Saturday, September 21, 2019

Max Weber e o Pateta no trânsito




Quem via desenhos antigamente ou faz algum curso de direção já deve ter assistido a um desenho, que já é clássico, chamado Motormania ou, aqui no Brasil, Pateta no trânsito, de 1940.

Este desenho, para quem não sabe ou lembra, conta a história de um pacato cidadão que, ao dar a ignição no carro, transforma-se num sujeito prepotente, arrogante e dono da rua. Passa por cima de tudo e todos. Quando ele sai do carro, ao chegar à cidade, ele é atacado por outros motoristas que, por sua vez, diante da direção, assumem a mesma atitude. Quando ele retorna ao carro, sua persona agressiva reaparece, quase como um Médico e o Monstro.

A despeito do caráter de diversão, ou de referir-se a este papel agressivo de todo motorista, Motormania poderia ser considerado como uma aula de sociologia. Aqui, o desenho estabelece uma tipificação, um modelo que existe na sociedade e que pode ser resumido a um tipo ideal, ou um modelo que se repete na sociedade em geral. O conceito do "pateta no trânsito" como tipo ideal nos remete a um dos grandes luminares da sociologia, um senhor chamado Max Weber.

Considerado um dos fundadores da Sociologia, Max Weber (1864-1920) legou uma obra cuja influência tem um vasto espectro —  da economia ao direito e da ciência política a administração. Boa parte de sua produção foi dedicada ao estudo dos processos de racionalização do capitalismo. Texto capital no corpus de sua obra, a Ética protestante e o espírito do capitalismo defende a tese de que o protestantismo influenciaria a progressiva burocratização dentro do capitalismo em sua etapa monopolista.

Para Weber, a sociologia é “uma ciência voltada para a compreensão interpretativa da ação social e, por essa via, para a explicação causal dela  no seu transcurso e nos seus efeitos”.

Ele recolhe dois exemplos que explicam tal entrega: o primeiro se reflete na forma como o sociólogo se coloca diante das questões práticas do dia, como manifestar-se publicamente contra grupos que colocaram-se contra a social-burocracia nos eventos relacionados ao fim da Primeira Guerra Mundial - atitudes que quase transcendem o caráter não-político do sociólogo. O segundo exemplo está na postura teórica da Weber.

Weber dizia que o nome do sociólogo está associado à formulação do conceito capital para a observação histórico-social, o “tipo ideal”. Como expediente metodológico, trata-se de uma forma de orientar o pesquisador diante da interminável variedade de fenômenos sociais.

Apesar da expressão estranha, o tipo ideal não é um tipo idealizado. É um que se reproduz na sociedade. O Pateta no trânsito, lembre que o desenho é de 1940, sempre existiu e sempre vai existir. Sérgio Buarque de Hollanda, por sua vez, um weberiano nato, tinha o seu tipo ideal: o homem cordial. No Raízes do Brasil, ele diz que o homem cordial é aquele que não consegue separar o público do privado. Isso está na medula da sociedade brasileira e, com certeza, sempre estará.

Assim, o tipo ideal seria uma forma de enfatizar traços da realidade, como o burocrata profissional, até tipificá-lo numa expressão pura e consequente, mas que não se apresenta de tal forma em situações efetivamente observáveis. Por conta disso, esses tipos precisam ser concebidos na mente do sociólogo: “existem no plano das ideias sobre os fenômenos e não nos próprios fenômenos”.

O conceito de tipo ideal é discutido por Weber em A Objetividade do conhecimento nas ciências sociais. Para o pensador alemão, a única forma de apreender a realidade aqueles traços específicos que interessam ao sociólogo são “metodicamente exagerados” para, num segundo momento, seja possível formular questões pertinentes a respeito das relações relevantes sobre as relações entre os fenômenos observados.

O Pateta pode ser, pois, uma construção dessa tipificação do cidadão que vira um monstro. O desenho não perde a oportunidade de caracterizá-lo com cores grotescas. Ele provoca o riso no começo. Mas, depois, fica a questão. Esse personagem, que é caricaturado na figura do Pateta, ele é um ser real. Por isso que, como expediente pedagógico, escolas de direção passam Motormania para os jovens motoristas. Para que eles se vejam no Pateta no trânsito. O estúpido "inocente".

Se formos pensar, a guisa de conclusão, é que o Pateta no trânsito não está só diante do volante. Ele está por aí; está na política, ele está nas redes sociais, ele pode estar na frente de você na fila do supermercado. Ele é aquela pessoa pacata que cumpre todos os seus deveres de cidadão, ele cuida do seu jardim, ele posta fotos bonitas no Instagram mas, numa situação singular, ele se transforma. E talvez, como no Pateta no trânsito, essas pessoas nem se deem conta da forma agressiva, prepotente e estúpida como eles agem: acham naturalmente que podem dizer tudo sobre todos.

E é só no momento em que eles logam nas redes sociais. Depois, voltam para o seu jardim e para as fotos no Instagram. Essa é uma tipificação singular, no sentido que, através do espaço e do tempo, em qualquer situação, no trânsito ou na Internet, todos agem dessa forma. A rigor, eles não são assim o tempo todo. Mas numa determinada situação, todos agem da mesma forma.

Por que nós somos patetas no trânsito?


Referência:

GABRIEL COHN. Max Weber. Sociologia. Ática, 2003. 


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