Saturday, September 21, 2019

Lawrence da Arábia contra o etnocentrismo

Peter O Toole como T E Lawrence


Tem uma cena do filme Lawrence da Arábia (David Lean, 1962) quando o protagonista, depois de ganhar roupas de beduíno, integrar os árabes e tomar Ácba, pondo os turcos para correr e atravessar o deserto até chegar em Cairo, quando depara-se com um guarda na entrada do seu QG, não é reconhecido. O guarda barra-lhe a passagem e diz: "para onde você pensa que vai, mustafá?
Numa cena anterior, quando Lawrence diz que quer retornar ao Egito, é criticado pelo personagem de Omar Shariff. Ele diz: "lá vai você dizer que andou com um bando de beduíno com roupas ridículas não é?".

Interessante ver como nessas duas cenas nós podemos entender o que os antropólogos chamam etnocentrismo. Segundo o antropólogo Rafael José dos Santos, ele consiste numa atitude que nós tomamos nossos valores e nossa cultura como medida para julgar as práticas dos outros. Ele diz que, ao basearmos em nossas crenças para julgar os outros, nós não somos capazes de enxergar o outro.

Enfim, o que se defende aqui é que nós assimilamos nossos valores desde o começo, e isso exerce uma influência grande em nós, de julgar como absolutas coisas que, na verdade, são relativas.

A antropologia, ou o estudo antropológico se estriba no fato de que é preciso entender a relatividade entre as coisas de nossa cultura e da cultura do outro. Esse é um passo fundamental para entender os processos de estudos antropológicos.

Nós também sabemos que o etnocentrismo está arraigado no senso comum. É possível ver como as pessoas julgam as diferenças dos  outros pelos seus valores até mesmo no preconceito contra pessoas do interior ou de outros estados, só para pegar um exemplo aleatório.

O senso comum é implacável. Você sabe que é etnocêntrico quando comete esse tipo de olhar o tempo todo. Ter noção de que somos etnocêntricos e que, na maioria das vezes, cometemos essa derrapagem ao achar que determinado grupo é errado e o que fazemos é o certo. O importante, como diz Rafael, é que reconheçamos isso, saibamos que isso existe - não só eu com relação ao outro mas, também, o outro com relação a mim - e sabermos lidar com essa dificuldade no "reconhecimento do que nos é estranho".

Quando os valores de determinado grupo ou sociedade superiores a qualquer outra, corremos o risco de querer impor nossos valores nesse outro.

É o caso do Lawrence. Para os ingleses, que ocupavam militarmente o Egito durante a Primeira Guerra Mundial, os árabes eram um bando de beduínos sem rumo  ou direção, selvagens e ignorantes. Eram, enfim, mustafás. Na fala de Shariff, ele entendia a diferença e certamente, como se pode depreender de sua fala, sentia o preconceito, ou a visão etnocêntrica dos ingleses com os árabes.

Este militar inglês, que também era antropólogo, relativizou a relação entre essas diferenças. Ele entendeu os árabes como eles eram, e soube fazer o que os demais britânicos não conseguiam: uni-los contra o inimigo comum: os turcos.  O exemplo do filme de David Lean, um belíssimo filme, é mostrar a grandeza dessas lições nos pequenos detalhes do roteiro.


Referência
SANTOS, Rafael. Antropologia Para Quem Não vai ser Antropólogo. Tomo Editorial, 2005.

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