Thursday, May 20, 2021

O eterno retorno dos Doors

Cartaz do filme

Esse ano completam trinta anos do filme Doors, do Oliver Stone. Lembro que eu cogitei ir até a sessão de estréia, à meia-noite, no Vitória, ali na esquina da Andrade Neves com a Borges. Eu cheguei a me postar na frente, mas amarelei e não fui. Achei que ia ser barra pesada e não fui. Acabei assistindo ele muito tempo depois. Porém, na época, 1991, era uma época interessante. Depois de uma década onde o rock era uma coisa meio outliner na paisagem musical, e a maioria do pessoal dos anos 1960 estava bancando o artista da fome para sobreviver naqueles tempos bicudos prá quem era roqueiro, no final da década, o Paul McCartney resolveu sair do armário com os covers dos Beatles (que ele se negava a tocar no Wings) e aquilo meio que foi um retorno à nostalgia do rock. Da mesma maneira, depois de dez anos dispersos e tentando adaptar-se à geração MTV, os Stones saíram numa gigantesca turnê pelo mundo (Urban Jungle). Eles também, à sua maneira, meio que desistiram que inspirarem-se no que estava acontecendo no cenário do pop para voltar ao rock. Seu mais recente disco, o Steel Wheels, era aquilo que os jornalistas americanos, sempre na onda do clichê boboca, chamavam de “return to form”. 

Depois daquela invernal década de 1980, não parecia ser marcação de touca tocar uma bateria que não fosse eletrônica, um piano ao invés daqueles recladinhos Casio ou um violão, violão mesmo. O filme dos Doors, por coincidência ou não, meio que estava dentro daquele contexto. Mesmo quem não assistiu à película naquele ano de 1991, pelo menos lembra que as canções da trilha sonora conquistaram o rádio. Mais precisamente as rádios alternativas, como a Ipanema. Eu recordo que as faixas do disco tocavam o dia todo, como se eles tivessem descoberto aquele tesouro musical que era aquele rock sônico e cênico dos Doors, com o teclado espacial do Ray Manzarek e o vocal de crooner do Jim Morrison. Já devo ter falado aqui diversas  vezes isso que eu vou falar agora mas, naquele tempo (1991), a nossa cultura musical era a cultura musical do rádio. Sem a internet ainda, éramos induzidos a ouvir e apreciar o que havia no rádio e só. A Ipanema tocava tantas vezes a música dos Doors que era incrível para não dizer bizarro. Bizarro porque eu lembrava de ver alguns álbuns deles na parede da Free discos usados, no Viaduto da Borges. A loja era engraçada porque nunca havia ninguém olhando os discos, os álbuns eram vendidos sem capa de plástico e havia aqueles discos dos Doors na parede. Eu tinha as capas de memória, o L. A Woman e o Morrison Hotel. Mas só pude ter acesso à música deles por causa da moda que surgiu em torno do filme do Oliver Stone.

 O filme, que eu vi depois, e acho que quem está me lendo já viu, deve ter descoberto não apenas a música deles quanto a filosofia de Nietzsche, cujo diálogo contínuo vale uma tese de literatura comparada. Muitos criticaram o roteiro (como o Manzarek), afirmando que muita coisa ali não havia acontecido e que havia uma certa forçada de barra na construção da imagem de Morrison, como um incontrolável beberrão. A verdade é que, depois de ver o filme, é possível vislumbrar uma subleitura do roteiro que justamente quer estabelecer a figura do líder da banda californiana como um duplo de Dionísio e mostrar, com a trajetória do cantor e compositor do quarteto lembra a figura alegórica de Dionisio, o deus grego que é a aurora do que seria a tragédia ática. Dionísio em Nietzsche é uma figura recorrente em sua filosofia, ele é a divindade da pulsão de vida. Contra ele, existe um movimento contrário, reacionário, que o filósofo de A Genealogia da Moral vai dizer que é uma onda repressiva, reacionária. E, na fábula do filme, desde o começo, temos Morrison-Dionísio em seu percurso de herói enfrentando um sindicato de bunda moles que querem frustrá-lo. Para Nietzsche, o mundo é regido pelos fracos, por forças ativas e reativas.  O reativo age apenas para anular o desejo do outro, o ativo. O mundo é regido por um complô de ressentidos - quem leu o filósofo alemão sabe onde encontrar onde ele se refere sobre resserntimento em seus livros, mas ele quer dizer, em outras palavras, que é esse sindicato de bunda moles que é capaz de se reunir, se aglutinar e formar um grupo que é capaz de determinar leis, interdições, regras de controle mental, coerção social. Eles são muitos. E o artista, o artista com vontade de potência, o artista que é ele em sua arte, ele é um solitário, é ele contra a turba inconsútil, ele contra o sindicato dos bundões. O argumento é muito interessante. E eles são muitos e implacáveis, desde o dono do Whisky a Go Go até Ed Sulivan e, por fim, o julgamento final contra ele. Banido da sociedade, ele parte para o exílio e para a morte. No final, quando Stone mostra Jim de barbas, gordo e de chapéu, conduzindo a platéia como o flautista de Hamelin, mais do que a verdade das biografias, de forma original o diretor do filme representou ali um verdadeiro festim dionisíaco. Morrison é o exemplo de força ative é Morrison, morrendo no palco; um exemplo de força reativa é o Ed Sullivan mandando os Doors auto-censurarem a própria letra sob condição de poder aparecer na televisão. O reativo é o que anota todos os baixos do artista e o coloca no cadafalso, e depois morre por não ter mais a quem reprimir, pois essa é a sua razão de viver, a sua razão de viver é interditar, reprimir, priobir, coibir. Esses são muitos. regra é coisa de reativo, porque quem é o ativo para Nietxsche não tem tempo para fazer regra. A força reativa permite associação, alianças. A força ativa requer a contade de quem age, e isso não requer associação. Ele é o artista dionoisíaco. Para Nietzsche, dionisíaco é Arquíloco, na fábula de Oliver Stone é Jim Morrison. A tragédia do filme The Doors é o triunfo da reatividade sobre o espírito ativo do artista. A vitória da reatividade contra a atividade. Mas para o autor de O Nascimento da Tragédia, o valhacouto da atividade é a arte. É o artista quem age em funçãode sua energia vital e não em função de uma técnica a ser repetida. A arte está na manifestação irrepetível, primal, ali está a arte. Morrison era o avesso de Elvis Presley. Em seu começo, Elvis era o dionisíaco por excelência - selvagem, com sua forma de vestir, com seu repertório decalcado do R&B e sua dança. Porém, logo ele se enquadraria ao estabulishment, o mesmo que exigiu que o rock fosse edulcorado pelas grandes gravadoras e editoras musicais depois do expurgo da CPI da payola. Morrison, por sua vez, era o contrário: foi selvagem até o fim. Como ele é representado no filme, não se dobrava a a produtores, empresários, policiais, imprensa, a nada e a ninguém. Era o pathos do artista nietzscheano. Claro que enquanto Elvis seria depois entronizado, Jim foi condenado ao ostracismo. Sua morte em Paris, em 1971, aliás, é simbólica. Morrison não apenas morreu exilado como foi enterrado fora do país que o rejeitou.  

