Thursday, May 13, 2021

As vidas de La Bamba

 

Lou Diamond Philips como Ritchie Valens


 Dia 6 o Estadão traduziu uma matéria que eu havia lido no dia anterior, no New York Times (online, via Twitter) sobre os 80 anos do Ritchie Valens. Na matéria, o diretor do filme La Bamba, Carlos Valdez, considerado o precursor do cinema chicano em Hollywood embora não tenha seguido uma carreira prolífica nesse nicho, e o protagonista, Lou Diamond Philips. Sob a forma de diálogo, eles fazem um balanço tanto da carreira do guitarrista e pioneiro do rock nos anos 1950 quanto do próprio projeto da película, com um roteiro centrado numa imagem não etnocêntrica das comunidades latinas nos Estados Unidos, mais especificamente na Califórnia. Enquanto Valdez entende que o enredo serviu para que ele construísse esse novo olhar para tais comunidades, apontando uma forma nova de abordá-las pelo cinema comercial estadunidense, Philips conclui que, na trajetória de Valens cifrada no filme de forma bastante singular, tentando forçar barreiras étnicas com sua música, deixando um legado na própria história do rock, o filme mostra que Ritchie era um sonhador que queria, como todo jovem como ele, conquistar o sonho americano e vencer. Lou também entende que o impacto do personagem, espelhando-se na figura do verdadeiro Valens, fez com que ele mesmo se entendesse como um duplo do músico chicano.

Valdez fala que o corolário de La Bamba o impressionara: ele revela que Hollywood parecia não acreditar que um filme “chicano” fosse capaz de render um grande box office – ainda mais dirigido e interpretado por figuras não hegemônicas no campo cinematográfico. O filme, que custou pouco mais de seis milhões de dólares superou todas as expectativas, rendendo quase dez vezes mais. Philips acredita que o longa é, ao mesmo tempo, único por encapsular muitas significações como referência e modelo a ser seguido enquanto não foi capaz de gerar uma moda latina, embora, como destaca Valdez, a perspectiva de um filme além dos estereótipos chicanos - como mostrá-los filmicamente como bêbados e violentos ou associados a gangues -  é um grande legado da trajetória de La Bamba.

Como anota Philips, após a experiência de Valdez, o que se viu nas últimas décadas é um movimento descolonizador do “cinema étnico”, O que temos visto nos últimos 20 anos é uma comunidade afro-americana se expressando abertamente e produtores, diretores e roteiristas muito motivados e determinados”, diz.

Já a matéria de hoje da Rolling Stone norte-americana, citando os 80 anos de Valens, traz entrevista com os integrantes dos Los Lobos. O texto mostra que, assim como o filme mudou tantas vidas a partir do seu lançamento, em 1987, a carreira do grupo, iniciada em 1973, está cifrada no legado musical de Valens. Mesmo depois da prematura morte do guitarrista, em 1959, sua música nuca deixou de ser ouvida e cultuada na região onde ele viveu. 

Os membros da banda lembram que, nos anos 70, tanto o rock dos anos 50 quanto os singles dos raros sucessos de Valens circulavam pela região, desde através de cópias piratas de discos e fitas cassete quanto por conta de rádios chicanas, como as borderblasters, na fronteira de Ciudad Juarez e que, com sua potência característica, fazia ressoar aquelas canções antigas no imaginário daquelas comunidades latinas. David Hidalgo revela que o contato com a música de Valens não apenas formou o conjunto quanto fez com que a família de Ritchie travasse contato com eles. Hidalgo conta que passou a conviver de forma cotidiana com os parentes do músico, passando a conhecer detalhes da vida do autor de “Donna”. O corolário dessa relação veio com a colaboração dos Los Lobos para interpretar as canções do músico no filme de 1987.

Falando em “Donna”, eu lembro de estar ouvindo rádio lá por 1988, lembro perfeitamente que morava com minha avó e, enquanto estudava, uma emissora começou a tocar “Donna”. Lembro de ouvir aquela balada sentimental sem entender qual era a origem daquilo. Naquele tempo, não era o tipo de música que se ouvia em rádio, ainda mais as de segmento jovem da época. Não só aquela, como “La Bamba” seria uma das mais tocadas. Foi quando eu descobri que o filme em questão iria estrelar no Scala – embora a tevê externa do Cacique anunciasse o filme, como era novidade aqueles telões de calçada. Eu sempre parava para ver o vídeo de “Lonely Teardrops” e, naturalmente, fiquei louco para ver. Enfim, eu assisti ao filme e corri atrás dos discos com a trilha sonora.

Eu lembro que, naquele tempo, eu estava descobrindo o FM e meu gosto musical anterior ainda era o que eu ouvia no AM e alguns tentativas como músicas de cinema clássicas ou big bands. Ao mesmo tempo, eu não gostava lá muito do tipo de música jovem que se fazia, então eu me sentia totalmente marginal no tocante à música. Acho que foi o impacto do filme e da trilha sonora que fez com que eu quisesse um walkman e depois passasse a ouvir, quase que diariamente, rock dos anos 50. Em suma, o filme foi o meu batismo no rock.    


Referências:

Ritchie Valens' birthday legacy

https://www.rollingstone.com/music/music-latin/ritchie-valens-birthday-legacy-1168221/

La Bamba, the lifes it changed

https://www.nytimes.com/2021/05/03/movies/la-bamba-lou-diamond-phillips-luis-valdez.html


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