterraneamente contra o Governo Federal que, com a eleição de Júlio Prestes, queria manter a velha política café com leite no Brasil.

Junto com ele, havia também um certo senador Flores da Cunha, seu colega dos tempos de provisórios, em 1923. Pois Flores estava jogando põquer no então afamado Club dos Caçadores (que ficava na Rua Nova, hoje a Andrade Neves). Reza a lenda que, numa daquelas noites de primavera, sentou-se também à mesa de jogo um paulista.

O sujeito, lá de seus trinta anos, no entanto, era matreiro: só entrava nas boas. e vivia reclamando das regras do carteado. Em meia hora, ele já havia granjeado toda a antipatia dos participantes. O mais impaciente de todos era, justamente, o General.

Num ponto do jogo, quem mais apostava às ganhas mesmo eram Flores e o jovem paulista. Foi quando o altaneiro visitante conseguiu uma sequência de cartas. Viu que nenhuma das que o General mostrava combinavam entre si.

Fez menção de pegar as fichas quando Flores o interpelou:

- Quem ganhou fui eu. eu tenho um Aragano.

O paulista fez cara de desentendido. O senador então completou:

- O Aragano acontece justamente quando nenhuma das cartas combina, entendeu? Aqui no Rio Grande do Sul, o aragano mata sequência e perde para full hand.

Mesmo demonstrando contrariedade, o paulista deixou passar - afinal de contas, ele era o forasteiro e ninguém contestou a afirmação do general.

Quatro rodadas depois, eis que ocorre o inverso: o paulista conseguiu um "Aragano", percebeu que o maior jogo dos demais era trinca, e puxou as apostas. Flores novamente o interpelou:

- A trinca venceu.

O forasteiro se exasperou:

- Mas como, se eu tenho um Aragano?

- Fica vacê sabendo - respondeu Flores, de maneira enfática, com o charuto entredentes - acontece que o Aragano vale apenas uma vez por jogo. E ficou olhando nos olhos do paulista, seríssimo.

Silêncio total. Os dois se olhavam fixamente. então Flores explode numa gargalhada. entre baforadas de charuto, larga as cartas na mesa e diz:

- Meu amigo, o Aragano não existe. Esse jogo aqui já foi para o brejo, ninguém perde nem ganha, acabou, melou. Isso aqui é só para lembrar para vocês que, aqui no Brasil, daqui a pouco, quem vai cagar regras nesse país vai ser gaúcho.


E não era chiste. Dia 3 de outubro eclodia a Revolução de 30.

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