Quase no fim, quando Robbie Krieger se despede de Morrison e fala: “eu fiz música com Dionísio”, o diálogo certamente é fictício, mas serve ao mito do filme, o diálogo da estrela de rock que foi representado, no seu caracter fílmico, como uma versão repaginada do deus grego, deus do vinho, deus da noite, deus do desmedido, como Morrison em The Doors. Esse foi o grande wit de Oliver Stone, articular o mito com outro mito, atualizando-o. E, de quebra, é interessante ver que o diretor teve a astúcia de representar os Doors miticamente como um contraponto à toda aquela cultura pop que existia quando eles surgiram. Diferente do pop solar do rock californiano dos Beach Boys, o rock experimental, cênico, trágico e noturno dos Doors. No papo entre Jim e Ray, em Venice Beach, quando eles começam a discutir sobre a possibilidade de montar uma banda de rock, Oliver Stone faz magicamente o dia virar noite quando Morrison canta “Moonlight Drive” (“Let's swim to the moon, let's climb through the tide, penetrate the evening that the city sleeps to hide”). 

Essa é a chave para a contextualização do mito de Dionísio-Jim. Por isso, é importante entender o projeto da adaptação biópica do líder dos Doors como uma tragédia, e compreender as sutiliezas do mito e das formas como Stone trabalha com esses motivos ajudam a enriquecer as possíveis interpretações do filme.  Mas, mais do que isso, o filme serviu, num momento singular, de veículo para que o rock dos anos 1960 fosse, digamos assim, recuperado e reagendado no circuito do pop a partir dos anos 1990. De repente, o mundo descobriu que a música dos 1960 eram interessantes, prá não dizer melhores e mais duradouras do que tudo aquilo que tentaram massificar nos anos 80, vendendo aquelas novidades e sucessos como se fosse a melhor coisa do mundo, numa estratégia (consciente?) de apagar ou de jogar para o passado todo o passado em favor do presente acima de tudo. 

O cinema foi pródigo nos anos 80 em furar esse bloqueio e reavivar esses apagamentos. Vários filmes no final da década trouxeram o pop dos anos 1960 de volta. Dirty Dancing, La Bamba, Stand By Me, Ferris Bueller's Day Off, Jumpin' Jack Flash, Full Metal Jacket, Good Morning Vietnam. Quem promoveu o levante foram essas trilhas. Foi o cinema o responsável por descongelar essa cultura apagada. Hoje nós temos a disposição, no streaming, a um século de gravações em catálogo em processo de digitalização. Naquele tempo, isso era impensável. Logo, movimentos como o da difusão cultura de música antiga a partir da sétima arte foi um momento importante no sentido de redimensionar a produção musical através do tempo. Os Doors – via Oliver Stone, tomou conta do rádio a partir de 1991. Em pleno auge da implantação massiva do CD, os discos da banda foram disponibilizados em catálogo. E a partir de então, nunca mais saíram das estantes das lojas (apenas quando o CD morreu). Enfim, se houve um momento em que esse processo de redescoberta do rock dos anos 1960 para um a nova geração se deu no final dos anos 1980 e o paroxismo foi justamente o filme do Oliver Stone. Afinal de contas, não era apenas um filme com uma trilha sonora do passado. Era a própria cinebiografia de uma banda dos anos 1960, falando daquela época para o presente. E o filme foi The Doors, que completa três décadas esse ano.


1 comment:

Anonymous said...

A quantidade de besteiras escritas neste texto demonstram total ignorância.
Fui me dar o trabalho de ver o ano dos meus álbuns do Doors(que já tocavam na Ipanema e na Bandeirantes muito tempo antes do filme, que de resto só colocou a trilha sonora na Atlântida FM).
Lançados em 86/87 muito antes da crônica do ouvinte da Atlântida(que também não são muito melhores que os da Ipanema). Devo dizer que na época já tinha sido um grande evento o lançamento de todos os LP's do Doors, o que restou do filme lançar essa coletânea que a capa é cópia do cartaz do filme, já que público vindo de filme não suportaria nem 1/10 da obra completa.
Vou iluminar sua burrice com uma palavra: Apocalipse.
Esse tipo de leitura é que nos faz entender as pessoas acreditarem em terra plana.